Compromisso com a verdade

O jornalismo só deve ser exercido por profissionais com formação adequada e obrigados a regras éticas bem definidas e legalmente escrutináveis

A paixão pelo jornalismo, esta apaixonante profissão que reporta a vida que passa, sempre a confirmar os factos em fontes independentes e a apresentar essa vida sob vários olhares possíveis, este difícil modo de vida, tem de continuar a preocupar-se em fazer com que o respectivo exercício poupe humilhação aos outros.

Ouvi esta lição num testemunho do meu primeiro chefe, o jornalista Penalva Rocha, testemunho que nunca esqueci e que ainda hoje me comove. Alguém, que acabara de cumprir uma longa pena de prisão, entrou um dia na redação do Diário de Coimbra com o amarelecido recorte da notícia da condenação que sofrera querendo saber quem tinha sido o autor de tal notícia. Embora parecesse assustador, o homem libertado queria apenas agradecer ao jornalista a forma como foi tratado na notícia, revelando, a propósito, que essa “local” o tinha ajudado a aguentar a pena que ele considerava justa.

O jornalismo deve desmentir aquele poema de Chico Buarque de Holanda que fala de uma Joana de Tal, que, por causa de um tal João, atentou contra a existência, num humilde barracão, poema que termina a concluir que a dor da gente não sai no jornal. O jornalismo, por mais “novo jornalismo” que se apresente, tem de manter com a verdade relevante um compromisso para a vida, mais visível ainda neste tempo de desinformações instaladas e de outras comunicações armadilhadas.

Nem sempre as imagens fotográficas valem mais do que mil palavras. Às vezes basta um enquadramento cirúrgico para distorcer a realidade – a leitura da imagem de um militar chegado da guerra a abraçar a companheira que o aguarda na pista do aeroporto varia em função do plano escolhido. Um grande plano do casal, fotografado de corpo inteiro no abraço apertado do regresso, transmitirá algo bem diferente de uma outra fotografia, captada no mesmo momento e no mesmo local mas a mostrar, num plano mais aberto, uma muleta entretanto caída na pista, cuja visão revela, com clareza, que o soldado regressou da guerra sem uma perna.

É por isto que o jornalismo só deve ser exercido por profissionais com formação adequada e obrigados a regras éticas bem definidas e legalmente escrutináveis.

 

 

Autor: Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

 



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