Quando as catástrofes caíram em cascata sobre os algarvios – o «annus horribilis» de 1855-56 (IV)

Ainda a epidemia de cólera estava a afetar a região, quando um sismo de grande intensidade atingiu o Algarve

«Faro – (…) Um formidável tremor de terra no dia 12 (…), se dura mais um instante vinha tudo abaixo»
(Jornal «O Braz Tisana», 6 de Fevereiro de 1856)

O ano de 1855-56 foi trágico para os algarvios. A cólera alastrou no distrito entre Julho de 1855 e Abril do ano seguinte, como já aqui recordámos. Todavia, ainda esta epidemia grassava com alguma intensidade, quando um sismo fez tremer o Algarve.

Loulé, o maior concelho da região, passou, na generalidade, incólume à pandemia, mas, para os louletanos e concelhos limítrofes, estava guardada uma outra adversidade – o sismo de 12 de Janeiro de 1856.

Cem anos depois, a terra voltava a tremer com violência: «pelas 11 horas da manhã ouviu-se um estrondo como um trovão ao longe e logo em seguida sentiu-se um grande abalo de terra, que durou por espaço de dois segundos; a oscilação, segundo me pareceu, foi de noroeste a sueste; foi tão grande a violência que não ficou edifício algum que não sofresse».

Foi desta forma que, segundo Ataíde Oliveira, na «Monografia do Concelho de Loulé», o prior José Rafael Pinto registou o acontecimento no Livro das Visitas da Matriz de Loulé.

Ao que o pároco acrescentava: «a egreja matriz na parede da frente deu para fora, a abobada da sachristia deu também de si e onde fez maior impressão foi na sachristia das Almas que rachou toda. A egreja de S. Sebastião também abriu fendas no frontispício e a abóboda. E assim soffreram os edifícios da villa e subúrbios. Na villa muita gente se retirou das suas casas para o campo. Passados uns cem minutos repetiu-se outro abalo menos violento e sete minutos depois tornou a repetir-se, mas com pouca intensidade. O povo aterrado fugiu para as ruas e largos, implorando Misericordia em voz alta, e muitos se dirigiram para a ermida de N. Senhora da Piedade. Para alentar os espíritos e obstar á grande reunião de povo na ermida de N. Senhora da Piedade, fiz armar um barracão no largo de S. Francisco, para onde fiz conduzir em procissão a Imagem veneranda da Senhora da Piedade e ahi acompanhada de mais de duas mil pessoas, de ambos os sexos e de todas as edades, fizemos preces rogativas a Deus».

 

 

A imagem de Nossa Senhora descia a Loulé, não na festa pequena, mas em Janeiro, quando os louletanos, perante o pânico e a fatalidade, trocavam as suas habitações de alvenaria por barracas na rua.

De acordo com o periódico lisboeta «Imprensa e Ley», de 20 de Janeiro, o abalo telúrico ocorreu às 11h20. O jornal publica uma carta proveniente de Loulé, que corrobora a ruína de vários edifícios, «alguns dos quaes será necessário apeá-los para se construírem».

Em resultado, a família de José Coelho armara uma tenda no largo da Graça, onde agora residiam e não eram a exceção: «quasi toda a gente dorme no campo e no largo de S. Francisco, em barracas».

Não houve mortos, embora se assinalassem alguns feridos, como uma senhora que lhe caiu uma chaminé em cima, ou um homem que ao precipitar-se de uma escada desequilibrou-se, caindo desamparadamente. Outros evadiram-se para a rua, esbarrando nos caixilhos das janelas, etc.

O infortúnio rapidamente despertou o interesse dos amigos do alheio: «o que parece incrível é que se estejam aqui repetindo as mesmas scenas de ladroagem que se viam no tempo do terramoto de Lisboa (…). Esta noute tem andado cincoenta homens da companhia e da polícia patrulhando pela villa, afim de evitarem os roubos de que se tem feito muitas tentativas, e alguns se effectuam impunemente, porque quasi todas as casas estão ao desamparo», lê-se no mesmo periódico.

Joaquim Ramalho Ortigão, deputado pelo círculo de Faro, encontrava-se nesta cidade aquando o sismo, «mas esteve depois em Loulé, e quando entrou neste concelho viu as paredes das casas escoradas para não desabarem: os proprietários tinham ido ás suas fazendas e desconheceram-nas completamente, porque os vallados tinham desapparecido; muitas casas estavam completamente destruídas: não tinha portanto sido um abalo pequeno, fora um flagello immenso», lembrava na sessão da Câmara dos Deputados, em 3 de Março de 1856.

 

Os prejuízos não se limitaram a Loulé. A 27 de Janeiro, o periódico «A Patria» deu nota dos danos em Faro: «o tremor de terra, ou terramoto do dia 12 do corrente, fez por aqui consideráveis estragos», houve paredes que cederam, abrindo brechas consideráveis.

Um outro jornal, «O Braz Tisana», na edição de 29 de Janeiro, ainda sobre Faro, refere: «quasi todos os edifícios ficaram com grandes fendas, e se dura mais um instante vinha tudo abaixo; parte do palácio do Governo Civil, e o Zimborio da Igreja da Misericordia é que sofreram mais».

 

 

Por sua vez, de Olhão, «A Patria» escrevia: «dizem-me hoje, que metade das propriedades estão especadas e a quarta parte já está em terra».

No mesmo dia 29 de Janeiro, «A Patria» publicou uma carta oriunda de Tavira: «perto de cem moradas de casas padeceram ruina, e algumas caíram completamente. Felizmente não houve tanta perda de vidas, como podia ocasionar uma tal calamidade, pois não consta que tenham morrido mais que duas infelizes raparigas, que ficaram sepultadas debaixo das ruinas de uma casa nova».

A zona baixa da cidade foi a mais afetada, de tal forma que «algumas casas estão especadas, de sorte que de fóra parecem palanques de toiros, suspensos por prumos e bimbarras».

No Barlavento, também houve prejuízos. Em São Bartolomeu de Messines, segundo o pároco Pégado de Oliveira, «esta egreja soffreu algum tanto em raxaduras de paredes e na cantaria da frente, tendo cahido algumas casas, e outras ruinas em vários sítios da freguesia». Em Silves, a cadeia quase desabou, sendo necessário escorá-la, enquanto o teto da antiga Sé Catedral abriu grandes fendas.

 

 

Já em Albufeira, a igreja matriz ficou muito arruinada. Danos que se perpetuaram no tempo, já que em 1862 ainda se pedia no parlamento que se fizessem as obras em ambas as igrejas, sob pena da cobertura desabar sobre os fiéis.

De acordo com Francisco Pereira de Sousa, o megassismo de 12 de Janeiro de 1856 teve em Tavira uma intensidade de X, em Faro VII- VIII e em Loulé VIII, na escala de Mercalli.

Todavia, como se não bastasse, o sismo e a cólera não eram as únicas adversidades que se abatiam sobre os algarvios, e se a epidemia atingia maioritariamente os mais desfavorecidos, o sismo não olhou a classes.

Mas, tudo isto era agravado por uma outra desgraça, não menos insólita, que vinha a manifestar-se desde Agosto de 1855 e não cessava – a chuva…

 

(Continua)

 

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional, bem como colaborador habitual do Sul Informação.

Nota: Nas transcrições conservou-se a ortografia da época. As imagens correspondem a bilhetes postais ilustrados da primeira metade do século XX, à exceção da tabela, inserta no Relatório.

 

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