É um «papel pequeno», mas sobre uma «personagem muito carismática», este que João de Brito faz no filme «Salgueiro Maia – o Implicado», que se estreou há dias nos cinemas portugueses. O ator farense dá corpo a Otelo Saraiva de Carvalho, que foi um dos capitães de Abril, depois comandante do COPCON, mais tarde candidato a Presidente da República e, ele sim, implicado nas atividades bombistas das FP25.
«O meu papel é pequeno, são apenas duas interações entre Otelo e Salgueiro Maia. Numa das cenas, nós falamos sobre o Spínola e o assalto ao RALIS, na sede do COPCON», explica João de Brito, em entrevista ao Sul Informação. Mesmo com um papel pequeno, o ator salienta a importância do filme realizado por Sérgio Graciano, que, «finalmente faz justiça ao Salgueiro Maia. Ele era militar de carreira, mas, em África, percebeu que esta guerra não era para ele, nem para os da sua geração. E tudo fez para mudar o rumo da sua vida e do seu país».
João de Brito nasceu quase 20 anos depois da Revolução do 25 de Abril, pelo que construiu a personagem de Otelo Saraiva de Carvalho a partir dos «relatos que fui ouvindo, até na minha família, dos jovens que iam para o desconhecido, em África, lutar contra os inimigos que foram criados pelo regime de então. Esses inimigos eram apenas pessoas que lutavam pela sua liberdade e pelos seus países. Foi uma geração de portugueses criados no meio desse ódio, que em grande parte é responsável pelo racismo estrutural que ainda vivemos hoje em Portugal».
O ator, nascido em Faro em 1983, até conheceu pessoalmente Otelo. Foi em 2016, durante as filmagens de “A Voz e os Ouvidos do MFA”, um documentário de António Pedro Vasconcelos, sobre o Furriel Carlos Cedoura, que teve um papel importante na preparação do Movimento dos Capitães. «O Otelo andava por lá, contava umas histórias que eu fui ouvindo».
Para dar corpo a Otelo, João de Brito teve de adotar alguns dos gestos e modos de falar do comandante do COPCON. «Por exemplo o “pá”, que ele dizia muito. Nas minhas falas no filme também aparece, mas tem uma presença mais subtil», menos caricatural.
O ator teve ainda de cortar curto o seu cabelo e de o tornar grisalho. «O Otelo era grisalho desde muito novo, era um dos seus traços distintivos. Mas tinha muito mais cabelo do que eu», salienta João, entre risos.
Sobre o carácter das personagens, a sua e a protagonizada por Tomás Alves, João de Brito recorda que, «numa das cenas, o Otelo diz a Salgueiro Maia: “agora somos todos heróis”. Mas o Salgueiro responde-lhe que não é político. E de facto não foi, não era isso que o movia. Já o Otelo era bem diferente, era uma personagem excêntrica, esteve envolvido em muitas polémicas».
João de Brito confessa que ainda não viu o filme «Salgueiro Maia – o Implicado», porque na estreia estava a trabalhar nos Açores, mas garante que o irá fazer um destes dias. Ainda assim, faz questão de sublinhar alguns aspetos com «carácter simbólico» deste filme, como o facto de o realizador Sérgio Graciano ter escolhido «a neta de Salgueiro Maia, que nunca conheceu o avô, para fazer o papel da mulher que o saúda quando ele entra no Largo do Carmo».
«Este é um filme chave para as comemorações do 25 de Abril, agora que já vivemos há mais anos em Democracia do que vivemos em Ditadura», sublinha, acrescentando uma nota: «a coragem que o Sérgio Graciano teve de pegar nesta história e, finalmente, fazer justiça ao Salgueiro Maia, enquanto pessoa completa».
Como ator, João de Brito destaca «a importância da Democracia, de podermos ter esta liberdade de criação», que não existia antes do 25 de Abril de 1974. «O cinema é uma das artes fundamentais, mas antes havia aquela coisa de as artes serem para as elites. É maravilhoso que eu, de uma família simples, possa entrar num filme destes!»
O ator farense já se tinha cruzado com o realizador Sérgio Graciano em séries para a RTP, como «Conta-me como Foi» ou «Liberdade 26». Aliás, apesar de ter nascido em Faro e de aí ter concluído os estudos secundários, João de Brito rumou a Lisboa, onde estudou teatro, aos 19 anos.
E na capital, recorda, «sempre trabalhei com muitas companhias de teatro, tenho feito muita televisão, publicidade. Mas sempre mantive um pé cá e um pé lá. No entanto, a necessidade de estar no Algarve é cada vez maior, o LAMA tem cada vez mais espetáculos cá, embora também os leve a Lisboa. Em Maio, vamos ter a estreia de um espetáculo no Centro Cultural de Belém, o que, para uma companhia algarvia, é motivo de orgulho».
«Há uma disponibilidade minha para ter essa vida, entre Lisboa e o Algarve. Até tenho um projeto a ser marinado, chamado “a minha casa é a A2”», diz, meio a sério, meio a brincar.
Entre os muitos projetos, João de Brito confessa o seu carinho pela sua participação no filme sobre Salgueiro Maia. «Embora não seja um papel grande, é muito bom estar lá».
Quem quiser, pode aproveitar o feriado do 25 de Abril para ir ao cinema ver o filme realizado por Sérgio Graciano, com argumento de João Lacerda de Matos, a partir de uma biografia assinada por António de Sousa Duarte sobre o capitão de Abril.
Numa abordagem moderna, intimista e emocional, o filme «Salgueiro Maia – O Implicado», protagonizado por Tomás Alves, retrata as histórias que ainda não foram contadas sobre o “capitão de Abril”, com pequenas revelações que permitem perceber melhor de onde vinha a moderação, a valentia, a educação e a firmeza com que sempre se apresentou publicamente, revelando também o outro lado do homem, estudante, militar, pai, amigo e militar de Abril.
Como vem sendo habitual, depois de passar pelas salas de cinema de todo o país, «Salgueiro Maia – O Implicado» será também exibido na RTP, como série. Se não for antes, pelo menos nessa altura, os algarvios poderão ver a atuação do ator farense João de Brito, encarnando Otelo Saraiva de Carvalho.
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