Transportes “de chorar por mais”

Temos, triste e infelizmente, transportes “de chorar por mais”, de verdade, porque são insuficientes na regularidade, na oferta, na qualidade

Já perceberam que tenho uma ligação afetiva e académica a Barcelona, onde tenho estado frequentemente nos últimos tempos, precisamente por causa dos estudos.

Quando lá fico, uso os transportes públicos da cidade, sobretudo o metro de superfície, que liga as localidades vizinhas à grande cidade, sendo elas mesmas terras com uma concentração populacional muito alta, como é o caso de Sabadell, fim da linha que mais utilizo, pois liga Barcelona à Universidade Autónoma, instituição que tem a sua própria paragem, dada a importância que ocupa no panorama escolar desta urbe.

Em 25 minutos, pagando 1,20€ por um bilhete simples, percorro uma distância semelhante à que faço atualmente para vir trabalhar, já que venho diariamente de Lagoa a Faro.

Sem atropelos, comboios e passageiros saem de cinco em cinco minutos, em hora de ponta e chegam, sem problemas, aos seus destinos, não prejudicando carteiras e ambiente, porque o preço da viagem regular é ainda mais económico e deixar o automóvel em casa (que, aliás, para circular dentro de Barcelona precisa de autorização especial e paga uma taxa de circulação) é um descanso. Dentro da cidade há transportes para todo o lado, de todas as maneiras.

Dir-me-ão: – “Estamos a falar de Barcelona, uma das grandes cidades da Europa”. Verdade, não nego. Mas não será o Algarve, todo ele, uma grande região da Europa, com tantos ou mais turistas e residentes, que necessitam de se deslocar quotidianamente e que, para o fazer, têm escassas possibilidades, que passam por um autocarro (que no meu caso leva 1h30 a fazer a viagem), um comboio (mais rápido, mas longe de ser um metro de superfície e sem condições de conforto condizentes com a temporaneidade) e o carro (que precisa de combustível, que pagamos atualmente a cerca de 2,00€ o litro, mais as portagens, porque somos um território de gente endinheirada, que pode pagar para ir trabalhar).

Alguém que viaja muito e que conhece praticamente a Europa toda, dizia-me há dias: «os algarvios são obrigados a andar de carro, porque não há transportes».

O Sul Informação noticiava há bem pouco tempo, que o “Algarve vai ter um passe único para todos os meios e operadores de transportes”. Li com um sorriso na boca, não de satisfação, porque isto é algo que me parece que era natural e exequível há muito, bastando a vontade política e legislativa, se assim fosse necessário. O sorriso era mesmo daqueles que ficam por aqui, pendurados no rosto, sem sabermos se são de ironia, de indiferença, de um não saber como reagir…

Mencionava-se «um projeto comum de mobilidade, gerido pela AMAL»… Que projeto pode ser verdadeiramente potenciador, se não incluir soluções viáveis de circulação, defensoras do ambiente e amigas de quem vive e visita a nossa zona?

A CP anunciou, também, em junho deste ano e no âmbito da Modernização da Linha do Algarve, que iria dar «início à empreitada de eletrificação do troço da Linha do Algarve com cerca de 45 quilómetros de extensão entre Tunes e Lagos».

Dar início a algo que já deveria estar feito, há anos e anos, só nos coloca no patamar dos que deviam ter feito e não fizeram…. Investe-se tudo nos grandes centros e o resto do território, que concentra uma população de gente empreendedora, geradora de riqueza e capaz de uma resistência quase estoica, vê as medidas, de que necessitam, serem sempre relegadas para as calendas, porque há sempre algo mais a fazer pela grande Lisboa, ou pelo grande Porto. E, note-se, não tenho nada contra ambos, mas o país é mais do que isso e os restantes cidadãos também pagam os mesmos impostos.

Não escrevo este texto, esclareço, para me colar a qualquer teoria política, populista ou de outra natureza qualquer. Sinto uma total aversão pelos discursos ocos de quem se aproveita das dificuldades que todos vivemos para estruturar as suas estratégias partidárias, que na verdade só têm objetivos ligados a posicionamento, ao individualismo, ao “nacional-escaladismo”, perdoem o neologismo.

Escrevo-o, porque temos, triste e infelizmente, transportes “de chorar por mais”, de verdade, porque são insuficientes na regularidade, na oferta, na qualidade. Mais do que um passe, precisamos de ter onde o usar. E quem pode mandar e ocupa cargos, é por isso que tem de lutar, a bem de uma região que dá muito ao país e onde, a este nível, estamos na cauda do continente.

 

Autora: Sandra Côrtes Moreira é licenciada em Comunicação Social, pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa, Mestre em Comunicação Educacional, pelas Faculdades de Letras e de Ciências Humanas e Sociais das Un. de Lisboa e Algarve e Mestre em La Educación en la Sociedad Multicultural pela Universidad de Huelva. É doutoranda em Educomunicación y Alfabetización Mediática pela Universidad de Huelva.
Técnica Superior de Línguas e Comunicação na Câmara Municipal de Faro, é também Assessora do Gabinete de Informação da Diocese do Algarve, membro da equipa da Pastoral do Turismo e da ONPT.

 

 



Comentários

pub