As sardinhas e a lota

Crónica pessoal de um dos atores da recriação da descarga da sardinha

O Festival da Sardinha de Portimão começou esta terça-feira revivendo uma memória, a memória da descarga da sardinha no cais de Portimão. Foi uma recriação e uma recreação ao mesmo tempo.

Eu explico: foi uma recriação porque se tentou trazer de volta toda aquela azáfama relacionada com a lota, de que alguns ainda se lembram e, ao mesmo tempo, uma recreação porque, quem deu o corpo ao manifesto para que isso acontecesse, divertiu-se.

O Museu de Portimão já nos habituou a recriar a história. Desta vez, a envolvência da “sociedade civil” foi de largo espectro: juntou gente, dos 9 aos 90 anos.

Correndo o risco (enorme) de esquecer alguém vou misturar tudo: nomes que serviam para homenagear pessoas reais, familiares dos atores, personagens, grupos e alcunhas inventadas.

Aqui vão eles: O Xavier, o João, o Guarda-Fiscal, o Antunes, o Chupeta, o ABC, as Salgadeiras, o Bota, o Sr. Zé, a Turista, a tripulação da traineira “Arrifana”, a Amália, o Já-Vou, o Fernando, a Augusta, o Fiscal da Lota, a Pobrezinha, a Viviana, os putos, o Romão, a Conceição, o Barbatanas, o pessoal do Museu, o Miguel, os Carregadores, o Celso, os avós e os netos, o Eduardo, a Ti Xica, o Pernica, a malta do Teatro Sénior, a Mafalda, o Mário, a gente do Grupo de Amigos do Museu, a Lara, o Rui, a Anabela, o Martim, o Dinis, os pais e os filhos, o Zélélé, o Arlindo, a tripulação da enviada “Moira”, o Joaquim, o Francisco, o Pedro, o Hugo, o Periquito, o Maurício, o pessoal da Docapesca, o Ricardo, o Vasco, o Ciganito, o Gabriel, as sardinhas e, perdoem-me, vou apenas destacar duas pessoas que aturaram esta gente toda, o ator e encenador Vítor Correia, e a Patrícia do Museu, que coordenou a logística.

 

O Guarda Fiscal sempre atento

O Vítor, como ele exigiu ser tratado, tinha uma paciência de santo para acolher, “treinar” e gerir esta multidão de veteranos, pessoas que se metiam nestas coisas pela primeira vez, gente com vivências, interesses e entusiasmos diferentes.

Apesar desta mistura, conseguiu criar um espírito de corpo e de grupo, começando e terminando os ensaios com uma roda em que todos se apresentavam e diziam o que lhes passava pela cabeça. Depois, sempre houve umas “brincadeiras técnico-teatrais” que descontraiam e nos preparavam para o que aí vinha.

E vieram duas semanas de ensaios, em que treinávamos os diversos grupos, desde os compradores até às salgadeiras, passando por uma ida ao local da ação, a ponte da lota.

E aqui a expressão “dar o corpo ao manifesto” era literal, pois ensaiar com os calores que aí estiveram não foi simples. Ainda por cima, eram ensaios sem um guião muito definido, pois não sabíamos quanto tempo levavam os barcos a chegar, qual o tempo que levavam a descarregar, e a gestão do tempo de ação era, naturalmente, complicada.

Foi à custa de muitas garrafas de água e espírito de sacrifício que lá fomos suportando a torreira do sol. E não dava para mudar os horários para horas menos solares porque muita gente tem muita coisa para fazer…

 

E chegou o grande dia da Recriação Histórica! Encontro às 8 horas no Museu e foi interessante verificar os pormenores de última hora que o pessoal foi trazendo, acessórios da época que se iria retratar, embora houvesse uma grande latitude temporal. 9 horas no cais e um primeiro imprevisto: o barco chegou mais depressa do que esperávamos e os tempos de entrada em cena tiveram que ser acelerados.

Chamados os compradores, dos quais eu fazia parte, lá foi feito o leilão, com o “chui” a ser dado pelo Antunes que levou os 400 quilos de sardinha da “Arrifana” por oito contos. A seguir, quem comprou o peixe da “Moira” foi o Xavier, os 100 quilos por dois contos. Desculpem lá, mas fiquei “charingado”.

Isto foi uma vergonha. Durante a semana toda de ensaios, quem conseguiu comprar sempre o peixe da traineira foi o Antunes. Quem comprou a enviada foi sempre o Xavier. Isto não pode ser coincidência, havia aqui uma espécie de conluio em que o peixe ia sempre para os mesmos! E isto nas barbas das autoridades.

Resultado, tive que ir à “chata”, comprar alguma sardinha da parte dos pescadores, porque os pequenos negociantes também têm que sobreviver, as vezes driblando a guarda fiscal.

Vá lá, não foi mal de todo, consegui fazer umas vendas ao pessoal que andava por ali à procura dumas sardinhas mais baratinhas, ganhar algum dinheirito e dar uns tostões aos miúdos que por ali ajudavam.

 

Como isto é a minha visão pessoal, quem quiser ver o filme deste caos organizado pode clicar aqui e, como dizem os comentadores televisivos, deixo aqui umas notas finais.

Creio que toda a gente deste lado do palco se divertiu (o Vítor disse que nos tínhamos portado bem) e, esperamos nós, interessou quem nos viu e vai ver.

Outra questão foi o “ruído” visual causado por quem não pertencia ao espetáculo, não faz parte do espetáculo e devia, profissionalmente falando, abster-se de fazer parte do espetáculo.

Para o ano há mais?

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 



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