Uma nova perspetiva para o conhecimento – científico – em Turismo

Será muito estranho que aqueles que suportam cooperações formais neste sentido, desvalorizem publicamente o seu contributo, em prol de respostas que não defendem o interesse dos vários agentes do território de forma equilibrada

Turistas no Algarve – Foto: Nuno Costa | Sul Informação

Neste artigo, proponho uma reflexão em torno de novo conhecimento científico, que sucessivas gerações têm criado em torno de múltiplas áreas disciplinares. Todo o fenómeno científico possui uma área de enquadramento e é na década de 70 que, com a emergência maior do seu desenvolvimento, os cientistas sociais começam a despertar para o estudo do Turismo e para a criação de um corpo conceptual.

Nos meus primeiros passos no Ensino Superior em Turismo, tive um grande mestre, que referirei como JFM, que sempre nos dizia que levará muitos anos até que o Turismo venha a ser estabelecido como área autónoma de conhecimento científico.

O estudo desta realidade era ainda muito ténue em termos internacionais e, em Portugal, conheceu, em 1991, um Livro Branco do Turismo (pelo Ministério do Comércio e Turismo).

Um dos exemplos de exceção deste reconhecimento que partilhava connosco era o caso do Brasil, em que se verificou mesmo a regulamentação do conceito e profissão de Turismólogo (ver a lei nº 12.591 de 18 de janeiro de 2012) e da Turismologia, como a área de conhecimento científico em Turismo.

Há uma distância entre a teoria e prática, e a discussão em torno da ciência do turismo já tem alguns anos. Os Estudos em Turismo referem-se ao estudo aplicado ao Turismo, enquanto o Turismo como Ciência procura fornecer um enquadramento teórico para a compreensão do Turismo.

A história da ciência cruza-se com a história das viagens, sobretudo nas grandes expedições para estudo e conhecimento de fenómenos noutras geografias. Mas não é disto que vos quero falar e sim do Turismo como corpo de conhecimento reconhecido.

Um estatuto para o Turismo

Uma teoria do turismo? Uma área disciplinar? Desejamos e queremos sobretudo um estatuto que coloque o Turismo no lugar onde merece estar e com o tratamento devido. Este não será o fórum mais adequado, mas será certamente um dos que irei utilizar para defender esta ideia, que é diferente de defender uma instituição ou uma personalidade.

Temos assistido a um ataque à profissionalização das funções em nome do liberalismo e da desregulamentação das profissões, que, por vezes, também padece de excessos.

Em todas as áreas do mercado, precisamos de “fazedores” e de “pensadores”. A pós-modernidade acentuou um comportamento do consumidor baseado no efémero, na experiência, na imagem. É o mercado a funcionar, dirão alguns, mas é um mercado a funcionar sem ordem e sem política orientadora, promovendo a intervenção individual e não coordenada, procurando apenas responder à problemática do momento, que, no setor dos serviços, tem os seus efeitos maiores em termos do funcionamento, da estrutura de emprego e nem sempre com benefícios para as várias partes envolvidas.

Da Economia Industrial à Economia Superficial

O Estado Social foi um dos desenvolvimentos mais importantes para o acesso das pessoas à educação, à saúde, mas também ao lazer e à cultura. Em grande parte, a modernização operada pós-II Guerra Mundial resultou de esforços de desregulamentação dos Estados, que, com a modernização da produção, acresceram a emergência de maior competitividade e novas bases para as economias, que necessitaram de alterações na estrutura do emprego, conduzindo a uma alteração profunda dos modos de produção.

A passagem de uma economia baseada em bens para uma economia de serviços tornou mais volátil o funcionamento regrado dos mercados. É crucial não só uma força flexível de trabalho, mas também crescentemente especializada, o que não é fácil, pois requer qualificação e remuneração adequada.

Hoje, existe uma oferta considerável de formação superior em Turismo e em Hotelaria, entre Cursos Técnicos Superiores Especializados, Licenciaturas, Pós-Graduações, Mestrados e Doutoramentos, a nível nacional e internacional.

Os jornais e revistas especializadas, assim como as organizações internacionais não governamentais, assumiram igualmente um relevo principal na divulgação e promoção da investigação, e na formação de recursos humanos qualificados e especializados nestas áreas.

Todavia, a educação dos estudantes em Turismo e Hotelaria não se esgota no mercado e nas empresas. Uma compreensão das várias dimensões da intervenção do conhecimento e da educação em Turismo é essencial para evitar discursos dissonantes e com falta de rigor.

Num mundo global, reconhece-se que a experiência direta nos modos de produção local deixou de ter importância e que as transações de “talentos” ou “cérebros” entre nações está facilitada pela tecnologia digital, mas o Turismo vive da autenticidade, da identidade e dos significados.

Uma corrente científica do Turismo integra os consultores, os investigadores, os académicos, enquanto uma corrente de gestão inclui os processos e os conteúdos relacionados com a gestão efetiva dos destinos turísticos (Ritchie et al., 2008).

Aos estudantes em Turismo e Hotelaria fornece-se conhecimento sobre motivações e comportamentos, tipos de experiências procuradas pelos turistas e pelas organizações nos destinos, impactos e benefícios gerados junto das comunidades, tipo de estruturas organizativas, teorias e modelos de gestão e desenvolvimento do turismo, entre muitos outros contributos do conhecimento em Turismo.

São estes os fundamentos do Turismo, que resultam de um vasto leque de disciplinas, e que têm dado o seu contributo para este corpo de conhecimento têm dado o seu contributo.

Há uma Teoria do Turismo? É desnecessária a teoria em Turismo?

Assiste-se a um acentuar de uma individualização do poder e de minimalização da governança, mas isto não significa de todo a defesa do conservadorismo, mas sim, a definição de políticas e de prioridades. Para tal, o planeamento é tão essencial como o conhecimento.

Finalmente, a reorganização da governança é essencial para que se fortaleçam as estruturas de organização e gestão do território, no contexto regional e local, pois, no caso concreto, o Turismo intervém em toda a comunidade.

Nem tudo é filosofia, há uma dimensão operacional. O Turismo exige aquilo que hoje se designa de visão holística e integrada, e também de estruturas capazes de tomar decisões sustentadas.

Será muito estranho que aqueles que suportam cooperações formais neste sentido, desvalorizem publicamente o seu contributo, em prol de respostas que não defendem o interesse dos vários agentes do território de forma equilibrada.

 

Autora: Alexandra Rodrigues Gonçalves é Professora Adjunta/PhD em Turismo

 

 

 



Comentários

pub