Algarve pode ir buscar ao PRR os fundos europeus que há muito lhe “fogem”

João Bernardo Duarte, investigador e professor da Universidade Nova SBE, deu uma entrevista ao Sul Informação

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é uma oportunidade de ouro para as empresas e entidades do Algarve terem acesso a fundos de coesão da União Europeia que há muito lhes estão vedados, assegurou ao Sul Informação João Bernardo Duarte, investigador e professor da Universidade Nova SBE, coautor do estudo “Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) – Avaliação de Impacto nas diferentes regiões em Portugal”.

O investigador insta as empresas algarvias a estar atentas aos avisos do PRR, pois poderá ser a oportunidade de encontrar financiamento para projetos «mais arriscados», graças à comparticipação a fundo perdido da União Europeia.

O Algarve está, desde 2007, em Phasing Out do chamado Objetivo de Convergência da União Europeia, onde estão as regiões mais pobres, por já ter um PIB per capita acima dos 75% da média da União, mas por ainda não ter ultrapassado os 90%, limite acima do qual entra no “clube” das regiões mais ricas.

Isto leva a que o Algarve quase não tenha acesso aos fundos de coesão, destinados a impulsionar as regiões mais pobres a convergir economicamente com as mais ricas, há mais de uma década.

Quanto ao estudo sobre o impacto dos fundos, determinou que «as regiões mais pobres em Portugal teriam ficado ainda mais longe das mais ricas do país e da média da UE no período de 2014-2020».

Mas a investigação também deixou claro que, nos cinco anos antes da pandemia, o Algarve «era a única região em Portugal que teria convergido em relação às regiões mais ricas da União Europeia, mesmo sem os fundos» europeus, como conta João Bernardo Duarte nesta entrevista.

 

 

Sul Informação (SI): O Algarve é uma região muito específica, em Phasing Out, que, como tal, não tem acesso aos mesmos recursos que a maioria, pelo que adivinho que este estudo terá tido alguns resultados interessantes em relação a esta região. Explique-me as conclusões a que chegaram.

João Bernardo Duarte (JBD): Como disse, o Algarve é uma das regiões, tal como a Área Metropolitana de Lisboa, que já estão um bocadinho mais avançadas, que estão um bocadinho mais perto do que é a realidade da média da União Europeia e, portanto, não tem, nem de perto nem de longe, o mesmo acesso aos fundos europeus estruturais da Comissão Europeia.

Desta forma, o impacto dos fundos no Algarve é mais reduzido, porque o apoio que chega à região também é reduzido.

Isto não significa que o Algarve aproveite menos bem estes fundos, apenas há menos apoio, menos volume a chegar ao Algarve.

Mas, segundo os dados até 2019, que é o que nós temos, ainda não temos de 2020 – e isto é muito importante referir, porque sabemos que o Algarve, por conta do forte peso do turismo, foi uma das regiões que também mais sofreu com a pandemia de Covid-19 -, o Algarve era a única região em Portugal que teria convergido em relação às regiões mais ricas da União Europeia, mesmo sem os fundos, porque teve um motor de crescimento muito forte de 2014 a 2019, como provavelmente é sabido por todos.

Mas em 2020, lá está, certamente que houve aqui uma divergência face às regiões mais ricas, por conta do peso do turismo no Algarve, maior do que nas outras regiões da União Europeia. Portanto, é natural que o Algarve se tenha afastado mais em 2020 do que outras regiões.

No entanto, mesmo com essa quebra, não acredito que o Algarve fique abaixo dos 75% do PIB per capita médio da União Europeia, de forma a que tenha acesso a mais fundos europeus, uma vez que já está muito próximo dos 90% [percentagem acima da qual uma região passa a estar no grupo das mais desenvolvidas e ricas da UE e passa a não ter nenhum acesso aos fundos de coesão]. Acredito que região vai continuar a ter o mesmo tipo de acesso aos fundos no Portugal 2030.

No entanto, o Algarve vai ter acesso, como já foi determinado, ao Plano de Recuperação e Resiliência. Como sabemos e volto a frisar, o Algarve foi muito afetado pela pandemia, é natural que também tenha um acesso privilegiado a esses fundos.

Portanto, continuará com pouco acesso ao Portugal 2030, o próximo quadro plurianual, mas vai ter acesso ao PRR, naquela que será uma oportunidade diferente de uso dos fundos europeus nos próximos anos.

Eu gostava de frisar esta questão do PRR, porque muitas vezes as empresas, como não estão habituadas, pensam que não há nada para elas, em termos de fundos. Mas pode haver aqui uma janela de oportunidade diferente, que valerá a pena aproveitar.

Uma grande parte das verbas do PRR são atribuídas a fundo perdido, embora haja sempre uma parte que não seja comparticipada.

Isso pode ajudar as empresas a apostar em projeto um pouco mais arriscados, que outra forma não avançariam. Pode ser uma oportunidade para arriscar um pouco mais.

 

SI: Disse-me que, com o boom do turismo que houve entre 2014 e 2019, o Algarve se aproximou ainda mais dos 90% da média europeia. No entanto, pelo terceiro Quadro Comunitário de Apoio seguido, a região algarvia manter-se-á em transição. Acredita que, a partir de 2030, isso pode mudar?

JDB: Eu acho que sim, se voltarmos a uma tendência de pré-Covid e tudo indica que isso vai acontecer. Eu acho que havia umas pessoas um bocadinho mais pessimistas, durante a pandemia, no que toca à retoma do turismo. Hoje, pelo que se tem falado e se tem visto das empresas, a retoma pós-Covid tem sido bastante boa e rápida,

Mas eu acredito que se retomarmos rapidamente as tendências pré-Covid – e descontando, obviamente, problemas da guerra, inflação e todos estes problemas económicos -, acredito que o Algarve continuará com uma boa trajetória de crescimento de forma a passar, sem dúvida,  a ter padrões de vida mais elevados e passar a ser classificado como região desenvolvida da União Europeia.

 

SI: Como já mencionou, o Algarve perdeu, não o acesso total, mas quase o total aos fundos de coesão. No entanto, tem acesso a outros fundos e a outros meios de financiamento da União Europeia. Qual é que seria a melhor estratégia para os aproveitar? Quais os fundos que a que a região pode aceder?

JDB: Exato. Aos fundos estruturais, que incluem FEDER, o Fundo de Coesão, o Fundo Social, o Algarve em pouco acesso. E isso acontece porque estes são os fundos estruturais europeus, que são feitos para as regiões menos desenvolvidas, por exemplo, a região Centro, a região Alentejo e a Região Autónoma dos Açores, que estão bastante abaixo dos 75% da média de PIB per capita europeu.

O objetivo desses fundos é impulsionar estas regiões, de forma a criar uma homogeneidade de desenvolvimento económico em toda a União Europeia. Portanto, o Algarve tem realmente pouco acesso a esses fundos.

Mas, para ter uma ideia, o Algarve, já sem muito acesso ao Portugal 2020, que começou em 2014 e pode ser executado até 2023, estava quase a 80% da média da União Europeia, em 2014, e, passados cinco anos, estava quase em 90%. Estamos a falar de quase 10 pontos percentuais em apenas 5 anos. E isto sem apoio dos fundos europeus [para a coesão].

Por isso é que eu digo que, se houver uma mínima retoma do que foi a tendência do turismo entre 2014 e 2019, é óbvio que o Algarve vai continuar a convergir com o resto da União Europeia, mesmo sem a ajuda dos fundos.

Agora, há uns fundos europeus no PRR – que está atrasado, as verbas ainda estão para ser lançadas nos programas operacionais -, a que o Algarve vai ter acesso. Os agentes da região devem estar atentos e fazer proveito desses fundos.

E porque é que é importante o Algarve estar atento? É porque, face às outras regiões, como não teve muito acesso ao Portugal 2020, as empresas podem não estar tão oleadas para estar atentas a estes avisos. Como não tiveram grande comparticipação de fundos da União Europeia para os seu projetos de investimento, é possível que tenham perdido a atenção a estes fundos de coesão. Mas é bom que estejam atentas ao PRR, porque vão ter acesso a estes fundos e acho que isso pode alavancar estas empresas.

 

 

SI:  No Algarve há uma questão que tem a ver com o desequilíbrio entre o litoral e o interior, ao nível do desenvolvimento. Grande parte do território tem um nível de desenvolvimento semelhante ao Baixo Alentejo. O PRR pode ser determinante para esta coesão territorial?

JDB: Claro que sim. Aliás, apesar dos poucos fundos que chegam ao Algarve, zonas como Monchique e Alcoutim, por exemplo, têm recebido mais fundos, face ao seu nível de desenvolvimento – apesar de, novamente, terem sido menos do que no resto do país.

Mas houve esta diferenciação dentro da região do Algarve, sem dúvida alguma, como apurámos num estudo específico sobre a região algarvia, que divulgámos recentemente. As outras áreas mais desenvolvidas da região receberam praticamente zero [dos fundos de coesão].

 

SI: A realidade do Algarve é completamente diferente da do Alentejo, que, sem os fundos estruturais, teria até regredido. Que análise se pode fazer em relação à região alentejana?

JDB:  A situação do Alentejo é muito mais preocupante, porque, quando “destapamos”, digamos assim, quando tiramos os fundos, nota-se que sobra pouco.

O Alentejo, sem os fundos, teria ficado mais longe, não só da área metropolitana de Lisboa, do próprio Algarve e das regiões mais desenvolvidas do país, mas também da média da União Europeia. Os fundos, sem dúvida alguma, tiveram um papel crítico na região do Alentejo, mas também na Região Autónoma dos Açores, as duas que mais dependem dos fundos estruturais para crescer.

 

SI: Os fundos estruturais precisam de ser usados de forma diferente no futuro?

JDB: Eu acho que não. Quer dizer, o nosso estudo até faz uma análise positiva, no sentido em que eles têm sido bem usados. Os indicadores são muito elevados, o dinheiro parece estar a ficar nas regiões e isso é muito importante. Não são só projetos que são criados e depois a capacidade desaparece da região, não é isso. Ela fica e perdura no tempo e continua a dar frutos, com aumento de produtividade nos anos seguintes.

O que preocupa mais é quais é que são as condições de crescimento, fora do que é o apoio dos fundos. E o Algarve parece ter os fundamentos sólidos de crescimento. Portanto, os fundos, mesmo que existissem, seriam nada mais do que um empurrão, enquanto no Alentejo e nos Açores isso não é o caso. O que me preocupa é que nessas regiões, sem os fundos, parece que não há nenhuma capacidade de investimento.

 

 

 



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