Crónica de uma libertação anunciada

O escriba é do tempo do “Salvem o lince e a Serra da Malcata”, faz parte daquela perigosa seita dos ambientalistas e teve um pequenino papel na contestação à construção da barragem de Odelouca

 

A coisa não é assim tão grave como o título pode indicar. Trata-se da libertação de dois linces ibéricos, a Sidra e o Salão, nascidos e criados num Centro de Recuperação da espécie, na vizinha Espanha, e agora devolvidos à natureza no Algarve.

Antes de começar, torna-se necessário fazer uma declaração de interesses: o escriba é do tempo do “Salvem o lince e a Serra da Malcata”, faz parte daquela perigosa seita dos ambientalistas e teve um pequenino papel na contestação à construção da barragem de Odelouca, que “obrigou” a medidas compensatórias, uma das quais foi a construção do Centro Nacional de Reprodução de Lince-ibérico, no interior do concelho de Silves.

Depois de dado este esclarecimento, andava danadinho para assistir a uma soltura (a língua portuguesa é muito traiçoeira) de linces. Já tinha falhado uma, por pouco, mas finalmente recebi a informação de que iria haver outra, esta terça-feira.

Anunciava-se que iria meter protocolos, ministros, entidades oficiais, mas a vontade era muita e nada me iria impedir de lá ir. E era longe (para um barlaventino…) pois ficava lá para o Nordeste algarvio, perto do Pereiro, Alcoutim.

E lá abalámos, bem cedo, eu mais outra perigosa ambientalista, mas, pelo sim, pelo não, resolvemos dinamizar o comércio local e almoçar em Alcoutim, com uma vista soberba para o rio Guadiana.

Já perto do Pereiro, estávamos a preparar-nos para observar uma perdiz do mar que tinha sido referenciada numa pequena barragem lá perto, quando vimos passar alguns jipes do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas). Nem hesitámos, metemos a tralha no carro e, com medo de nos perdermos, fomos logo atrás deles.

E chegámos ao local da soltura. Tirando os vigilantes da natureza, fomos os primeiros. Armados de binóculos e máquinas fotográficas, ficámos um pouco intimidados quando começou a chegar a comunicação social, pois a parafernália técnica, em termos de máquinas, objetivas, câmaras, etc, era impressionante.

Continuou a chegar mais gente. Pessoas da zona, miúdos da escola, muitos vigilantes da natureza, entidades oficiais, o ministro do Ambiente e outros interessados. Toda a gente se portou bem: os discursos foram rápidos, a assinatura dos protocolos também (sobre esta parte podem ler a reportagem aqui), a organização organizou-se de forma a que não se perturbassem os linces, nomeadamente pedindo ao pessoal para não fazer barulho e respeitar as indicações de lhes dar espaço.

Pois, ia-me esquecendo, o essencial disto eram os linces. E foi giro: primeiro, o ministro e uma miúda da escola libertam o macho, o Salão. Rapidamente atravessou o terreno à nossa frente que nem uma seta e enfiou-se no meio do mato. Com os binóculos ainda consegui vê-lo, mas o bicho confunde-se mesmo com a natureza.

A seguir foi a fêmea, a Sidra. Já não consegui ver como foi a soltura, só vi o bicho seguir precisamente o mesmo caminho do macho e, cá para mim, já tinham combinado o arranjinho enquanto vinham no transporte.

Algumas frases soltas que fui ouvindo: “Pois eu vi o bicho, mas achei que era muito grande para ser um gato. Disse ao meu marido…”; “Tenho que tirar uma fotografia ao lince, senão o meu filho não me deixa entrar em casa hoje”; “Stôr, a gente vai fazer um vídeo!”.

No fim, bateram-se palmas e toda a gente estava satisfeita. Eu também, apesar de nem ter apreciado bem os bichos, com a preocupação de fazer um vídeo para meter inveja aos netos.

Ah, e no regresso sempre conseguimos observar a tal perdiz do mar…

 

Aqui está o vídeo:

Vídeo: José Brito

Fotos: Sónia Cruz

 

 



Comentários

pub