Jovens ciganos de VRSA constroem futuro com a ajuda de um luthier

Projeto envolveu 17 alunos

Foto: Nuno Costa | Sul Informação

Dário e David Montes têm nas mãos um pedaço de madeira que, daí a pouco tempo, se tornará parte de uma guitarra. É na mesa de uma sala de aula que vão trabalhando, substituindo os livros pela lima. Conversam, cantam: não conseguem esconder a satisfação. «Nós somos ciganos! Isto está-nos no sangue», dizem. 

Estamos na Escola Básica D. José I, em Vila Real de Santo António, e o relógio marca perto das 10h00.

O cenário, quando entramos na sala de aula, é muito diferente do que é normal.

Espalhados pela sala, não há mais de meia dúzia de alunos. Pelas mesas, veem-se guitarras, material de trabalho, pedaços de madeira, cordas. No quadro, não há matéria escrita.

Ao leme da aula está Manuel Amorim, um luthier (profissional especializado na construção e no reparo de instrumentos de cordas), recordista do Guinness, que foi convidado para um projeto que colocou alunos com um passado de chumbos sucessivos a construir instrumentos musicais, a partir, por exemplo, de caixas de vinho. A maior parte, são ciganos.

 

 

É o caso dos primos Dário e David Montes que, sentados a um canto, rapidamente chamam a atenção.

«Se gosto do que estou a fazer? É muito melhor do que estar a escrever», diz Dário, entre risos, à reportagem do Sul Informação.

A frase é sintomática.

Ali ao lado, o professor Manuel Amorim – chamemos-lhe assim – vai dando dicas, pegando nas mãos nos alunos. «Se fizeres assim, sai melhor», avisa, olhando para Vivaldo, outro dos alunos que participam neste projeto.

A turma onde estamos é diferente: estes são jovens com idades entre os 13 e os 15 anos, mas que ainda frequentam o 5º ou 6º ano. São as turmas PCD, de Plano Curricular Diferenciado, como nos explica a docente Ilda Felício.

«O absentismo escolar é um problema aqui. E este projeto acaba por ser uma atividade diferente para os motivar», diz, junto das colegas Bruna Carvalho e Dina Sequeira que também assistem à aula.

 

 

Todos os jovens – são 17 no total – pertencem a «turmas-mãe».

Só que, em vez de terem as disciplinas normais, como Português, Matemática ou Ciências, saem dessas aulas para frequentar oficinas de projeto.

É o caso desta que envolve Manuel Amorim, para quem o convite era irrecusável.

«Eu gosto de ajudar, de fazer coisas, deste contacto. E é excelente porque, desde o primeiro dia, todos participam com interesse», conta.

O projeto havia de terminar poucos dias depois da visita do Sul Informação, com a construção de violas, paus de chuva e castanholas de mãos.

«Coisas muitos simples que podem fazer até no futuro, porque o bichinho da música ou já o têm ou vai ficar desperto», graceja o luthier Manuel Amorim, que até já identificou qualidades em alguns dos alunos.

 

 

«Eu tenho aqui dois ou três miúdos que têm as habilidades inatas, que eu já reparei nas mãos. Se eles tiverem a sorte de encontrar alguém que os puxe, que lhes vá dando essa parte complementar, pode ser que…».

Ajudar é a palavra de ordem naquela sala.

A professora Ilda Felício assume que o percurso escolar destes jovens não é fácil, mas isso não pode fazer com que a escola se demita do seu papel educador.

Pode faltar a motivação ou o acompanhamento, mas o interesse, esse, pode nascer com projetos como este de construção de instrumentos musicais.

«Queremos motivá-los a estar na escola, nas aulas e há progressos. Nós notamos. Veja como estão entusiasmados: a música diz-lhes algo», diz.

Geovana Martins e Érica Brito estão perto das professoras.

 

 

Juntas vão preparando as bases do que será um pau de chuva: no fundo, um grande tubo com areia dentro que, ao virar, faz um som muito parecido ao da chuva a cair. Geovana também é cigana e assume que a música faz parte do seu ADN.

«Estas são aulas diferentes e nós preferimos estes trabalhos manuais», concordam as duas amigas, apesar da timidez.

Para o futuro, mesmo que a música nunca deixe de ser “apenas” um hobby, já há ideias para talvez aprender a tocar guitarra.

«Sempre ficamos a aprender mais qualquer coisa», voltam a concordar.

Para Manuel Amorim, a música, nesta vertente mais prática, deveria ser «uma área obrigatória» na escola.

«Não aquela música formal de conservatória, mas sim este género de atividades», conta.

A aula aproxima-se do fim, mas o entusiasmo de Manuel Amorim não esmorece.

«Basta ver como pegam nestas tábuas e começam logo a bater com aquele ritmo deles, aquele som. Isto é fantástico», conclui, olhando para os primos Dário, David e Vivaldo que continuam, concentrados, a trabalhar, ao som da música que ecoa dos seus telemóveis.

 

 

Fotos: Nuno Costa | Sul Informação

 

 

 



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