Para os brasileiros, o Algarve é também «uma porta para entrar na União Europeia»

Entrevista com o novo Cônsul Geral do Brasil em Faro

O embaixador José Estanislau do Amaral Souza Neto, Cônsul Geral do Brasil em Faro – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Há «em torno de 60 a 70 mil brasileiros» a viver no Sul de Portugal, na área sob jurisdição do Consulado Geral do Brasil em Faro, que engloba o Algarve, mas também grande parte do Alentejo, nomeadamente os distritos de Beja, Évora e os Municípios de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines, pertencentes ao distrito de Setúbal.

A estimativa é feita pelo novo Cônsul Geral do Brasil, que assumiu o cargo em Faro há menos de dois meses e tem dedicado estas primeiras semanas a conhecer a região, mas também os problemas e aspirações da comunidade brasileira.

Em entrevista ao Sul Informação, o cônsul José Estanislau do Amaral Souza Neto disse que a maioria desses brasileiros estão no Algarve para trabalhar ou estudar.

Os dados exatos sobre o número de cidadãos provenientes do Brasil a residir e trabalhar no Algarve são difíceis de apurar, uma vez que, esclarece o diplomata, «não existe a obrigatoriedade do registo no consulado».

O que se sabe é que os brasileiros são a maior comunidade estrangeira em Portugal, atingindo, em 2020, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) os 183.875 residentes legais. Mas estes números pecam por defeito, uma vez que deixam de fora os brasileiros com dupla nacionalidade portuguesa ou mesmo os que estão em fase de legalização (atualmente são poucos os que continuam em situação de imigração ilegal).

Por seu lado, o Algarve é a segunda região do país, logo a seguir a Lisboa, a acolher mais brasileiros. Dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) referentes a 2019 apontavam para cerca de 13400 brasileiros a residir oficialmente em terras algarvias. Com a pandemia e o fecho de muitos dos locais de trabalho – hotéis e restaurantes, na sua maioria – muitos brasileiros regressaram ao seu país, mas a reabertura das fronteiras, sem restrições, em Setembro passado, permitiu a retoma da chegada de pessoas daquele país da América do Sul.

O cônsul José Estanislau Souza Neto diz que há «dois grandes contingentes de brasileiros que estão aqui: um é o de jovens, e são realmente muito jovens, que vêm trabalhar no setor de serviços, hotelaria, restaurantes».

«Já conversei com vários dirigentes de entidades que representam o setor de hotelaria e todos eles dizem que os brasileiros são uma excelente opção, que em geral são bem qualificados para esse setor. Muitos vêm fazer a universidade no Algarve e depois fazem períodos de estágio, treinamento aqui», acrescentou.

«Eu estou hospedado num hotel aqui em Faro, onde mais de metade do staff são jovens brasileiros, que vêm de todas as regiões do país. Em geral, são pessoas que já falam uma segunda língua ou às vezes até uma terceira língua, além do português».

Depois, revelou o cônsul, «há uma outra comunidade de brasileiros que vem para cá, uma percentagem menor, que são os que trabalham na construção civil. Com esses, nós temos um pouco menos de contacto, só vêm ao Consulado em busca dos nossos serviços».

 

O embaixador José Estanislau do Amaral Souza Neto, Cônsul Geral do Brasil em Faro – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Em Faro, há também uma comunidade importante de estudantes brasileiros na Universidade do Algarve, em licenciaturas, mestrados e até doutoramentos. Os alunos provenientes do Brasil são mesmo a maior comunidade estrangeira na academia algarvia. Porquê esta afinidade com a Universidade do Algarve?

José Estanislau Souza Neto não tem dúvida de que uma das razões é a língua comum, que facilita a adaptação. «Em segundo lugar, há a forte divulgação que a Universidade do Algarve tem feito dos seus cursos no Brasil. Eles têm trabalhado muito a divulgação lá e depois há o boca a boca. E, finalmente, há outro fator concreto que é muito importante: a Universidade admite candidatos com base na nota do exame brasileiro, o ENEM. A Universidade aceita os alunos com boa classificação para fazer o curso aqui. Então é um conjunto de circunstâncias favoráveis».

O cônsul destaca também o facto de Portugal e o Algarve poderem ser, sobretudo para os estudantes brasileiros, uma porta para entrar na União Europeia. «Uma coisa interessante, que eu já observei conversando com alguns alunos: muitos me dizem que estão muito felizes por estar aqui, mas veem Portugal como uma porta de entrada para o mercado mais amplo da União Europeia. No outro dia, conversava com uma jovem de 23 anos de idade e ela dizia que estava muito feliz aqui, mas via o futuro dela a trabalhar no setor da hotelaria, na Alemanha. Ela está a tirar um curso para aprender alemão. Então tem isso: o Algarve é uma porta de entrada não só para o próprio Portugal, para trabalhar depois em Lisboa, mas também em outras regiões da Europa. Porque aqui no Algarve há muita sazonalidade. Então também esses trabalhadores sofrem um pouco com isto, muitas vezes não há sequência de trabalho nos meses de Inverno».

Quanto a investimento de empresas e empresários brasileiros na região algarvia, o cônsul salienta que, «se houver interesse de brasileiros a vir para cá, vai ser mais no setor de hotelaria, de restaurantes e tudo mais». No entanto, admite, «não há um movimento grande neste momento, senão eu estaria a par».

O que os brasileiros com poder de compra mais procuram em Portugal é a segurança e uma casa, investimento que até lhes poderá dar acesso mais facilitado a um visto dourado ou à dupla nacionalidade. José Estanislau Souza Neto refere que «há demanda de brasileiros por residência, mas em todo o Portugal. Os brasileiros estão a comprar imóveis. Tem de tudo um pouco. Pessoas que têm uma segunda residência ou uma terceira residência de alto nível. Tem também pessoas que vêm para cá aposentadas, porque Portugal oferece o tipo de visto de permanência específico para aposentados».

No top das prioridades desses brasileiros endinheirados está Lisboa, Porto, Braga, mas o Algarve, até pelo clima mais ameno, pode ser uma hipótese futura. «Eu converso muito com o Reinaldo Teixeira, cônsul honorário, que é empresário nessa área do imobiliário», para «vermos como vamos dinamizar essa parte empresarial».

Mesmo ao nível do turismo, que aumentou exponencialmente nos últimos anos do Brasil para Portugal, os brasileiros ainda não descobriram o Algarve. O diplomata considera que isso se deve talvez ao facto de o turismo algarvio se basear muito na praia, «e isso nós temos no Brasil». «Se for ao Porto, ou Lisboa, ou qualquer cidade no norte do país, Braga, Bragança, Guimarães, é impressionante ver a quantidade de turistas brasileiros que lá encontra… Aqui no sul é mais difícil».

Há, por isso, muito trabalho a fazer. No entanto, admite o novo Cônsul Geral do Brasil em Faro, «ainda não tive tempo de colocar a mão na massa. A minha primeira prioridade é colocar o Consulado em ordem para atender os brasileiros que já estão aqui. Isso acho que rapidamente vai estar bem solucionado e vamos depois começar a ver as outras coisas».

 

 

 



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