«O Algarve tem uma realidade muito particular no que diz respeito à saúde mental dos jovens e o projeto “SER Mental” tenta ser uma resposta da MOJU para ajudar os jovens olhanenses que estejam em situações de risco», explica a psicóloga clínica e coordenadora do projeto Carla Fernandes.
A saúde mental é «uma das emergências sociais que têm estado na ordem do dia», um tema «amplamente falado devido ao aumento de casos durante a pandemia, aos efeitos sentidos pelos jovens e que perdurarão ainda alguns anos», realça Carla Fernandes, durante uma visita do Sul Informação às instalações da MOJU.
Segundo a psicóloga clínica, a região algarvia, «contrariamente ao resto do país, tem uma faixa etária, entre os 13 e os 18 anos, que não tem qualquer apoio previsto» no que toca à saúde mental. «Existe depois o hospital, mas os seus recursos são extremamente limitados e não chegam a toda a região algarvia», no que à saúde mental diz respeito, realça.
Olhando para esta emergência social e de saúde, a MOJU – Associação Movimento Juvenil, de Olhão, decidiu criar o projeto “SER Mental”, um «serviço especializado em rede para a promoção da saúde mental na infância e adolescência».
Este projeto tem como objetivo «prevenir, o mais precocemente possível, a problemática relacionada com a saúde mental e prevenir situações mais complicadas de futuro», intervindo, «diretamente, com jovens adolescentes, dos 13 aos 21 anos, e também com as respetivas famílias», explica a coordenadora.
O “SER Mental” surge em Setembro de 2019, assente num «quadro de necessidades que estavam caracterizadas no diagnóstico social de Olhão», tendo também em conta a situação regional e nacional, «porque a saúde mental tem sido sempre o chamado parente pobre da saúde».
Esta iniciativa é financiada pelo Portugal Inovação Social, mediante os financiamentos do CRESC Algarve e do Portugal 2020 (70% do financiamento), contando ainda com cinco investidores (30%): o município de Olhão e as quatro freguesias olhanenses.
Quando o projeto começou a atuar junto dos jovens olhanenses, «as primeiras referenciações eram só coisas muito graves, no fim de linha», confessa Carla Fernandes, realçando que, «em vez de estarmos mais na promoção e prevenção da saúde mental, que é o nosso foco, estávamos a tratar de casos bastante sérios».
A maioria dos jovens «chegam-nos, normalmente, por referenciação de outras entidades». Este projeto «é apenas para a população de Olhão» e esse é «um dos critérios que temos para que os jovens integrem o projeto», explica Carla Fernandes.
«Uma família que tenha um filho com uma dificuldade não consegue recorrer diretamente a nós, mas há uma ou outra atividade que, durante o desenvolvimento do projeto, fomos abrindo a toda a comunidade».
Para serem referenciados para o projeto, «os jovens têm de apresentar algum sinal de preocupação» como «um tipo de sofrimento psicológico», que tenha levado entidades como as escolas, a CPCJ – Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, a Segurança Social e outras IPSS «a estarem alerta e a encaminhar-nos esses jovens».
Depois das entidades preencherem um formulário online, «entramos em contacto com o responsável da referenciação». Se, numa primeira análise, «verificarmos que o jovem preenche os “critérios de admissibilidade”», é feito «um primeiro contacto com a família» e avança para «uma primeira avaliação psicológica», que envolve «uma entrevista aos pais e algumas ao jovem».
«Fazemos sempre um questionário, no início e no fim da nossa intervenção, em que os pais e o jovem vão ter de identificar um conjunto de competências em diversas áreas, nomeadamente atividades sociais, extracurriculares, escolares e um conjunto de sintomas. A partir daí, temos um resultado».
É traçado então um perfil do jovem, através do qual «conseguimos ver se o quadro em que se encontra está num nível esperado para a idade, se é um caso de risco ou se é uma situação clínica».
Independentemente disso, a ideia do “SER Mental” é que «o resultado da nossa intervenção diminua o número de sintomas e aumente o número de competências do jovem».
Quando o processo de intervenção por parte dos psicólogos chega ao fim, o projeto volta a intervir e «aquilo que temos aferido é que, de facto, tem havido uma melhoria na grande maioria dos casos, cerca de 80% a 90% dos nossos jovens», realça Carla Fernandes.
Além de atuar diretamente junto dos jovens olhanenses referenciados, o “SER Mental” faz também «ações de sensibilização para a importância da saúde mental» nas escolas do concelho de Olhão.
«Vamos às escolas e aplicamos um questionário, onde os alunos identificam temas, áreas, fazem questões e esclarecem as suas dúvidas, abordando alguns mitos ligados à saúde mental». Depois, mediante os resultados do questionário, «trabalhamos esses temas e estruturamos uma intervenção», explica a coordenadora do projeto.
Um dos temas que os jovens mais pedem para ser abordado pela psicóloga clínica é a ansiedade: «Os jovens não sabem, no fundo, o que é a ansiedade, que manifestações podem existir e que estratégias é que eles podem usar para a reduzir».
Nas sessões surgem, também, questões ligadas à literacia emocional, ou seja, «deles reconhecerem as emoções», questões da sexualidade, de identidade, dos estereótipos, dos consumos, entre outros.
Além destas sessões, o projeto “SER Mental” dinamiza também um programa de mindfulness, destinado aos jovens referenciados, mas também aos pais e encarregados de educação.
Com base na meditação, este programa pretende que, durante oito sessões, os participantes «adquiram a capacidade de estar atentos a si próprios e ao mundo que os rodeia», ou seja, «prestarem atenção ao momento presente, sem julgamento, e com uma intenção», afirma Carla Fernandes.
Estas sessões «ajudam a desenvolver esta consciência de si próprio, do seu corpo, das suas emoções, do seu pensamento, de perceberem como é que os pensamentos podem condicionar o nosso comportamento».
O projeto tem obtido «resultados muito interessantes com este tipo de intervenções» que, dirigidas aos jovens e aos pais, «são inovadoras na região algarvia pois não existiam cá estas práticas de meditação com estes protocolos».
Quanto ao futuro do projeto “SER Mental”, apesar do seu fim estar previsto para Agosto deste ano, «há já perspetivas», afirma a presidente da associação Daniela Correia.
No final do ano passado, o concelho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian decidiu atribuir um apoio excecional, num total de 1,1 milhões de euros, a «um conjunto de 10 entidades que foram afetadas pela pandemia» e que «tivessem projetos na área da saúde mental».
Daniela Correia conta que «a MOJU, com o projeto “SER Mental”, foi uma dessas instituições, tendo sido contemplada quase em representação da região algarvia». A associação teve já «uma reunião com a fundação» para perceber «como vai funcionar este apoio que, à partida, virá ainda em Fevereiro».
O “SER Mental” irá «continuar a ajudar os jovens olhanenses, sendo este apoio monetário importante», garante.
«No entanto, vamos procurar sempre que a sustentabilidade desta iniciativa seja assegurada pelos nossos investidores sociais, isso seria o ideal, só que implica que haja um aumento deste investimento».
A missão da associação MOJU «está a ser levada a cabo e tem estado a ser bem sucedida», exclama Daniela Correia.
«Nos últimos anos temos visto que o trabalho da associação tem estado a ser mais valorizado, o que nos permite chegar a mais jovens, a mais famílias, apoiar mais pessoas e intervir também em outras áreas, como é o caso da saúde mental», conclui a presidente da MOJU.
Fotos: Rúben Bento | Sul Informação
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