As infraestruturas verdes e a conexão cidade-campo

As infraestruturas verdes, em geral, podem constituir-se num verdadeiro laboratório de experimentação dos usos do território


«… a estrutura verde não deverá ser concebida à posteriori, concretizada num mero decorativismo vegetal, em arranjos paisagísticos, na vegetalização e enquadramento de infraestruturas ou em paisagismos pictóricos, mas sim concebida como uma obra de arquitetura paisagista que se apoia numa participação interdisciplinar» (Gonçalo Ribeiro Telles, 2003: 331)

 

Agora que se fala tanto nas candidaturas a capital europeia da cultura 2027 vale a pena referir que um dos seus elementos nucleares diz respeito à qualidade das suas infraestruturas verdes, lá onde a natureza e a cultura trocam muitos dos seus melhores argumentos.

Na agroecologia urbana da cidade do futuro, as infraestruturas verdes terão um lugar proeminente no planeamento, na prevenção e na terapêutica urbanas. Estas infraestruturas ecológicas ou, se quisermos, operadores biofísicos da cidade, serão essenciais na sua projeção territorial, em particular as novas conexões cidade-campo, pois elas poderão funcionar como as placas giratórias dos corredores verdes e das redes de corredores verdes ou como novos lugares centrais da cidade do futuro e, portanto, como outros tantos lugares de interface com a cultura.

 

A paisagem e as infraestruturas verdes

Sabemos que a paisagem possui um padrão determinado pela relevo, os ecossistemas e o tipo de solo e que forma um mosaico composto por três elementos, a mancha principal, os fragmentos e os corredores. Como é óbvio, as configurações espaciais entre manchas, fragmentos e corredores têm muita importância ecológica e determinam os movimentos de pessoas e animais, bem como das linhas de água através da paisagem.

Sabemos, ainda, que a mancha principal é muito variável, mais ou menos homogénea e linear, e que a forma dos elementos apresenta diversos graus de conectividade, enquanto os corredores são sistemas-condutores para a circulação de espécies e, dependendo da dimensão e da variedade das espécies, podem constituir-se em habitats ou em corredores de circulação ou dispersão.

Como é evidente, a circulação de espécies e populações entre os diversos fragmentos de um mosaico paisagístico aumenta com a escala, ao mesmo tempo que se reforça a conectividade e se realizam funções naturais indispensáveis à sustentabilidade.

Sabemos, também, que a fragmentação ocorre tanto por causas naturais como por ação do homem, através de grandes equipamentos e infraestruturas. O tamanho dos fragmentos e a natureza e grau de conectividade dos elementos determinam a configuração da paisagem e esta a configuração dos corredores.

Embora saibamos que a eficácia dos corredores só pode ser provada ao longo de muitos anos ou décadas, também sabemos que não é possível esperar pelos resultados pois as paisagens já estarão irremediavelmente alteradas em termos de estrutura e função.

O planeamento, a monitorização permanente e uma gestão adaptativa são a melhor solução disponível.

Sabemos, igualmente, que as linhas de água, com as suas galerias ripícolas e respetiva dinâmica hidrológica são um corredor verde por excelência. Todavia, com o desenvolvimento urbano, tem ocorrido uma extensa impermeabilização dos solos, por pavimentação ou compactação, e uma supressão das matas que garantiam a permeabilidade e humidade do solo, fundamentais para a sua manutenção em boas condições ecológicas.

A consequência óbvia é que as águas escoam com maior facilidade e carregam os resíduos para os corpos de água, gerando assoreamento e poluição e mudando a dinâmica hidrológica da linha de água, que, por sua vez, perturbam a ecologia dos ecossistemas aquáticos e afetam a fauna e a flora respetiva.

O mesmo se pode dizer em relação às florestas urbanas que podem ser desenhadas para conter o deslizamento de encostas, prevenir a erosão dos solos, manter a qualidade das águas, do ar e do ambiente, assim como, a qualidade de vida dos cidadãos em geral.

Sabemos, finalmente, que, quanto mais intensiva, compacta e densa for a cidade e a sua urbanização mais ela se projeta na sua área de influência, pelas melhores e piores razões: mudanças no uso e ocupação dos solos, a segregação de famílias de menor rendimento, mais poluição da água, do ar e do solo, maiores distâncias a serem percorridas, maior dependência do automóvel, maiores consumos de energia, mais sedentarismo e mais patologias agressivas, menos áreas naturais e menos acesso a espaços livres e, finalmente, menor sociabilidade associada a maior perigosidade e risco urbanos.

 

As infraestruturas verdes e as novas conexões cidade-campo

Insisto no meu argumento, as infraestruturas verdes são um elemento fundamental da conexão cidade-campo e, portanto, um elemento cultural por excelência. Nos corredores verdes e nas redes de corredores verdes devemos não apenas aproveitar para reprogramar as relações cidade-campo como, também, para mudar os nossos hábitos e comportamentos para com a natureza, uma vez que a natureza é uma mediadora de relações sociais.

Se formos agressivos com a natureza, os impactos ambientais da nossa ação terão fortes implicações sociais e, por sua vez, esta perturbação social irá repercutir-se novamente sobre o ecossistema e as condições de vida que ele nos proporciona.

As infraestruturas verdes podem tornar áreas densamente povoadas em locais agradáveis e procurados e melhorar a convivência entre cidadãos. Para o mesmo objetivo contribui a integridade ecológica, a saúde da flora e da fauna respetiva. Um local com uma forte integridade da sua paisagem terá, em princípio, uma boa representação de si mesmo, é um local que acabará por valorizar as funções sociais, económicas, recreativas e estéticas.

Assim será, se, por via do planeamento biofísico, soubermos tirar partido da topografia e morfologia do espaço e adequarmos o projeto da cidade à comunidade local.

Finalmente, as infraestruturas verdes podem constituir-se num verdadeiro laboratório de experimentação dos usos do território, cuidando das suas principais estruturas constituintes, desde que não tenha sido concebida para resolver meros problemas de emergência ou circunstanciais.

No caso particular da agroecologia multifuncional, as infraestruturas verdes podem materializar todas as suas principais funções: conciliar múltiplos usos para o homem em contacto direto com a natureza, resgatar a biodiversidade e os ecossistemas, resgatar áreas densamente povoadas, testar as metodologias de educação ambiental e, também, as metodologias de monitorização permanente.

Na agroecologia urbana da cidade do futuro, as infraestruturas verdes serão essenciais na projeção territorial da cidade, pois elas poderão funcionar como as placas giratórias dos corredores verdes e das redes de corredores verdes ou como novos lugares centrais da cidade-região.

Recordemos, como exemplo, as principais:

– Os sistemas ou redes integradas de micro geração energética;
– A gestão integrada das várias fontes de água doce,
– A construção sustentável e a bio regulação climática;
– O bosquete multifuncional, a floresta urbana e a captura do carbono;
– A agricultura urbana e periurbana para abastecimento alimentar;
– A promoção dos serviços de ecossistema junto da população;
– A promoção dos corredores verdes de ligação aos espaços mais sensíveis;
– Os lagos bio depuradores;
– A compostagem urbana e a experimentação em agricultura vertical urbana;
– A construção de amenidades agroecológicas, recreativas e terapêuticas.

A tabela que apresento é um exemplo simplificado desta nova conexão cidade-campo:

*Mais campo na cidade e Mais cidade no campo: De acordo com os conceitos de paisagem global e continuum natural, todos estes elementos devem funcionar como infraestruturas ecológicas e corredores verdes, segundo uma conceção integrada de arquitetura paisagista e engenharia biofísica.

 

Em plena era tecnológica e digital reside, porém, uma dúvida fundamental, a saber: é muito provável que a velocidade reduza substancialmente a distância cidade-campo, mas, contribua, ao mesmo tempo, para um olhar paradoxal sobre os territórios mais remotos do interior, na exata medida em que o nomadismo e a mobilidade impedem a formação de um urbanismo crítico que lhes permita contrariar os movimentos em direção ao litoral.

No final, depois da arquitetura e da engenharia civil, elegemos a arquitetura paisagista e a engenharia biofísica para repor muitos dos equilíbrios sociais e ecológicos que antes tinham sido quebrados, elegendo estas infraestruturas verdes como outros tantos operadores biofísicos no desenho das novas conexões cidade-campo e na criação de novas multifuncionalidades que se afiguram necessárias ao bom funcionamento das redes de uso do território.

 

Notas Finais

Como dissemos, as infraestruturas verdes, em geral, podem constituir-se num verdadeiro laboratório de experimentação dos usos do território, cuidando das suas principais estruturas constituintes, desde que não tenham sido concebidas para resolver meros problemas de emergência ou circunstanciais como, infelizmente, acontece tantas vezes.

Esta é, também, a razão pela qual os processos de auscultação e participação públicas são fundamentais no desenho destas infraestruturas e suas principais funções: conciliar os usos múltiplos dos solos, resgatar a biodiversidade e os ecossistemas, resgatar áreas densamente povoadas, testar as metodologias de educação ambiental e, também, as metodologias de monitorização permanente.

No final, como diz o arquiteto Gonçalo Ribeiro-Telles, trata-se de passar do verdismo e do arranjismo paisagístico ao planeamento biofísico, isto é, ao metabolismo circular dos elementos, sua restauração e reabilitação ecológicas, de respeitar o rational da paisagem global e a função vertebral da estrutura ecológica municipal, assim como a complementaridade energética e os sistemas integrados de micro geração onde se incluem a bio construção, a bio climatização e os sistemas agroalimentares locais de proximidade, enfim, de promover as formas de governança local e institucionalidade dedicadas e uma nova cultura de fusão entre a cidade e o campo.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 

 



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