Algarve, o parente sempre pobre

Infelizmente, o Algarve carece estruturalmente de uma visão estratégica das várias políticas públicas ao longo de dezenas de anos, que o retire da sua dependência crónica do turismo

Um familiar meu deslocou-se de comboio de Portimão a Vila Real de Santo António. Demorou três horas na viagem, o mesmo tempo de duração de uma viagem de Lisboa ao Porto. Assim, uma viagem de 90 quilómetros por ferrovia, no Algarve, demora o mesmo que uma viagem de 310 quilómetros, por ferrovia, mas entre as duas principais cidades do país.

A história não fica por aqui. As carruagens estão degradadas por fora e por dentro, não disponibilizando qualquer conforto aos passageiros. No Verão, o ar condicionado não funciona. Se acrescentarmos a sobrelotaçao e as paragens por avaria, ficamos com um produto ineficiente e vergonhoso na 2ª região turística mais importante do país.

Há mais. A falta de professores, a carência de profissionais de saúde, a inexistência de especialidades médicas (por exemplo Pediatria), dois hospitais públicos que cobrem todo o território algarvio, mas que são manifestamente insuficientes, tribunais que nunca saíram da gaveta (por exemplo, o da Relação de Faro), fazem do Algarve o parente pobre dos sucessivos governos desde o 25 de Abril.

Sendo uma zona por excelência de bom clima, boas praias, boa gastronomia e boa gente, o Algarve contribui para as exportações nacionais em cerca de 15%, mas é tratado pelos poderes públicos apenas como estância de férias e fonte de tributação, e não de importância vital estratégica para o país.

O Algarve não entra no imaginário da política portuguesa no que diz respeito a nada de sério e importante, apenas como um lugar hoteleiro onde todo o país se refastela no Verão, tornando a sua importância económica e cultural diluída e esquecida.

Em tempos imprevisíveis, como os que atualmente se vivem, de pandemia e guerra na Europa, a pertinência da autossuficiência económica, nomeadamente energética, industrial e alimentar são objetivos decisivos para combater a dependência de Estados e Regimes que não contribuem para a defesa dos Direitos Humanos, como é o caso concreto da Rússia.

Neste sentido, a reindustrializaçao da Europa é um assunto crítico na agenda dos vários fóruns realizados nos vários países europeus, onde pontifica a questão da ferrovia, nacional ou internacional.

Estas matérias têm de ser articuladas com as políticas económica e de coesão nacionais da União Europeia. Infelizmente, o Algarve carece estruturalmente de uma visão estratégica das várias políticas públicas ao longo de dezenas de anos, que o retire da sua dependência crónica do turismo.

Assim, a construção de carruagens “decentes” para esta região pode ser um início do combate a esta desigualdade regional. Ao mesmo tempo, a construção de carruagens que estão designadas no Norte do país, poderia ser reafetada ao Sul do país, nomeadamente à região algarvia, como forma de promover uma política nacional de equilíbrio industrial.

De facto, a descentralização de políticas industriais é, seguramente, uma forma de combater a discriminação regional e uma maneira de reforçar a coesão nacional e europeia. Tem é de ser concreta e não apenas aparecer nos discursos para embelezar as palestras e palestrantes.

 

Autor: Armando Barata é economista, especialista em matérias fiscais

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 

 



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