Ria Formosa será o «modelo» para projeto da Gulbenkian na área do Carbono Azul

Projeto será desenvolvido pelo CCMAR e irá estudar todos os ecossistemas marinhos e costeiros do País

Ria Formosa – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A Ria Formosa vai «servir de modelo» para o projeto pioneiro da Fundação Calouste Gulbenkian na área do Carbono Azul, desenvolvido em parceria com o CCMAR – Universidade do Algarve e a ANP | WWF – Associação Natureza Portugal. 

Ao Sul Informação, Rui Santos, investigador do CCMAR responsável pela parte cientifica deste projeto, explica que a mais importante zona húmida algarvia servirá de modelo, uma vez que já existe um «sistema todo mapeado, amostragens para avaliar, e taxas de carbono», algo que se pretende agora conhecer noutras zonas costeiras do país.

Além da Ria Formosa, no Algarve são ainda integradas no projeto a Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, o estuário do Arade e a Ria de Alvor. No resto de país, são abrangidas a Ria de Aveiro, a Lagoa de Óbidos, a Reserva Natural do Estuário do Tejo, a Reserva Natural do Estuário do Sado e ainda o estuário do Mira.

De acordo com o investigador, o projeto consiste em mapear todos os ecossistemas marinhos e costeiros com potencial para sequestrar dióxido de carbono da atmosfera em quantidades superiores às das florestas, de modo a que, depois, se «dinamize o mercado voluntário de carbono em Portugal».

Neste mapeamento, feito de norte a sul de Portugal Continental, os ecossistemas estarão caracterizados (localização, dimensão, condição em que se encontra, taxa anual de sequestro de carbono, entre outras características), de modo a definir as medidas de proteção e restauro adequadas.

O objetivo será também, como explica Rui Santos, «fazer com que as empresas em Portugal possam investir neste tipo de soluções, baseadas nos ecossistemas de Carbono Azul».

«Isto é um mercado que ainda existe em poucos sítios da Europa e que a Gulbenkian quer agora dinamizar em Portugal, para. no futuro. haver um mecanismo a que as empresas possam socorrer para mitigar as emissões de CO2», explica o investigador, frisando que, apesar de a retenção de dióxido de carbono pelas florestas ser a mais conhecida, os ecossistemas marinhos sequestram carbono a uma taxa muito mais rápida (oito a trinta vezes superiores), ficando retido nos sedimentos por centenas de anos, o que lhes confere também potencial para mitigar as alterações climáticas.

O investigador Rui Santos – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

«Embora tenham uma área pequena, é bom investir neles porque são muito eficientes e a ideia é, aqui em Portugal, fazermos a avaliação do que se pode fazer nesse sentido», continua.

Além de preservar estas áreas, o projeto tem como objetivo restaurar as que forem possíveis.

«É uma coisa que nós temos ativamente de começar a fazer e ainda não fazemos, que é selecionar e restaurar zonas costeiras onde já existiram estes ecossistemas e deixaram de existir», frisa Rui Santos, referindo que, após o estudo, serão propostas as zonas a investir.

«O objetivo final para a Gulbenkian é este: investir em sistemas naturais que sequestrem CO2».

Apesar de, nos últimos anos, alguns estudos terem conseguido provar que é possível reverter a situação de degradação dos ecossistemas, o investigador relembra que «a tendência histórica é de degradação», nomeadamente no Algarve.

«A Ria Formosa, por exemplo, tinha uma área muito maior que, ao longo dos anos, foi ocupada por construções e por atividade humana. Há uma pressão enorme nestes ecossistemas costeiros, que, agora, com o conhecimento que temos, é preciso fazer parar e alertar os decisores para preservar estes ecossistemas – por todas as suas funções», realça o investigador.

O projeto da Fundação Gulbenkian é assim o primeiro a investir nesta carteira nacional de Carbono Azul, financiando um projeto-piloto de conservação ou restauro numa destas áreas marinhas, de forma a compensar o volume da pegada carbónica não mitigável da Fundação em 2021 (2.238 toneladas de dióxido de carbono equivalente, que incluem as emissões de gases de efeito estufa provenientes da eletricidade ou calor adquiridos e consumidos).

 

 

O que é o Carbono Azul?
· Carbono azul é o termo utilizado para designar o carbono capturado e armazenado pelos ecossistemas marinhos e costeiros, i.e., refere-se à quantidade de dióxido de carbono removido da atmosfera por estes ecossistemas e promove a redução do impacto dos gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera.

· Mangais, pradarias marinhas, sapais e florestas de algas são os ecossistemas costeiros atualmente reconhecidos com maior potencial para a mitigação do aumento de CO2 na atmosfera. Em Portugal, destes três ecossistemas, só não existem mangais – são ecossistemas típicos de climas tropicais.

Qual a importância de conservar ou restaurar estes ecossistemas marinhos?

As taxas de captação de carbono pelos ecossistemas marinhos são muito mais elevadas do que o captado pelos ecossistemas terrestres. Trata-se, por isso, de uma solução de base natural para as alterações climáticas.

A capacidade de capturar e armazenar grandes quantidades de carbono por parte dos ecossistemas marinhos deve-se às suas taxas elevadas de fotossíntese (que absorve CO2 produzindo matéria orgânica) e à capacidade dos seus sedimentos de fazerem uma decomposição da matéria orgânica muito lenta e limitarem a produção e emissão de CO2 de volta para a atmosfera.

Apesar de ocuparem áreas muito menores do que as ocupadas pelas florestas terrestres do planeta, sequestram carbono a uma taxa muito mais rápida (pelo menos oito vezes mais) que fica retido nos sedimentos por centenas (ou mesmo milhares) de anos, o que lhes confere um enorme potencial para mitigar as alterações climáticas.

Estes ecossistemas servem ainda de zona-tampão para os impactos das tempestades costeiras – diminuem o risco de inundações, contribuem para a qualidade da água e servem de suporte de biodiversidade, por exemplo – atuando assim como uma solução de elevado impacto para a adaptação das alterações climáticas.

Porém, as próprias alterações climáticas estão a afetar estes ecossistemas. Eventos climáticos extremos, a subida do nível do mar ou o aumento da temperatura podem danificar os sistemas, levando a que uma enorme quantidade de carbono retido seja emitida de volta à atmosfera, pelo que o restauro destes ecossistemas é urgente e imprescindível.

 

 

 



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