Depois do ouro, Joana Santos quer «ver mais surdos no judo»

Judoca algarvia trouxe ouro dos Jogos Surdolímpicos deste ano e está já a pensar nos de 2025

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

Aos 32 anos, Joana Santos conta com uma carreira desportiva vasta, repleta de vitórias em combates nacionais e internacionais. A idade pode até já pesar quando chega a hora de dar tudo no tapete, mas a experiência conta ainda mais.

Foi esta experiência que, segundo Joana Santos, a levou à vitória na categoria de -57kg de judo dos Jogos Surdolímpicos Caxias do Sul 2021, no Brasil, a 3 de Maio, após vencer a coreana Hyeonah Lee, dez anos mais nova.

«Tive que gerir muito bem o meu esforço para lhe conseguir ganhar. Foram muitos anos para perceber como fazer a melhor gestão do combate», conta a atleta ao Sul Informação, antes de mais uma tarde de treino no Judo Clube do Algarve, localizado no Mercado de Faro, onde a judoca treina todos os dias.

Joana nasceu sem audição e é no silêncio que vive o seu dia a dia, mas isso nunca a impediu de querer viver como qualquer ouvinte, até porque, como diz, «nunca sentiu diferença por ser surda», principalmente no desporto.

Aos 6 anos, deu os primeiros passos neste mundo. Começou pelo ballet, mas bastaram dois anos para perceber que aquela não era a modalidade que queria praticar o resto da sua vida.

Depois de procurar algo que cativasse mais a sua atenção, aos 9 anos chegou ao judo. Foi aqui, no Judo Clube do Algarve, que encontrou uma segunda família e um treinador (mestre) que hoje é para ela «como um pai».

«Gostei logo muito das pessoas, ajudaram-me sempre e nunca senti diferença por ser surda. Há sítios em que afastam, mas aqui sempre houve muita união. Comecei com um grupo fantástico de seis meninas da minha idade, fomos crescendo juntas, mas, na altura da universidade, separámo-nos e eu, neste momento, sou a única que continua».

Ao Sul Informação, Joana revela que, quando chega ao tapete, se sente «igual a uma ouvinte».

«Quanto aos árbitros é que é mais difícil. Muitos já me conhecem, mas outros, quando não sabem, utilizam o bater para dizer que parou. Eu, como não oiço, preciso que me deem um toque, mas alguns esquecem-se e eu continuo em esforço desnecessariamente. Mas, na prova, de resto, é igual».

Nas competições e nos treinos, o ingrediente essencial é a garra e a vontade de trabalhar para ser mais e melhor, por isso a comunicação no tapete nunca foi um problema para Joana nem para o treinador, Júlio Marcelino, que assume que «as dificuldades linguísticas nunca foram grandes».

 

Joana Santos com o mestre Júlio Marcelino. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

«Não sei linguagem gestual, mas posso dizer que comunicamos com facilidade. As dificuldades linguísticas nunca foram grandes porque há um modelo que eu mostro e eles repetem. Com os colegas de equipa também nunca houve qualquer problema», diz o mestre relativamente à atleta, que define como atual «porta estandarte do clube».

Apesar de surda, Joana não deixa de participar em campeonatos com ouvintes, dos quais sai quase sempre medalhada. Participa ainda nos campeonatos para surdos.

Nestes, as medalhas a nível internacional também já são muitas, mas Joana não esconde que, se pudesse eleger a preferida, seria a de ouro dos Jogos Surdolímpicos, arrecadada no início do mês.

«Foi uma vitória muito importante para mim. Queria muito e fui sempre com o espírito de ganhar. Foram muitos anos para perceber como fazer a melhor gestão do combate».

Para Júlio Marcelino, esta foi também uma grande conquista. «Tanto a medalha do Campeonato do Mundo, como a dos Jogos Surdolímpicos foi uma grande honra. Principalmente, porque eu conheço o percurso anterior e as dificuldades por que nós passámos. Não digo que chorámos, mas não foi fácil. Além disso, as adversárias eram de calibre e enquanto elas têm 20 e poucos anos, a Joana tem 32».

De acordo com o mestre, a idade já começa a «pesar», mas acredita que Joana ainda tem tudo para conseguir vencer nas competições que se aproximam (Campeonato da Europa, 2023, Campeonato do Mundo, 2024, e Jogos Surdolímpicos, 2025), «basta querer».

Em Joana, sente-se também a vontade de continuar a lutar para vencer – como diz, pelo menos, até aos próximos jogos Surdolímpicos.

«O objetivo é sempre ganhar, combate após combate. Não gosto de vir para casa sem medalha, mas, quando perco, o objetivo é trabalhar mais e mais para depois vencer. Gostava muito de conseguir ouro nos próximos jogos, mas ainda tenho três anos para trabalhar, por isso não sei. Vou vendo, mas quero ganhar».

Ao Sul Informação, a atleta confessa que agora, após receber a medalha, é tempo de descansar, mas não por completo, até porque, como diz, «estar parada não é algo de que goste».

Por isso, descansa do judo, mas continua a trabalhar noutras coisas, como a corrida ou a natação (que aproveita para praticar quando leva o filho à piscina).

Para já, Santiago, de 4 anos, não mostra grande interesse em querer praticar judo – diz gostar mais do futebol e da natação – mas Joana, a mãe, não perde a esperança de que o filho um dia venha a ser judoca.

Contudo, afirma que, essencialmente, gostava que o filho se interessasse por desporto e levasse uma vida saudável – algo que considera «muito importante».

 

Joana Santos com o filho. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Na opinião de Joana, as novas tecnologias estão a afastar cada vez mais as crianças e jovens do desporto, principalmente os surdos, «que se refugiam muito nisso».

«Gostava de ver mais surdos no judo, mas agora é difícil. Há muitos telemóveis, muitas distrações para as crianças, que fazem com que elas se afastem de outras atividades».

Devido ao seu percurso, Joana não esconde que se sente uma inspiração para outros atletas.

«Acho que sou um exemplo também por ser surda. Para quem ouve, até pode ser mais fácil, mas eu nunca desisti. Gosto que olhem para mim como um exemplo a seguir, um exemplo de quem nunca desistiu», reforça.

No Judo Clube do Algarve, já estiveram mais atletas surdos, mas o facto de Joana «puxar por eles» não foi suficiente para os fazer ficar.

Para Júlio Marcelino, é um orgulho estar à frente de um clube que nunca recusou receber atletas.

«O Judo Clube sempre foi um clube de integração. Tenho aqui alguns miúdos com várias patologias e sempre treinaram todos juntos. O judo tem esta especificidade de nos pegarmos e de sentirmos o outro e isso traz também humilde e respeito, que, na minha opinião, são fatores básicos para o futuro deles como pessoas», frisa.

Durante o treino, que começou às 19h30, deu para perceber estas especificidades de que o mestre fala.

Júlia, uma recém atleta, junta-se a Joana para aprender alguns dos modelos que vão sendo executados. Apesar de não se conhecerem assim há tanto tempo, já há uma comunicação eficaz entre ambas, através de gestos e simples olhares.

A experiência é o que faz de Joana um exemplo a seguir por todos aqueles que, tal como ela, se apaixonaram por esta modalidade que é, há muito, o seu trabalho a tempo inteiro.

Deste trabalho, Joana recebe uma bolsa do Estado, enquanto atleta de alto rendimento, que lhe permite viver apenas do desporto, mas, quando o dia da «reforma» chegar, acaba-se também esse apoio.

Ao Sul Informação, Joana diz que, para já, não pensa muito nas dificuldades que poderão surgir após deixar as competições, mas fala na possibilidade de se dedicar ao ensino da modalidade – «a surdos e ouvintes», frisa.

«Acho que surdos e ouvintes devem treinar sempre juntos, tal como eu sempre treinei. Já fui campeã nacional com ouvintes e isso é a prova de que se ser surdo não é nenhuma limitação», conclui a atleta.

 

Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação

 

 

 

 



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