O engano da estatística algarvia

A forma de apurar e analisar os números estatísticos não vai mudar; então, ou o Algarve muda ou vai continuar tudo na mesma

Ouvi um destes dias um comentador num canal generalista de televisão afirmar que a região do Algarve é a 2ª região mais rica do País.

Fui às Estatísticas oficiais, como é o caso do INE e da Pordata e fui ver o PIB por cada região. Realmente, pude constatar que a região algarvia tem um PIB per capita, isto é, um rendimento médio por pessoa, em 2021, de 19 867 euros, e um PIB total de cerca de 9 mil milhões, e isso era superior relativamente à média das regiões do país.

Também vi que a sua contribuição relativa para o PIB nacional é cerca de 4,5%. Com estes dados, era suposto o Algarve ser uma zona rica em relação ao resto do país, com exceção da capital Lisboa.

Os meus olhos e intuição, contudo, sempre constataram o contrário. O SNS do Algarve é o mais carenciado do país. Pelo que sei, o melhor é o do Norte. Mas esta região aparece como a mais pobre e o Algarve uma das mais ricas! Não entendi a estatística!

Depois fui ver a Educação. No Algarve, não existem professores suficientes, mais que no resto do país. Logo, a educação é das mais carenciadas do país. Não entendi a estatística!

Depois fui ver a habitação. As rendas insuportáveis não atraem nem médicos nem professores de outras regiões do país e o algarvio médio vive em casas de família ou habitações sociais. Não entendi a estatística!

O emprego é sazonal e a maioria dos algarvios vive uma parte do ano do subsídio de desemprego e de cursos do IEFP, logo estão, na maior parte dos 12 meses anuais, no desemprego. Não entendi a estatística!

O Algarve vive uma seca severa, maior que o resto do país, que afeta a economia da região, nomeadamente a agricultura, sem qualquer investimento público concreto, nomeadamente numa unidade de dessalinização ou barragens, tão propagandeadas pelos governos. Não entendi a estatística!

A ferrovia é das piores do país! Não entendi a estatística!

A pergunta que comecei a fazer foi então a seguinte: se não existem hospitais, profissionais de saúde, professores, ferrovia e, acrescendo a tudo isto uma economia sazonal que depende basicamente do Verão, como é que o Algarve é uma das regiões mais ricas do país?

A resposta está no PIB per capita, dizem as estatísticas. Quase 20 000 euros por habitante, isto é, cerca de 1500 euros/mensais. O orçamento do Estado é de perto de 105 mil milhões de euros (cerca de 45% do PIB total nacional). Logo, se o PIB do Algarve em 2021 foi de 9.000 milhões, então, cerca de 4.000 milhões serviram para alimentar o orçamento do Estado. Logo, o PIB per capita disponível reduz-se em 45% para cada pessoa. Passamos para 11 000 euros anuais, 785 euros por mês, que podemos arredondar para 800 euros com as gorjetas incluídas no verão que fogem ao fisco.

A proposta do Orçamento do Estado em 2019 para as autarquias algarvias ascendeu a cerca de 93 milhões de euros. Podemos então concluir que o Algarve é rico na contribuição de impostos, mas pobre a receber do Estado e no nível de vida das populações.

Este truque de análise estatística fez com que o Algarve perdesse os fundos comunitários ao longo dos tempos, por ser uma região mais “rica” do que o resto o país.

Ao longo dos vários quadros comunitários, cerca de 85% foram para o Norte e 10% Centro, por serem regiões mais “pobres”. Uns míseros 5% calharam, a dividir, pelo Alentejo e Algarve por serem regiões mais “ricas”.

E foi assim que o Algarve foi e é enganado. Pelas estatísticas!

Pobre na economia, mas rico na contribuição para o PIB.

A forma de apurar e analisar os números estatísticos não vai mudar; então, ou o Algarve muda ou vai continuar tudo na mesma, isto é, governado pelo Engano das Estatísticas e dos governos.

 

Autor: Armando Barata é economista, especialista em matérias fiscais

 

 



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