Mais vale prevenir que remediar

É caso para dizer que depois da casa roubada é que põem trancas à porta

“Nunca se sabe os resultados que virão da sua ação. Mas, se não fizer nada, não existirão resultados”
Mahatma Ghandi

O ano de 2022 inicia-se com sinais contraditórios: o belzebu parece estar a pôr o rabo entre as pernas e a “domesticar-se” para poder continuar a conviver com os humanos sem os matar, mas, ao mesmo tempo, a seca que se mantinha como uma ameaça latente há vários anos… tcharaaam! impôs-se com estrondo e já não se consegue abrir um jornal ou a televisão sem encarar com inúmeros artigos e reportagens sobre o assunto.

A imprensa pressiona, as declarações multiplicam-se e somos confrontados com factos espantosos, como, por exemplo, as cândidas revelações do diretor regional de Agricultura sobre os sete milhões de metros cúbicos que são desperdiçados todos os anos nos canais de distribuição das barragens do Barlavento.

Como disse? Sete milhões de metros cúbicos por ano? E há quantos anos é que isso acontece? E só agora, que estamos face ao facto consumado, é que vão a correr consertar esse desconserto?

Dentro da mesma linha da tomada de consciência de termos um elefante dentro da sala, a porta-voz das Águas do Algarve informa que podemos continuar a abrir as torneiras no próximo ano e meio e acrescenta diligentemente que “estamos a preparar campanhas de sensibilização para que a população perceba qual o real problema da falta de água e quais as consequências para o futuro”.

A sério? Abrimos as torneiras à vontade no próximo ano e meio, ou temos um real problema de falta de água e temos que tomar medidas de imediato?

É caso para dizer que depois da casa roubada é que põem trancas à porta.

O lema de quem faz a gestão dos nossos recursos vitais, ao contrário do que aconselha a sabedoria popular, parece ser o de que mais vale remediar que prevenir. Insistir nesse caminho não pode, obviamente, dar bom resultado.

Mas alegremo-nos que nem tudo é escuridão. E as boas notícias são:
– mais vale tarde que nunca, e
– já não há desculpas para continuarmos a assobiar para o lado e a gastar água como se não houvesse amanhã.

Também começam a escassear as desculpas para assacar as culpas exclusivamente aos dirigentes e fingirmos que não somos responsáveis pelo nosso futuro coletivo. Na verdade, os problemas que enfrentamos só podem ser ultrapassados se tomarmos consciência deles e se nos unirmos enquanto comunidade para os debater, encontrar soluções e agir em conformidade.

Temos que imitar as árvores, não aquelas decepadas e tristes, vítimas de ataques da boçalidade armada de motosserra, mas as árvores inteiras que vivem em comunidades harmoniosas que cuidam umas das outras por transferência de alimento entre as raízes e que usam a rede de comunicação que os fungos lhe providenciam para trocar informações e reforçar a união para enfrentarem em conjunto pragas e doenças.

Continuamos a acreditar no lema do Glocal “Pensar Global, Agir Local”. Pôr mãos à obra coletivamente está no nosso ADN – se há um problema vamos resolvê-lo em conjunto.

É claro que a integração e a ação em coletivo não é tarefa nada fácil. Os donos do mundo, e dos mundinhos em que nos movimentamos, sabem bem que dividir para reinar é a condição sine qua non para se manterem no poder e agem em conformidade. Cada cabeça sua sentença e mais tudo o que nos encaminha para termos um comportamento cada vez mais individualista… é dose! No entanto, a realidade prova-nos que temos que ver para além das aparências, compilar informação para ter a verdadeira dimensão das questões que enfrentamos e não nos deixarmos embalar ou aterrorizar com o “covidizer”.

Citando de novo Ghandi:
Felicidade é quando o que pensamos, dizemos e fazemos estão em harmonia

A nossa ação individual, enquanto consumidores responsáveis e empenhados num planeta cada vez mais sustentável, aliada a uma ação coletiva para resolver os problemas comuns são as chaves do sucesso.

A ação coletiva pode ser no sentido de resolver diretamente os problemas com os recursos que estão ao nosso alcance, ou de questionar e obrigar as entidades públicas a agir para preservar e melhorar o bem comum.

Ambas as ações são fulcrais para transmitir valores ancestrais e para devolver em boas condições o património indispensável à vida que recebemos das gerações anteriores – o ar, o solo, a água e a biodiversidade.

 

Autora: Alice Pisco é engenheira técnica agrária, co-fundadora do Glocal Faro, empenhada na construção de um mundo melhor.
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