Hélder Martins quer o Algarve a «falar a uma só voz» em prol do turismo

O Sul Informação entrevistou o novo presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Hélder Martins não precisou de muito tempo, após ser eleito presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), para cumprir um dos seus objetivos: aumentar o número de sócios.

Mas, para chegar a outras metas a que se propõe, como «pôr o Algarve a falar a uma só voz», no que ao turismo diz respeito, ou conseguir «a paz social», o recém eleito líder desta que é uma das mais importantes associações empresariais da região algarvia terá uma árdua tarefa pela frente.

O Sul Informação foi ter com Hélder Martins à sede da AHETA e falou com ele sobre este novo desafio, que é o mais recente episódio de um percurso que esteve sempre muito ligado ao setor turístico, tanto como empreendedor, como enquanto detentor de cargos públicos, entre os quais a presidência da Região de Turismo do Algarve.

 

Sul Informação – Quais é que são aqui os principais objetivos, depois de eleito e depois de já conhecer um bocadinho a casa?

Hélder Martins – Os nossos principais objetivos passam por voltar a tornar a AHETA numa grande associação empresarial do Algarve, que represente todas as partes do turismo.

Também vamos tentar que, de facto, as empresas se revejam na AHETA e, cada vez que tenham qualquer problema, qualquer questão, a associação seja uma porta aberta para eles. Depois, que sejamos um interlocutor junto do poder central, mas também junto de outras estruturas.

Já reatámos a nossa relação com a Confederação de Turismo Português (CTP), tão importante, entidade da qual estávamos afastados. A CTP é o principal interlocutor no turismo. A AHETA durante anos foi vice-presidente da Confederação, mas depois saiu. Agora, já reatámos, já começámos a participar e já estamos em versão normal nessa relação.

É evidente que agora estamos aqui numa situação um bocadinho estranha, porque estamos numa mudança de Governo, mas o nosso contacto com as diferentes entidades – Secretaria de Estado do Turismo, Ministério da Economia, a presidência do Instituto do Turismo de Portugal -, já foi feito. Estamos a aguardar o agendamento de reuniões para começarmos a expor aquilo que são as nossas questões.

Também já falámos com a AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve, com o Instituto de Emprego e com a Autoridade para as Condições do Trabalho. Temos vindo a abordar todas essas entidades para que a AHETA seja um parceiro privilegiado na resolução de problemas.

No fundo, queremos que a AHETA seja um player.

 

 

SI – E que questões são essas que querem apresentar ao Governo?

H.M. – Há questões que são de mais fácil resolução e há questões menos fáceis. Tive oportunidade de participar, ainda por via digital, na última reunião da AMAL e solicitei que, na próxima, que eu acredito que já será presencial, nós pudéssemos estar presentes, para discutirmos com os presidentes de Câmara as questões que consideramos estruturantes para a região.

O problema da falta de mão de obra é uma delas, até porque não é só do turismo, é transversal a todas as atividades. Nós vemos, por exemplo, que não há médicos, não há enfermeiros, na agricultura têm de ir buscar mão-de-obra a diferentes países.

Ainda ontem tive uma abordagem de uma pessoa que queria vir trabalhar para o Algarve, uma pessoa qualificada.

Esta pessoa, que é casada e tem filhos, quer mudar a sua vida para o Algarve e deparou-se com uma série de problemas. Estou a falar, por exemplo, do custo da habitação, que se coloca mesmo que as pessoas tenham um salário dentro daquilo que é a média ou mais do que a média. Outra questão de que este trabalhador me falava era a incerteza sobre se haveria lugar para os seus filhos numa creche.

Portanto, há aqui questões estruturais no Algarve que, enquanto não as resolvermos, teremos dificuldade em atrair mão-de-obra.

Este é um dos problemas estruturais importantes. Em 2021, houve várias unidades hoteleiras que não abriram parte do seu negócio porque não tinham funcionários. Não vale a pena escondermos, porque esse é um problema que está em cima da mesa.

 

Presidente da AHETA quer promover a «paz social» no setor

SI – Qual é o objetivo que faz questão de cumprir antes de terminar este mandato?

H.M. – Há objetivos que são claramente tangíveis e outros intangíveis. Quando sair daqui, gostaria de ter um objetivo cumprido, com a ajuda da equipa que lidero, que é uma equipa fantástica, com quem eu já trabalhei na ATA e na RTA: gostaria de ter uma situação em que houvesse paz social, em que todos – empregadores, empregados, estruturas sindicais e estruturas públicas – remem para o mesmo lado.

Quero que o Algarve fale a uma só voz. Não estou com isto a dizer que sou eu essa voz, mas sim que era bom que houvesse uma voz que falasse pelo Algarve, que não houvesse o A, B, C ou D, cada um a falar ao mesmo tempo e cada um a falar para o seu lado.

Também desejo que o destino turístico Algarve continue a ser um destino reconhecido pela qualidade, porque nós somos um território, de facto, diferente, que não vale apenas pelo sol e praia.

Esta questão da sazonalidade é terrível para as empresas. Eu consigo fixar os trabalhadores durante sete, oito ou nove meses, mas depois, se calhar, tenho três ou quatro meses em que é muito difícil mantê-los. Portanto, é importante que todos nós trabalhemos para a esbater.

É evidente que o golfe, os congressos, o turismo ativo e o turismo de natureza são partes importantes para trazer as pessoas ao Algarve fora da época alta. Mas é preciso mais.

 

SI – Considera que o facto de ter a sua própria unidade hoteleira já há muitos anos, de conhecer os problemas com que se debatem as empresas, nomeadamente durante a pandemia, o ajudará nesta nova etapa da sua vida?

H.M. -Sim. Eu sempre gostei de estar dos dois lados da barricada. Toda a minha vida foi dedicada ao turismo. Aos 20 e poucos anos, construí um restaurante em Querença, numa altura em que não se vendia uma sandes no café da aldeia.

Depois, tive que fazer uma opção de vida e vendi o restaurante, mas trabalhei em todas as áreas, desde a restauração a rent-a-car e à hotelaria. Passei por grandes grupos e passei por pequenas empresas.

Mais tarde, fui presidente de Junta, estive na Câmara e fui presidente da Região de Turismo do Algarve.

A dada altura, em 2013 concretamente, decidi afastar-me voluntariamente de todas estas áreas públicas. E decidi avançar com um projeto de família, porque há muitos anos sonhávamos ter uma pequena unidade de turismo rural. Fizemos uma assembleia geral familiar, decidimos que aquilo era o nosso objetivo e partimos para aí.

A experiência fabulosa de receber os clientes, mas também a de pagar as contas, dá-nos aqui uma visão realista da questão. Nos primeiros anos, a minha família esteve toda envolvida. Depois, por questões várias, um ou outro membro da família tomou outras opções. A minha mulher, que tinha metido licença sem vencimento, voltou à escola.  A minha filha estava a trabalhar comigo e voltou para Lisboa. As outras duas estavam na universidade. E eu, durante um período, fiquei sozinho a gerir a unidade e correu tudo bem.

Depois, a minha filha mais velha decidiu voltar ao Algarve e trabalhar comigo. E eu passei-lhe o testemunho, de forma gradual. Primeiro, passou por uma área, depois por outra. Passou pela parte comercial, tratava de grupos e eventos. Cheguei a um ponto em que ela estava quase apta a ficar com o barco às costas e começámos a pensar em novos projetos, também em família.

Temos em desenvolvimento mais um ou dois projetos na área do alojamento local, reabilitando casas antigas da nossa família, que achamos que pode ser a continuação do turismo rural, na arte do bem servir, num clima de proximidade do cliente, dentro de uma unidade muito pequenina, porque o cliente hoje gosta de privacidade.

Quando surgiu o telefonema em que me é dito que o meu nome tinha reunido o consenso de várias partes, de vários associados, para ser candidato à presidência da AHETA, eu precisei de poucas horas para decidir.

Fui falar com a minha família, para lhes perguntar o que achavam, se era possível o hotel não sofrer nada com isto. Evidentemente que a AHETA necessita de uma pessoa a tempo inteiro, mas o hotel sofre ou não sofre com isto? Não sofre. Eu continuo a dar o meu apoio, seja telefonicamente, seja presencialmente.

E, portanto, a minha experiência acumulada de mais de 40 anos de trabalho no turismo, conjugada com a motivação que ainda tenho, que estava talvez adormecida, foi fundamental.

Hoje, quando falo com um empresário, sei exatamente do que estou a falar.

 

 

SI – A AHETA é composta por pequenos e médios empresários, mas também tem entre os associados os grandes grupos hoteleiros. É possível defender ao mesmo tempo o interesse de ambos ou haverá aqui alturas em que terá de se escolher um lado?

H.M. Eu não encontrei ainda essa altura. Penso que a AHETA não pode ter uma equipa só com pequeninas unidades, tem que ter tudo. A oferta tem que estar aqui completa. Claro que, em termos percentuais, esses grandes grupos são uma minoria, mas quando é necessário utilizar o seu peso político, estão lá e marcam presença.

De resto, em tudo aquilo que temos discutido entre os membros da direção, todos, pequenos e grandes, temos pontos de vista que são muito semelhantes.

Temos realizado reuniões quase diárias, via canais digitais, porque quero toda a gente a opinar, não quero ser um presidente de uma associação de um homem só.

Nesses encontros, não encontrámos um ponto de vista em que alguém dissesse: “eu tenho um grande hotel” ou “tenho 10 hotéis e a minha posição é diferente da tua que tens apenas um”. Não houve ninguém que dissesse “bom, tu tens que estar calado, porque o teu hotel tem só 28 quartos”.

Todos eles discutem a questão, é evidente que cada qual com o seu ponto de vista, mas que é o ponto de vista de muitos outros. Os problemas são comuns. O problema do emprego, o problema dos impostos, os problemas da captação de turistas são iguais para todos.

 

SI – Hoje é empresário, mas, como já mencionou, já esteve do outro lado da barricada. Isso pode ser uma mais valia?

H.M. – Pode e muito. Dou-lhe um exemplo que não tem nada a ver com isto. Eu tive uma grande paixão pelo desporto automóvel. A dada altura, achei que era capaz de me sentar dentro de um carro, não a conduzir, porque eu não tenho dotes para isso, mas para fazer parte de uma equipa.

Eu sou organizador de eventos e quando falo com um concorrente, ele fala na ótica dele. Mas se, simultaneamente, também estiver do outro lado, eu vejo os dois lados da questão.

Já estive do lado do público. Estive na Câmara, na Junta de Freguesia e na RTA, que até hoje foi a maior experiência que tive, porque é algo transversal.

Portanto, tendo estado de um lado e do outro, hoje quando falo com o presidente da RTA, faço-o com conhecimento de causa das dificuldades que ele tem do lado dele, embora elas sejam maiores do que no meu tempo, e falo também com a consciência do que está no lado de cá. Portanto, o know how que tenho dos dois lados da questão só pode ajudar.

 

 

SI – A comunicação da AHETA para o exterior foi motivo de polémica no anterior mandato, que culminou com a demissão do anterior presidente e seu adversário nas eleições. Vai ter um cuidado extra com a comunicação para o exterior? Isso é um ponto importante, na sua visão?

H.M. – Sim, a comunicação hoje é tudo. A forma como se comunica é tudo. Eu gosto de comunicar essencialmente pela positiva, mas se algo for negativo, nós não vamos conseguir converter esse negativo em positivo.

Agora, a forma como se aborda a questão, a forma como se lida com os temas, é muito importante.

A comunicação não é só a comunicação social, é a relação com os parceiros.

Hoje eu sinto, da parte dos parceiros com quem a AHETA lida, alguns dos quais já quase não comunicavam com a associação, que eles aspiram a que esta entidade volte a ser aquilo que foi, que volte a estar ao lado deles, para lutarmos todos.

O Algarve é um destino pequeno, no contexto nacional, e nós temos que estar todos em sintonia. Quando há um problema no Aeroporto de Faro, toca-nos a todos, pelo que temos todos que ajudar. Senti da parte de todos os players com quem já consegui falar uma alegria e uma vontade de que a AHETA volte a participar e volte a estar sentada ao seu lado, porque os problemas do emprego são os nossos problemas, os problemas da segurança social são os nossos problemas, os problemas da saúde são os nossos problemas.

O que eu quero é estar ao lado deles, comunicando, não fazendo uma comunicação só pela negativa, como em tempos a AHETA fez, mas também sem fazer uma comunicação a emoldurar as questões, como se isto fosse tudo um mar de rosas. Temos de dizer as verdades. Mas se for algo positivo, estamos aqui para dizer que está bem.

Isto toca noutra questão, que tem a ver com a limitação do número de mandatos. Eu acho que se hoje há limitações em tudo quanto é sítio, tem que haver também na AHETA.

Estamos a trabalhar para construir uma alteração de estatutos que preveja isso, não só a limitação das empresas, porque são as empresas que são dirigentes da AHETA, como também das pessoas, porque se não, eu hoje sou candidato pela empresa A, amanhã sou pela B.

Tem que haver, porque cada vez que chega uma equipa nova, traz novas ideias, nova postura.

 

SI – Também assumiu o objetivo de aumentar o número de sócios. Já sentiu que há interesse de mais unidades hoteleiras em juntar-se à AHETA?

H.M. – Antes das eleições, houve várias pessoas que eu contactei, pensando que eram associados, e que me diziam “eu não sou, mas se as coisas mudarem, sou no dia a seguir”.

Nós já aumentámos em 10% o número de sócios desde as eleições. Nós fizemos uma primeira reunião, onde levámos logo alguns novos associados e temos outros para levar à próxima. E o nosso objetivo, de facto, é aumentar, porque a associação é tão mais representativa, quanto mais associados tiver.

O que estamos aqui a tentar, e vamos fazê-lo em breve, é construir um caderno que demonstre ao associado que tem todo o interesse em associar-se, nem que seja um alojamento local. E hoje já há muitos alojamentos locais.

 

SI –  Um género de uma operação de charme?

H.M. – Exatamente, mas demonstrando qual é a vantagem que eles têm.

Repare, uma das coisas que a AHETA faz muito aos associados é a prestação de apoio jurídico. É evidente que um grande grupo não precisa, porque tem os seus canais e tem os seus advogados a trabalhar. Mas uma pequena unidade, se pedir ao longo de um ano três ou quatro pareceres à AHETA e ao recebê-los gratuitamente, a sua quota está mais do que paga. E não é apenas uma questão de quota, é uma questão de serviço e de rapidez.

Além desse serviço, há outros que nós prestamos. Estamos a reativar um projeto que a AHETA já teve que se chama parceiros estratégicos, que passa por ter empresas que são parceiras da associação e que proporcionam condições especiais aos seus associados.

Estamos agora a contratar, a selecionar um gabinete de advogados. Porque eu sou uma pequena unidade, eu vejo por mim. Tenho um problema, mando um email e a AHETA responde. É isso que eu pretendo e é isso que os nossos serviços estão a fazer. Queremos dar um maior enfoque e estar sempre ao lado dos associados para ajudar a resolver os seus problemas.

Por outro lado, nós temos um edifício que é emblemático. Temos um conjunto de gabinetes que está previsto que sejam cedidos às empresas, para aqui se instalarem. Hoje, com as startups e com o coworking, podemos ser uma solução. Temos alguns espaços livres e estamos agora a preparar-nos para encontrar parceiros, porque este tem que ser uma espécie de centro de empresas. Isto não tem grande vida, é um sítio que à noite é completamente escuro. Vamos dar aqui alguma beleza e vamos preparar uns gabinetes que estão vazios hoje, para trazer mais empresas.

Nós temos aqui a Associação de Promoção Turística de Albufeira, a Associação de Comerciantes de Albufeira, o Consulado de Itália, uma empresa na área da Revisão Oficial de Contas. Uma agência de viagens que hoje funciona totalmente online pediu-nos para disponibilizarmos um espaço e temos mais três ou quatro espaços disponíveis.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

 

 



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