Há 14 espécies de cogumelos a nascer no centro de Portimão (e não vai ficar por aqui)

A Gribb nasceu em Dezembro de 2021 como a primeira Horta Urbana de Cogumelos do Algarve, mas, agora, a ideia é criar várias possibilidades baseadas sempre no micélio

Estamos no centro de Portimão, mais concretamente na Rua Francisco Bivar, para conhecer a primeira Horta Urbana de Cogumelos do Algarve.

Pleorotus Djamor, Pholiota nameko ou Buna Shimeji, são, provavelmente, nomes desconhecidos. Para Cláudia Martins e Ion Volosciuc, 34 anos, também eram, até ao momento em que, por acaso, tropeçaram num post de Instagram que os fez pesquisar mais sobre o tema e entrar no mundo dos cogumelos.

«A ideia do projeto começou em 2021, com uma coisa muito simples: eu tropecei num post de Instagram que falava sobre biomateriais à base de micélio, achei aquilo super interessante e comecei a ler, comecei a investigar sobre o assunto e mergulhei num mundo que me deixou fascinado», conta Ion Volosciuc ao Sul Informação.

Durante meses, Ion, que trabalhava em Londres como gestor de restaurantes, pesquisou sobre o tema, informou-se, e tentou perceber como poderia dar início a um negócio nesta área. Cláudia, a mulher, gestora de óticas, juntou-se a ele no desafio e, no final de 2021, nasceu a Gribb.

Depois de seis anos a viverem em Londres, local onde passaram pelas fases mais complicadas da pandemia, Ion e Cláudia sabiam que queriam regressar a Portugal e que era em Portimão que queriam dar início àquele que seria o projeto do seu futuro enquanto casal – a primeira Horta Urbana de cogumelos do Algarve, que se dedica a uma produção ecológica e saudável.

Ion Volosciuc e Cláudia Martins

Por acreditarem no poder nutritivo dos cogumelos, o casal quis trazer para o Algarve uma nova forma de ver a alimentação – «realçando a importância deste fungo» para quem opta, cada vez mais, por uma alimentação onde a carne e o peixe vão deixando de ocupar um lugar de destaque.

«Em 2018, começámos a ser vegetarianos. Mais uma vez, acho que foi influência daquilo que líamos e víamos e o ambiente em que vivíamos era muito propício para isso porque há mais sensibilização. As coisas acontecem muito lá [em Londres] e depois é que se espalham pelo resto da Europa. Nós experimentámos e os resultados foram bons, mas claro que é preciso reaprender a cozinhar e o problema é que há muitas pessoas que simplesmente eliminam alguns alimentos, mas passam a comer ainda pior», explica Ion.

Em Portimão, local que identificam como casa – já que Ion, apesar de ser moldavo, cresceu nesta cidade algarvia, e Cláudia, natural da Covilhã, cá trabalhou durante seis anos – o casal viu todas as condições para começar este novo projeto, ainda que, no início, como frisam, muitos não tenham acreditado que fosse resultar.

«Quando começámos foi um pouco quebrar o normal porque a loja que escolhemos estava fechada há muito tempo, já tinha inclusive tido vários negócios que toda a gente fez questão de nos dizer que não correram bem [risos], mas nós decidimos avançar. Redecorámos a loja e os primeiros cogumelos nasceram em Dezembro [três meses depois de terem ficado com o espaço]. Tudo o que está aqui foi reaproveitado», explica Cláudia.

Mas, afinal, como é que se faz crescer cogumelos em meio urbano? Foi isso que fomos também tentar perceber quando visitámos a Gribb.

De acordo com Ion, o processo de produção é relativamente simples. «Nós vamos buscar serradura – desperdício de carpintaria de Monchique – que nós próprios escolhemos, já que nem todas as madeiras são apropriadas para criar cogumelos. Trazemos a serradura, esterilizamos (durante 12 horas), depois inoculamos com micélio de cogumelo (também produzido por nós), fica a encubar, e, assim que estiver completamente colonizado e encubado, vai para as câmaras de frutificação».

«Nesta fase, é feita uma abertura nos sacos para controlar a entrada de oxigénio – e vai ser esse choque térmico e de oxigénio que depois dá origem ao cogumelo», continua Cláudia.

Este é um método que também distingue a Gribb de outros projetos já que, segundo Cláudia, «o que a maioria das empresas faz é comprar paletes de serradura que já é transformada, que tem produtos químicos, e que é um material que é novo (não é uso de desperdício) – e claro, aí os cogumelos saem sempre iguais».

No caso da Gribb, os cogumelos são sempre diferentes, mas, com o objetivo de serem o mais sustentáveis possível, já que aquilo que querem é reaproveitar.

«É bonito de se ver que, quando começámos a ir à carpintaria, havia um monte enorme de serradura à porta, que ia ser queimada ou ficava a apodrecer, mas agora, quando lá vamos, não têm nada», conta Cláudia.

É esta serradura que, na horta urbana de Portimão, é colocada em sacos de onde nascem depois os cogumelos (e não são poucos). Aquilo que começou por ser um projeto no qual ninguém acreditava, cria agora 14 espécies de cogumelos, cinco das quais únicas a nível nacional e duas com fins medicinais.

Os cogumelos da Gribb são procurados diariamente por hotéis, restaurantes e particulares – mas a procura é tanta que, para já, o casal ainda nem conseguiu abrir o primeiro andar da horta, que tem como objetivo servir de loja.

«Ainda hoje há muitas pessoas que passam e não entendem muito bem isto, também porque nós temos a loja quase sempre fechada, porque não temos produto disponível para venda direta. Como somos só nós os dois, e todo o produto é escoado, não temos capacidade de produzir tanto e isso não nos permite abrir a loja ao público».

O espaço tem sido então aproveitado para workshops, «de modo a trazer mais pessoas ao centro e tentar mostrar também que os cogumelos não são só alimentação e podem também servir para criar arte e aprender mais sobre sustentabilidade».

Para este efeito, a Gribb tem uma parceria com a Funghi Foundation, uma ONG educativa com base no Chile. «Eles deram-nos um curso, para nós estudarmos e conseguirmos, através do conhecimento adquirido, passar esse conhecimento às crianças – desde o infantário até à universidade – e tentar explicar porque é que o cogumelo é tão importante. Se não houvesse o cogumelo, as florestas eram um acumular de lixo. Dar esta noção vai ajudar também a quebrar a ideia de que não nos devemos preocupar com a terra e com o que vai acontecer daqui a muitos anos», explica Cláudia.

De acordo com o casal, este foi também sempre o objetivo do projeto «focado na educação e sensibilização», estando mais próximo da comunidade e da economia local.

Questionados sobre se houve algum receio quanto à aceitação dos algarvios relativamente ao projeto, o casal refere que não foi fácil, mas, frisa: «nós achamos que a mente só é fechada até haver alguém que traga novos projetos» – e foi isso que quiseram trazer.

«Na nossa opinião, o Algarve está a ser muito dinamizado e tem muito potencial. Por corrermos a região, semanalmente, de um lado ao outro, conseguimos mesmo ver como as coisas estão diferentes – e Portimão está muito atrasado», diz Ion, que saiu da cidade em 2015 e regressou em 2021. «As coisas não pioraram, mas continuam iguais e o nosso objetivo é fazer diferente», continua.

Com a Gribb, o casal pretende também incentivar outras pessoas a arriscar em projetos diferentes. «Nós achamos que, se tivemos a coragem de abrir uma Urban Mushroom Farm no centro de Portimão, expandir este projeto e este negócio dentro da cidade, e fazê-lo maior e com várias possibilidades baseadas sempre no micélio, poderá ser um indicativo de que as pessoas podem fazer outras coisas diferentes na cidade», frisa Ion.

Em dezembro, a Gribb viu nascer os primeiro cogumelos e deu a conhecê-los ao Algarve e em Março foi ainda distinguida na categoria Turismo e Agroalimentar do Concurso Inova Algarve 2.0, dirigido às PME da região.

Agora, quatro meses depois do começo, estes cogumelos já são procurados por todo o país e não há mãos a medir para conseguir chegar a todos os pedidos.

«Nós não forçamos o crescimento, apenas controlamos o ambiente de crescimento – ar, humidade, temperatura e luz. A nossa produção é artificial, porque eles não crescem no campo, crescem em meio urbano, mas é o mais natural possível, até porque temos certificado biológico e para ter esse certificado há certas coisas que temos de cumprir e que implicam cuidado com as práticas. Não podemos adicionar algo que não seja biológico».

Daqui para a frente, com o projeto a crescer, a ideia é criar postos de trabalho, combater a sazonalidade e criar uma indústria – sempre à base do micélio.

«Pretendemos produzir suplementos à base de cogumelos. Vamos produzir também cogumelos transformados – ou seja, desidratados, enlatados (…) – temperos à base de cogumelos, uma vertente muito virada para a culinária, para a farmacêutica, outra virada para biomateriais (construção, vestuário, calçado…) e outros produtos alimentares (hambúrgueres ou bacon…)».

E engana-se quem acha que, nessa altura, a ideia será deixar o centro da cidade de Portimão. «A ideia é, sem dúvida, que as pessoas passem e percebam o que está a ser feito», frisam, referindo que, para concretizar este projeto, vai ser preciso financiamento – algo que consideram não ser difícil.

«Os princípios que foram aprovados nas conferências de Paris para reduzir o impacto ambiental até 2050 são aquilo em que nós nos baseamos, e isso vai ao encontro do que as entidades financiadoras procuram», diz Ion.

Devido aos fundos disponíveis para esse efeito, o casal acredita que as ajudas vão chegar e garantem que é possível consegui-las.

«Há muito ceticismo e preconceito quanto às ajudas disponíveis porque é difícil consegui-las. Há muitas coisas mesquinhas e pequeninas que é preciso fazer, e é muito difícil ter a resiliência, a paciência e a vontade de desenvolver um projeto capaz, porque é preciso muita coisa mesmo, mas nós temos essa vontade»,

As dificuldades para começar foram muitas, hoje não diminuíram assim tanto, mas o facto de Cláudia e Ion acreditarem no projeto até ao fim faz com que não desistam ao primeiro obstáculo.

«Há noites em que nós temos de vir para aqui às 00h00 porque, se não viermos, de manhã, os cogumelos já murcharam. É preciso muita vontade e a questão dos fundos não é simplificada: é preciso muitas horas em frente ao computador, muito estudo, muitas burocracias».

Para começar, contudo, não houve apoios, «porque ninguém acreditava», dizem. Só após o negócio estar a funcionar é que conseguiram ajuda por parte do banco.

«Nós não inventámos a roda: isto é feito pelo mundo inteiro. Em Portugal, é feito de uma forma diferente e intensiva, industrial, nós só fazemos de uma forma diferente», referem, confessando que, antes da abertura, foi-lhes dito que, se abrissem um café, seria mais simples. «Não é barato fazer isto e sustentar os custos que não se veem (seguros, vigilância, segurança…), mas o pior é mesmo começar».

Hoje, os cogumelos são distribuídos semanalmente pelo casal por todo o Algarve. Para os hotéis, há um preço específico, vendido ao quilo, mas, para o público, há caixas pequenas de 250 gramas (6 euros) e caixas grandes de 500 gramas (11,50 euros), chamadas o “mix do dia”.

«O que há do que colhemos no dia, colocamos nas caixas para as pessoas poderem experimentar algo diferente», dizem, referindo que são estas caixas que são vendidas no site.

Ion e Cláudia decidiram arriscar e, quatro meses depois do começo, fazem um balanço bastante positivo daquilo que é agora a Gribb. Questionados sobre se este era um resultado esperado, o casal não hesita em dizer que sim.

«Foi tudo estudado. Foi arriscado, sem dúvida, porque foi criar uma coisa que não existia. Há sempre o risco de não correr bem, mas isso acontece em qualquer negócio. Mas, sim, foi tudo estudado: a rede de restaurantes que o Algarve tem, os chefes que estão a trabalhar aqui, a disponibilidade no mercado de certos cogumelos que não existiam. Percebemos que havia essa necessidade de mercado (e nós também a criámos) porque os chefs não os usavam porque não conheciam ou porque não havia essa possibilidade de consumo”, rematam.

 

Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação

 

 



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