Na história da Abela, sempre houve as famílias da burguesia rural e os mais pobres que “só” trabalham a terra e mal sabem ler. É uma terra de contrastes, tão bem espelhada na imponente Igreja Matriz que sobressai numa aldeia tipicamente alentejana de casas baixas. É em Abela que moram o senhor Jorge, a dona Maria Joaquina e muitos outros que são a inspiração de um espetáculo de dança, palavra e música que estreia esta sexta-feira, 6 de Maio.
Ao início de uma tarde de terça-feira, são poucas as pessoas nas ruas desta aldeia do concelho de Santiago do Cacém, que tem cerca de 400 habitantes.
Na zona do Largo 5 de Outubro, há dois ou três grupos, com pouco de mais três, quatro pessoas, espalhadas pelos cafés.
Madalena Victorino conhece-as a todas e vai distribuindo cumprimentos: «boa tarde, senhor António!», «Olá! Estás bom?», pergunta.
Desde 6 de Abril a viver «dia e noite» em Abela, a coreógrafa e programadora cultural do projeto “Lavrar o Mira e a Lagoa” já conhece os habitantes pelo nome.
«Eu vim o mais disponível possível para poder conhecer pessoas, ouvi-las: ou melhor, escutá-las que é diferente de ouvir apenas», conta ao Sul Informação.
Depois da desconfiança inicial, veio a cumplicidade.
«Acho que, no princípio, pensavam que eu era da Judiciária porque estávamos a fazer tantas perguntas. Devido ao cabelo curto não sei, o ar um bocadinho austero. Mas as perguntas são para serem transformadas em objeto artístico», diz, entre risos.
As histórias que foi ouvindo – sempre com gente dentro – são agora o motor de “Povoado”, um espetáculo cultural que promete agitar Abela, uma terra muito especial. As sessões serão sexta-feira, sábado e domingo, dias 6, 7 e 8 de Maio, a partir das 18h00.
Tudo começará junto à Igreja Matriz, com a descida dos atores e atrizes rumo ao Largo 5 de Outubro, uma imagem que era comum aquando das Festas da Aldeia.
Do Largo, que é, digamos, o centro nevrálgico desta localidade, as pessoas seguirão, em «volta pedestre», passando pelos cafés Pardelha e Matos, pelo restaurante “Cantinho do Petisco” ou pela sede do Sporting Clube Futebol Abelense, a agremiação desportiva mais antiga do concelho de Santiago do Cacém.
Esta entidade tem dado um «grande apoio» a esta iniciativa cultural porque, defende o presidente Ricardo Passos, é uma «grande mais valia» para a aldeia.
«Eu acredito que o espetáculo deixará uma marca em Abela para os próximos tempos», diz.
A história principal, que será contada ao longo de cerca de duas horas, tem o menino António como personagem principal e é-nos resumida por Madalena Victorino.
«O António era filho de uma família abastada, que tinha a vontade que ele estudasse e fosse engenheiro. Só que o António só queria ir para o campo, estar com as ovelhas, com as cabras. Às vezes, até fugia e dormia no campo com os animais a fazerem um círculo à sua volta», diz a coreógrafa.
António não existe, a trama é ficcional, mas também há personagens de carne e osso nesta história.
É o caso da dona Maria Joaquina, uma antiga pastora que o Sul Informação acabaria por encontrar à janela de casa, a preparar toalhas de malha que vão ser usadas no espetáculo.
A sua vida foi dura: em tempos de maior frio, chegou a dormir, nos campos, apenas protegida pelo calor dos animais. Tal como se conta na história deste espetáculo.
«Parte dos contos são verdadeiros, mas depois fazemos avançá-los para uma zona da imaginação, para uma fábula às vezes, e é isso que queremos oferecer às pessoas de Abela: virem reconhecer aspetos de si próprias», explica Madalena Victorino, que não escapa a um comentário de Maria Joaquina.
«A dona Madalena é que me fez entrar nisto! Estou a gostar muitíssimo, muitíssimo: é uma maneira de estar entretida também», diz-nos.
A certa altura, do alto dos seus 86 anos, a habitante de Abela, mas natural de Beja, vai também entrar em cena, numa performance em que ensinará a fazer malha.
«Naquilo que eu puder ajudar, pode contar comigo, dona Madalena», atira, já em tom de despedida.
Jorge Pereira é um dos habitantes da aldeia que também vai dar o seu contributo. É, nas palavras de Madalena Victorino, uma «das pessoas mais especiais que conhecemos».
O espetáculo começará com um género de carrossel baseado numa peça de artesanato feita pelo senhor Jorge.
«Eu tenho para ali muita coisa: não está muito perfeito, mas pronto», conta ao nosso jornal.
Jorge Pereira traça o retrato de uma freguesia onde «sempre houve pessoas muito ricas e outras nem tanto». Mas, realça, «nunca houve um tipo de pobreza muito, muito acentuado».
Quanto ao espetáculo, é «uma coisa totalmente nova» para a aldeia.
A ansiedade de que fala a seguir ganha eco também nas palavras de Madalena Victorino.
«As pessoas estão curiosas, interessadas, porque nos veem também a ensaiar. Nós não escondemos nada e essa sempre foi também uma das premissas: mostrar o que estamos a fazer», diz.
De saída do restaurante “Cantinho do Petisco”, Madalena Victorino é interpelada por uma senhora. Chama-se Maria da Saudade e, num dos folhetos que anunciam o espetáculo, reconheceu-se numa fotografia, ainda nos tempos de escola.
«Mal olhei, reparei logo», conta. Madalena sorri e aproveita para a relembrar das datas do “Povoado”.
«Não se esqueça. É sexta, sábado e domingo».
E a entrada é livre.
Ficha artística
MADALENA VICTORINO, RÉMI GALLET, ANA RAQUEL MARTINS,
INÊS MELO SOUSA, MANUEL RUIZ, MATILDE REAL, RUI MATOS,
SARA PATERNESI, LEONOR MENDES E CONVIDADOS
ALDEIA DE ABELA
Concelho de Santiago do Cacém
6 · 7 · 8 MAI sex a dom 18h00
Inclui farnel
Ponto de encontro Largo 5 de Outubro, Abela
DURAÇÃO 120 min aprox.
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA M/6+
BILHETES
Entrada gratuita sujeita à lotação do espaço
Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação
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