Lei para acabar com «tradição» do roubo de alfarroba teima em não sair do papel

Produtores vão sair à rua em protesto enquanto esperam que o Governo aprove proposta de lei do grupo de trabalho criado para encontrar soluções para o furto de alfarroba

Alfarroba – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Há uma proposta de lei para «evitar a tradição em que se tornou o roubo de alfarroba» e uma forte expetativa dos produtores de que esta saia do papel. Mas, dizem os agricultores, o diploma, que assenta na rastreabilidade da origem e legitimidade de venda, “emperrou” nos gabinetes do Ministério da Agricultura, em Lisboa, apesar de os furtos estarem a aumentar.

Produtores de alfarroba do Algarve vão sair à rua em protesto no dia 29 de Julho, uma sexta-feira, às 18h00, em Loulé, para manifestar o seu descontentamento pela ausência de medidas que os protejam e mitiguem o reconhecido flagelo do furto desta e de outras culturas.

«Nós temos uma justiça que, neste momento, favorece quem rouba». Esta frase, dita por José Macário Correia, antigo presidente das Câmaras de Tavira e Faro, que hoje se dedica a 100% à agricultura, ilustra bem o sentimento dos produtores.

Numa entrevista dada ao Sul Informação no Pego do Inferno, próximo da sua propriedade e em pleno barrocal, Macário Correia não poupa críticas ao Ministério da Agricultura e à Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, que acusa de serem «incompetentes» e de não defenderem «nem quem trabalha, nem os agricultores».

«Há uma senhora de Abrantes, que tomou posse como ministra da Agricultura numa cerimónia que houve em Lisboa, há alguns meses, mas que não exerce a função. Isto é algo que acontece pela primeira vez em muitos anos: não exerce a função, não acrescenta nada, diz umas asneiras, não tem noção do que está a fazer», acusou o antigo autarca do PSD.

Quanto a Pedro Valadas Monteiro, diretor regional de Agricultura e Pescas, «não tem tido o envolvimento adequado para resolver o problema», defendeu Macário Correia.

 

Macário Correia – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

José Filipe, do Agrupa – Agrupamento de Produtores de Amêndoa e Alfarroba, que organiza o protesto de dia 29, não personaliza as críticas – até elogia Pedro Valadas Monteiro pelo trabalho que desenvolveu em conjunto com os produtores -, mas não deixa de se mostrar indignado com a situação.

«Vamos fazer esta manifestação porque desde há mais de 20 anos que andamos em contacto com as diferentes entidades – a Direção Regional, o Governo Civil quando ainda existia, a GNR – a pedir medidas para evitar esta tradição em que se tornou o roubo de alfarroba», algo que nunca aconteceu, disse.

«Invadem os terrenos, fazem o que querem e até chegam a exercer violência, mesmo que seja verbal, com ameaças. Há produtores que têm medo de ir às suas próprias terras, com receio de quem lá possam encontrar», revela o diretor do Agrupa.

Em 2020, e por iniciativa da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAPAlg), foi criado um grupo de trabalho para criar o Plano de Ação – Furtos de Citrinos, Abacates e Alfarroba no Algarve, que além do Agrupa e a AIDA, a outra associação algarvia do setor, integrou a ASAE, a Autoridade Tributária, a GNR e a AMAL.

Na reunião deste grupo de trabalho, falou-se em criar legislação específica para a alfarroba, «semelhante à que já existe para a pinha».

«A DRAPAlg sugeriu que se propusesse ao Governo uma lei que obrigasse a uma declaração de origem, para que a alfarroba possa ser vendida. A legislação foi trabalhada pelos diferentes parceiros e, nos primeiros meses de 2021, chegámos a uma proposta, que a DRAPAlg enviou para a tutela», revelou José Filipe.

 

 

E o que é que prevê o diploma que resultou do grupo de trabalho?

«A proposta passava, basicamente, pela associação de um título de posse ao ato da venda. A terra tem três documentos fundamentais: uma caderneta predial, das Finanças, um registo da Conservatória e um parcelário, que é a referência geográfica do tipo de culturas que há naquele terreno, que serve para os subsídios, para os investimentos e tudo isso», enquadrou Macário Correia.

«Desta forma, quando a pessoa prova que tem aquele parcelário com alfarrobas e tem um documento da Conservatória, prova que é proprietário do terreno, de forma fiável», acrescentou.

Neste momento, qualquer pessoa, «mesmo que não tenha documento nenhum, chega ao local onde se compram alfarrobas, vendem a qualquer preço, eventualmente até mais baixo, e sabem que nada lhes acontece».

«A nossa esperança era que a legislação saísse ainda a tempo da campanha de 2021. Depois, a Assembleia da República foi dissolvida, e nada aconteceu», disse, por seu lado, José Filipe.

«Entretanto, o novo Governo tomou posse e o diretor regional disse-nos que a proposta estava com a tutela e que não tinha mais informação», adiantou o dirigente associativo.

Contactado pelo Sul Informação, Pedro Valadas Monteiro confirmou a elaboração do diploma, como já era público, mas remeteu mais esclarecimentos para o gabinete da ministra da Agricultura.

 

Apanha da alfarroba – Foto de arquivo

 

A esperança de José Filipe não se baseava, apenas, nas décadas de espera por uma solução. Também estava ligada ao facto de 2022 ser um ano de fartura e, como tal, de maior atração para os ladrões.

«Este ano, há uma produção recorde de alfarroba e há um preço bastante alto, em relação ao que é habitual. Em 2021, o preço começou na ordem dos 20 e poucos euros, em finais de Julho, início de Agosto, que é quando a campanha começa, e terminou perto dos 50 euros, em Dezembro», enquadrou Macário Correia.

Agora o preço «está acima do que estava no ano passado – falam-me de valores na ordem dos 38/40 euros -, mas há uma tendência para aumentar o preço, a partir do Verão e até ao Outono e Inverno», acrescentou.

«A campanha devia iniciar-se só em Agosto, mas os ladrões anteciparam-se e os produtores têm de apanhar a alfarroba antes que sejam roubados. Este ano, há maior pressão, segundo nos relatam os nossos sócios, há mais gente a querer roubar», revelou José Filipe.

Para este dirigente associativo, a «legislação ajudaria, em muito, as autoridades. Permitiria apreender logo o produto, caso as pessoas não tivessem a documentação».

Atualmente, sem uma lei semelhante à que foi proposta pelo Algarve ao Governo, é muito difícil conseguir provar que alguém furtou a alfarroba que está a vender.

Isso é válido para a GNR, que, no fundo, só pode agir quando apanha alguém em flagrante delito, mas também para os comerciantes.

«Os compradores não têm, neste momento, nenhuma culpa, a não ser, eventualmente, moral. É uma situação complicada. Chega-lhes alguém com alfarrobas para vender e eles não têm nenhum argumento legal para dizer que não compram», acredita Macário Correia.

«Eu já vi no balcão onde vou vender as minhas alfarrobas pessoas a vender fruta que eu sei que foi furtada. Mas não posso fazer nada, porque não tenho nada que o prove. E depois há truques: dizem que arrendaram uma alfarrobeira ou que pediram ao dono e vendem uma tonelada», assegurou.

No fundo, a exigência dos produtores de alfarroba algarvios nem é complicada: «queremos que o Governo publique a legislação que já está pronta e que incentive a fiscalização», resumiu José Filipe.

 

 

 



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