Fábrica da Cerveja deita muros abaixo para “invadir” a Vila-Adentro de Faro

Câmara de Faro prepara investimento de 13 milhões de euros

Foto: Hugo Rodrigues

Os muros virão abaixo, os edifícios serão reabilitados e o espaço público envolvente intervencionado, de modo a criar um quarteirão cultural na Vila-Adentro de Faro, do qual a Fábrica da Cerveja será o elemento central e de referência.

Esta é uma forma (muito) reduzida de descrever o Programa Estratégico e Funcional para a Fábrica da Cerveja, que foi apresentado esta sexta-feira, dia 18, em Faro e que vem traçar o futuro deste emblemático edifício, um dos ex-libris da capital algarvia. E, desta vez, o processo é mesmo para avançar, garante o executivo municipal farense.

A Câmara, que já há muito tempo e há sucessivos executivos anda à procura do uso a dar a este imóvel, decidiu ir em busca de um olhar externo sobre a fábrica, para encontrar a melhor forma de a enquadrar na candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura em 2027.

O município contactou Gonçalo Louro, arquiteto de Faro que tem o seu próprio gabinete de arquitetura, sediado no Porto, Carlos Martins, que foi diretor executivo da Guimarães Capital Europeia da Cultura 2011, e Pablo Berástegui, antigo coordenador do Matadero, em Madrid, e desafiou-os a pensar no futuro da Fábrica da Cerveja e a apresentar um projeto.

Daqui nasceu o consórcio que criou o conceito que idealiza uma nova vida não só, para a Fábrica da Cerveja, mas também para toda a envolvente.

 

Pablo Berástegui, Gonçalo Louro e Carlos Martins

 

«O que nós idealizámos é que este seja um edifício participativo, um edifício que possa não só acolher, como possa ele próprio difundir e produzir cultura, com um nível de flexibilidade que consideramos que é importante, para isto não ser uma estrutura muito fechada», explicou Gonçalo Louro.

Isto consegue-se com um edifício multifacetado, onde há desde auditórios e salas de exposição a estúdios de gravação e um restaurante, onde existem nichos para as indústrias criativas e para as associações culturais e que pretende ser apelativo para residentes e visitantes.

Tendo em conta que a Fábrica da Cerveja «tem este caráter público, tanto para quem quer produzir cultura, como para quem quer absorver cultura», bem como a sua relação com a envolvente e o facto do edifício ser «uma referência» no centro histórico da cidade, «fazia todo o sentido que isto também contaminasse o espaço público».

Essa contaminação, como tantas outras, começa com o derrubar de um muro, aquele que envolve o espaço exterior na zona poente da fábrica, que dá para o largo do Castelo, mas também para o beco entre a fábrica e as oficinas da Câmara Municipal.

No fundo, trata-se de criar uma nova praça, que dará acesso direto às arcadas da Fábrica da Cerveja.

 

 

A partir daqui, o consórcio de projetistas pensou «noutras dinâmicas», nomeadamente na situação «de um museu que também está com grandes fragilidades e também precisa de aumentar o seu espaço, porque a coleção cada vez é melhor».

Neste caso, a ideia é ampliar o Museu Municipal, «sempre dentro da antiga cerca do convento», através da criação de um novo edifício de 3400 metros quadrados e dois pisos. Após esta intervenção, a entrada neste espaço cultural «deixa de se fazer pelo largo Afonso III e passa a ser pelo largo do Castelo», ou seja, pela nova praça que será criada.

De caminho, será erguido um novo edifício de ligação entre o museu e a fábrica no local onde existem hoje hortas urbanas e criado um novo espaço de fruição pública numa zona que atualmente é propriedade privada, mas que a Câmara está a trabalhar para adquirir.

O espaço em causa contempla um jardim e um longo troço da muralha da Vila-Adentro, que já foi utilizado para instalar um palco do Festival F e que também foi o País das Maravilhas, nas primeiras Semanas Académicas da Universidade do Algarve.

O plano prevê, ainda, a construção de um edifício de apoio à fábrica da cerveja, nesta última propriedade, e a aquisição e reabilitação dos edifícios a sul da fábrica, no lado oposto da rua do Castelo.

Com tudo isto, vai-se «definir esta zona da Vila-Adentro de Faro como um quarteirão cultural».

Rogério Bacalhau

 

«Em termos de compromisso, este edifico é público, a nossa ideia é mantê-lo na esfera pública, com uma função cultural. Mas queremos que a gestão da Fábrica da Cerveja não caiba exclusivamente ao município», disse, por seu lado, Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro.

A ideia é que este seja um espaço «partilhado, abrangente e que possa manter a sua autonomia».

«Este é um dos investimentos e dos equipamentos estruturantes que temos pensado para o concelho e que vem na esteira daquilo que foi feito e que está definido no plano estratégia e cultural. Há um conjunto de equipamentos e de intervenções que queremos desenvolver e que estamos a trabalhar nesse sentido», disse o edil farense.

Este será, com toda a certeza, o mais ambicioso e, como tal, o que obrigará a um maior esforço financeiro.

A primeira fase, que passa pela demolição do muro e pela reabilitação do bloco da Fábrica da Cerveja que passa a confinar com a nova praça, «rondará os dois milhões de euros e qualquer coisa».

«A segunda fase, com alguns edifícios e a criação do jardim, custará perto de 3 milhões de euros. A terceira fase, que é a reabilitação do corpo principal, custará 3,5 milhões. E, se juntarmos aqui a reabilitação do museu, serão, certamente, mais 5 milhões», revelou o presidente da Câmara de Faro.

«Ou seja, hoje, com as estimativas que temos, estamos a pensar num investimento global de mais de 13 milhões de euros. É evidente que não será todo feito de uma vez, mas sim ao longo dos anos», acrescentou.

 

 

Apesar de haver a expetativa de ver a candidatura a Capital Europeia da Cultura aprovada, o que significaria que Faro teria acesso a um pacote financeiro extraordinário, nada disto é pensado em função dessas eventuais verbas.

«Este projeto é feito olhando exclusivamente para os fundos municipais. (…) Tudo o que nós apresentámos hoje está sustentado no Orçamento Municipal», assegurou Paulo Santos, vice-presidente e vereador da Cultura da Câmara de Faro.

O plano é fazer o investimento de forma «faseada e planeada», até para que seja «exequível».

«Vamos lançar ainda este ano o projeto de arquitetura para a primeira fase e preparar logo o da segunda fase. Estas duas etapas, se fosse possível, fazíamos logo de uma assentada. Mas não o podemos fazer, porque a primeira fase é só em terrenos municipais e a segunda não, já implica terrenos privados», disse.

Na sessão, a também vereadora Sophie Matias tinha revelado que a ideia é ter a 1ª e 2ª fase prontas até 2026/27. O avanço da 3ª fase, que será a intervenção de maior fôlego, acontecerá mais cedo, caso Faro venha a ser Capital Europeia da Cultura em 2027, mas não será realizada com tanta “pressa”, caso a candidatura farense não seja a escolhida.

Mas fica uma garantia, da parte do executivo municipal: «este processo é irreversível!».

 

Paulo Santos

 

Antes de chegar aqui, houve quase um século de «falsas partidas» no que toca ao aproveitamento deste edifício.

«Começa logo pelo nome, Fábrica da Cerveja, quando nunca se produziu aqui um litro de cerveja», lembrou Paulo Santos.

Já depois de ser transformado para ser uma fábrica, aproveitando partes da muralha e do antigo castelo de Faro, este edifício serviu como paiol e como unidade de apoio ao antigo quartel do Largo de São Francisco.

Mais recentemente, e depois de um período de abandono, foi anunciada a sua transformação no Museu de Arte Contemporânea de Faro, projeto que também nunca arrancou.

Entretanto, o município de Faro entrou num processo de saneamento financeiro e foi obrigado, nesse âmbito, a colocar a Fábrica da Cerveja à venda em hasta pública. Ninguém se mostrou interessado em comprá-la. E «ainda bem», diz agora Paulo Santos.

É que foi esse desinteresse dos privados em adquirir o imóvel, para lhe dar outro fim, que permitiu à Câmara, a partir do momento em que viu a sua situação financeira estabilizada, olhar para a Fábrica da Cerveja com outros olhos.

E, como nunca é tarde para corrigir uma falsa partida, o nome deste espaço cultural vai passar a poder ser dito sem receio de estarmos a ser imprecisos.

«O projeto prevê que seja criado um espaço onde se produza uma cerveja artesanal, que os visitantes possam provar. Espero que no dia em que a renovada fábrica for inaugurada possamos brindar com esta cerveja», desejou Carlos Martins, um dos projetistas.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

 



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