Em Santa Bárbara de Nexe, (re)nasceu uma Associação que apoia pessoas com cancro

A Associação Partilhas e Cuidados renasceu numa nova casa, pronta para acolher pessoas com cancro, mas também os seus familiares e cuidadores

Sandra Matinhos – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

Em 2008, Sandra Matinhos estava longe de imaginar que um dia teria a seu cargo uma associação que já ajudou mais de uma centena de pessoas, mas é preciso regressar a esse ano para contar a história de luta que levou à criação da Associação Partilhas e Cuidados.

Hoje, a Associação que, devido ao apoio financeiro do Orçamento Participativo promovido pela Câmara de Faro, funciona numa antiga Escola Primária de Santa Bárbara de Nexe e que se dedica a ajudar pessoas com cancro e as suas famílias (nas mais diversas áreas), é bem diferente da fundada em 2014 – mas um longo caminho de altos e baixos foi percorrido até aqui chegar.

Sandra tinha 35 anos quando recebeu o diagnóstico de cancro da mama triplo negativo – na altura, um cancro para o qual não havia cura.

Ao mesmo tempo em que teve cancro, o pai passou também por um, acabando por não resistir, e, além disso, teve ainda de lidar com uma separação. Estes foram fatores que fizeram com que Sandra se visse obrigada a lutar ainda mais para se manter «firme» e «positiva», pois sempre soube que só assim conseguiria vencer a doença.

Contudo, neste período, sentiu falta de apoio – apoio por parte de um projeto como aquele que mais tarde viria a criar.

«Não era só eu estar a sofrer com cancro, era também estar a sofrer noutras áreas – e não havia apoio para isso. Se lidar com um cancro já é difícil, imaginemos ter de lidar com isso mais os outros aspetos da vida pessoal. Tudo isto foi um conjunto de coisas que me debilitaram muito psicologicamente e emocionalmente e que, nesse sentido, agravavam também a minha cura», conta ao Sul Informação.

 

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Nesta fase, Sandra viu-se obrigada a, sozinha, ir à procura de coisas das quais sentia falta: «alguém que me fizesse Reiki, alguém que me ouvisse, alguém que já tivesse passado por um cancro e me pudesse falar dessa experiência».

«Já passaram mais de 10 anos. Nessa altura, pouco se falava de cancro. As pessoas não se expunham e havia um certo preconceito. Se ainda hoje cancro é, para algumas pessoas, sinónimo de morte, naquela altura então era mesmo assim».

No Algarve, no que diz respeito a apoio extra hospitalar, Sandra conta que havia apenas a Associação Oncológica do Algarve, que ainda existe, mas que não dava resposta a todas as questões.

«Respondia-me, sim, caso eu precisasse de uma prótese capilar, ou até de um soutien, eles vendiam, a custo reduzido. Mas aquele tipo de ajuda em que há grupos de apoio mútuo, não havia».

Seguiu-se um processo de longos meses de cura, nos quais o médico foi adaptando o tratamento de outros tipos de cancro ao de Sandra. Apesar de o diagnóstico ser complexo, Sandra venceu a doença.

«Quando já estava bem, algumas amigas começaram a indicar outras pessoas para virem falar comigo devido à forma positiva como eu lidei com a doença. De vez em quando, lá aparecia alguém que eu não conhecia a querer falar e eu fazia esse processo de ajuda e apoio, ainda longe de criar a associação».

Durante o processo de cura, no qual esteve sempre ligada à religião, Sandra começou a acreditar que aquilo por que estava a passar iria servir para que encontrasse o seu grande propósito de vida, «ajudar outras pessoas».

Em 2011, começou por ajudar um grupo de pessoas em situação de sem abrigo, que, com o passar do tempo, foi aumentando. Assim, nessa altura, criou uma página no Facebook (com o nome de “Partilhas”) onde algumas pessoas se juntavam para doar roupa e comida.

 

Sandra Matinhos – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

Até 2011, funcionou com este propósito, mas em 2014, quando Sandra já se sentia capaz de abraçar as causas ligadas ao cancro, decidiu formalizar a associação, agora com o nome “Partilhas e Cuidados”.

Na altura, Sandra transformou o espaço onde exercia a profissão de esteticista (que ficou impedida de executar devido à incapacidade provocada pelo cancro) num espaço para acolher os apoiados.

«Foi aí, em Faro, perto do hospital, que nos reuníamos: um espaço pequeno, mas que, na altura, dava».

Não foi preciso muito tempo para que Sandra começasse a receber mais pessoas. «As que lá passavam comentavam com outras e depois o próprio hospital começou a indicar a associação e que as pessoas viessem falar comigo».

«Até à pandemia, chegámos a ter perto de 100 pessoas. Digo até à pandemia, porque, nessa altura, fui obrigada a fechar o espaço. Com muita pena minha, tornou-se impossível continuar a pagar a renda e tive de fechar, mas sempre com o sonho de que um dia conseguiria abrir o espaço que tanto idealizava (este que aqui está), mas, de facto, não foi fácil».

Durante a pandemia, as pessoas apoiadas continuaram a encontrar-se online (realizando as habituais sessões e até algumas aulas de exercício físico).

Nessa altura, Sandra tinha já criado, com a ajuda de uma amiga, um método de trabalho que fez com que pudesse abrir as portas da Associação também às pessoas sem cancro, que quisessem vir receber terapias.

«Com o dinheiro dessas pessoas, sustentamos a Associação e foi assim que voltei a ter dinheiro para a reerguer, sem ter de pedir qualquer contribuição às nossas associadas».

Durante a pandemia (e depois de ter fechado o espaço em Faro), Sandra já tinha sinalizado a antiga escola primária de Santa Bárbara de Nexe – «mas o mau estado era tal que não achei que alguma vez a conseguisse levantar», confessa ao Sul Informação.

 

Antiga escola antes das obras de requalificação – foto DR

 

Contudo, a possibilidade de concorrer ao Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Faro foi o que permitiu dar início às obras.

«Foram 30 mil euros que nos faziam muita falta, mas que não chegavam para aquilo que encontramos aqui agora. Felizmente, houve muitas empresas que nos ajudaram (com algum material, mão de obra ou dinheiro) e foi assim. Não tenho palavras também para agradecer à In Green que fez este trabalho de jardinagem incrível – pelo que sei, se tivéssemos de pagar o jardim, pagaríamos quase a totalidade daquilo que recebemos».

Depois de cerca de um ano de obras, o espaço abriu oficialmente ao público a 28 de Maio – uma data simbólica para Sandra.

«Foi nesse dia que tive a minha primeira consulta relacionada com o meu cancro (em 2008). Em 2014, no mesmo dia, sem querer, estava a fazer a escritura da Associação e por isso decidi abrir também nesta data».

No dia 28 de Maio, a Associação – que conta com salas para terapias e um espaço polivalente para diversas atividades – recebeu as pessoas apoiadas para um lanche partilhado e para lhes mostrar aquela que será também a sua nova casa.

«A Associação serve para receber o grupo de apoiados, mas também os seus familiares, amigos e cuidadores, que aqui queiram passar um bom bocado. Imaginemos alguém que quer sair um pouco de casa, vir para aqui e desfrutar do nosso jardim, ou ler um livro, estar um pouco sozinho, pode fazê-lo. Este espaço será também a casa dos nossos associados», explica Sandra.

Sessões de reiki, hipnoterapia, consultas de nutrição ou conversas com um oncologista que seja capaz de dar uma segunda opinião são algumas das alternativas que as pessoas apoiadas da Associação Terapias e Cuidados aqui poderão encontrar.

Além disso, haverá ainda workshops dos mais variados temas (alimentação saudável, artesanato, olaria…) que serão também abertos à população geral.

«O doente tem de se abstrair também da realidade do cancro: não pode estar só focado na doença para se sentir positivo e estes momentos também serão bons para isso».

 

Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação

Ao Sul Informação, Sandra confessa que agora percebe que este era o seu propósito de vida.

Apesar de desempenhar um trabalho diário, sem receber qualquer apoio monetário em troca, Sandra afirma estar «fora de questão pedir a algum associado para pagar quotas» e, por isso, para pagar as contas inerentes ao facto de ter um espaço aberto, recorre ao apoio das «pessoas de fora».

Sandra explica que a Associação sobrevive através de quotas das pessoas que, não sendo doentes oncológicas, queiram ser associadas (pagando uma quota de 20 euros ao ano).

«Isso já nos ajuda a fazer um orçamento antecipado para o ano seguinte. Não querendo pagar quotas, as pessoas podem também usufruir das nossas terapias ou workshops, pagando», dinheiro esse que reverte depois para colmatar as despesas da Associação, explica.

Hoje, Sandra sente-se realizada por nunca ter desistido deste sonho que agora se tornou realidade e por poder, com este espaço, ajudar não só as pessoas com cancro, mas também os seus familiares e cuidadores.

 

 

 



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