Évora, Capital Europeia da Cultura 2027

A candidatura de Évora, Capital Europeia da Cultura 2027 é um momento único e irrepetível

Fui professor na Universidade de Évora durante 23 anos, tenho muito carinho pela cidade, por isso, faço votos para que seja uma das eleitas na primeira fase do concurso CEC 2027 que terminará no final de março ou princípio de abril próximo. Seguem-se algumas reflexões a propósito.

Eu diria que a candidatura de Évora a capital europeia da cultura 2027 se justifica por quatro razões ponderosas:

– Uma razão de ordem histórico-cultural: depois de Évora património da humanidade 1986, faz todo o sentido uma candidatura de Évora capital europeia da cultura 2027;

– Um sentido de urgência no meio de uma crise singular: depois de uma grave crise de saúde pública associada a uma profunda depressão socioeconómica, a candidatura é um sinal de vitalidade e de esperança no futuro;

– A mutação da cidade-concelho numa cidade-região: este é um momento único para a grande transformação de Évora-concelho em Évora-cidade-região e, também, com a mutação da Universidade em univercidade e pluriversidade, um novo lugar central onde desempenhará o papel de ator-rede principal;

– Uma conjuntura única de recuperação e desenvolvimento: a inscrição de Évora cidade-região no programa Portugal 2030 e no Programa de Resiliência e Recuperação 2026 é uma oportunidade única para levar a bom termo as grandes transições desta década.

 

Évora, o grande compromisso entre a natureza e a cultura

Depois de quatro razões ponderosas, um grande compromisso entre natureza e cultura. Na década em curso, assistiremos a severas ocorrências climáticas e algumas disrupções graves e, por essa razão, o grande compromisso entre a natureza e a cultura será o sinal distintivo e a marca impressiva da região alentejana.

O património e a paisagem, a ecologia e a economia, a ciência e a tecnologia, a arte e a cultura, estes são os ingredientes deste compromisso para uma década que será estruturado em quatro transições e quatro estratégias capitais, como se refere na tabela seguinte.

– Transição socio-ecológica: o plano verde e a cidade orgânica, as infraestruturas ecológicas e a rede de corredores verdes, a reabilitação dos ecossistemas e serviços de ecossistema, a arquitetura biofísica e as artes da paisagem, elementos da memória do território e do seu património natural e cultural;

– Transição sociocultural: a valorização das artes e humanidades na academia, uma escola empresarial das artes e tecnologias, mais plataformas materiais e virtuais de atividades culturais e criativas como elementos de uma economia e sociedade mais colaborativas, uma rede de residências científicas, culturais e artísticas em apoio dessas plataformas;

– Transição sociodemográfica: programa de inovação social para a sociedade sénior (envelhecimento ativo e clubes colaborativos) e de integração socio-laboral para os mais jovens, em especial, as infraestruturas e os equipamentos da sociedade digital que promovem o trabalho colaborativo, a incubação empresarial, a mobilidade dos nómadas digitais, mas, também, os neorurais da chamada 2ª ruralidade;

– Transição socioeconómica: o lançamento de um sistema agroalimentar de proximidade sob a forma de parque agroecológico municipal ou intermunicipal, depois a economia do montado alentejano e a economia da dieta mediterrânica como exemplos de compromisso entre o património natural e a economia regional, em seguida, exemplos de transição socioeconómica no domínio da sociedade digital, seja na economia circular, na agricultura de precisão, na silvicultura preventiva ou na grande área das indústrias criativas e culturais onde se enquadram, também, as artes da paisagem.

No quadro do sistema de política regional 2030, quero crer que Évora, cidade-região, é a abordagem mais indicada, não apenas em benefício de uma governação policêntrica e multiníveis, mas, também, de justificação de uma estrutura de missão que poderá e deverá resultar da colaboração estreita entre a CIM do Alentejo Central, a Universidade de Évora, a CCDR Alentejo e o NERA, núcleo empresarial regional.

 

Évora, os programas e os projetos que sustentam a candidatura

Se não forem feitos alguns investimentos de consolidação dos quatro capitais na cidade, no concelho e na região do Alentejo Central, os investimentos aparecerão como oportunísticos, sem consequências duradouras sobre o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos e feitos, afinal, a pensar mais nos visitantes ocasionais e menos nos residentes habituais.

Do mesmo modo, não há indústrias culturais e criativas (ICC) sem turismo de qualidade e não há turismo de qualidade sem ICC de qualidade e cadeias de valor regional (CVR) que as incorporem e revelem ao mundo.

Comecemos com os investimentos transversais que suportam a candidatura:

1 – Plano Verde de Évora: rede de infraestruturas ecológicas e corredores verdes, reabilitação de ecossistemas e serviços de ecossistema;

2 – Capital humano e social: programas envelhecimento ativo e inove jovem;

3 – Évora Smart City, programa de apoio à transição digital e infraestruturas e equipamentos culturais e criativos;

4 – ICC e PME, programa de incentivos empresariais à formação de um cluster ICC e à produção de conteúdos criativos e realização de eventos.

No que diz respeito aos projetos de investimento prioritários que sustentam a candidatura, a lista que se segue é da minha inteira responsabilidade e quase todos eles fazem justiça ao compromisso entre natureza e cultura. Mas outras opções estarão seguramente disponíveis.

Vejamos, então, esse elenco de projetos:

>>A Universidade de Évora e os seus colégios urbanos (Espírito Santo, Cordovil, Vimioso, Verney e Leões): consolidação dos espaços, novos equipamentos e sua reticulação (um programa de visitas guiadas),

>>O polo da Mitra/Valverde da UE: as ligações fundamentais entre agricultura, ambiente e património natural; a recuperação do montado como investimento fundamental e emblemático do património natural (o reforço do ICAM),

>>O Parque Cultural de Tourega/Valverde: o Convento do Bom Jesus e a Quinta do Paço de Valverde, a criação de um centro de artes da paisagem, em busca dos jardins do paraíso (uma homenagem ao arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles),

>>O Parque Agroecológico Municipal: a criação do SAL (sistema agroalimentar do concelho), também quinta pedagógica e terapêutica para os mais jovens e os mais velhos e campo de férias e trabalho voluntário,

>>A Escola de Artes e Tecnologias (ensino secundário): um grande programa de literacia digital, a formação de talentos criativos e jovens empreendedores para as indústrias culturais e criativas,

>>O complexo de residências para atividades científicas, artísticas e culturais: estudantes de mestrado e doutoramento, jovens investigadores e a classe criativa que vem atuar no concelho e na região,

>>A Fundação Eugénio de Almeida: as ligações agricultura, ambiente e o património natural e cultural, um ator central para ilustrar as novas relações cidade-campo,

>>O Teatro Garcia de Resende, um centro de artes cénicas e perfomativas em estreita articulação com a escola de artes da Universidade,

>>O convento da Cartuxa, uma incubadora ICC e um tiers lieu para espaço de coworking para atividades das indústrias culturais e criativas,

>>A marca Évora, património da humanidade e as marcas UNESCO do Alentejo, formam um novo imaginário da cidade-região: a dieta mediterrânica, o cante alentejano, os barros de Estremoz, a arte chocalheira, justificam o lançamento de um programa de incentivos para a produção de conteúdos relativos a estes patrimónios imateriais da humanidade.

Para lá destes investimentos mais emblemáticos, outros se justificam, por exemplo:

>>plano verde e qualidade de vida dos cidadãos: mobilidade, jardins e espaços públicos, reabilitação do casario do centro histórico e das condições de vida da população mais idosa, ou seja, que relação entre a sociedade sénior e um novo urbanismo para a cidade?

>>programa de apoio à arte urbana, artesanato e pequenos espaços/mercados de proximidade, reabilitação de edifícios, monumentos e equipamentos, tendo em vista o seu uso pelas ICC, ou seja, que urbanismo e arquitetura urbana ao serviço da arte e cultura?

>>reforço do apoio às áreas culturais que são privilegiadas pela rede Unesco de cidades criativas, formação de uma plataforma colaborativa entre todos os agentes culturais do concelho/região, criação de uma agência cultural e de uma plataforma de marketing cultural de Évora, ou seja, que programa específico para as marcas UNESCO de património cultural da cidade-região?

>>Os terceiro-lugares para atrair trabalhadores independentes, a sede de start up, residências artísticas e científicas, estudantes de mestrado/doutoramento, investigadores, trabalhadores intermitentes do espetáculo, ou seja, que política de captação de talentos para a cidade-região de Évora?

Para ser bem-sucedido o compromisso fundamental entre a natureza e a cultura deve ser estendido às cadeias de valor com origem na região, sob pena de a geoeconomia regional não ser sustentável.

Trata-se de estabelecer uma relação de interdependência necessária entre as cadeias de valor com origem na região (CVR), os sinais distintivos da cidade-região e a produção de conteúdos culturais e criativos que possam funcionar como veículos/mensageiros de uma distinção territorial da cidade-região.

Trata-se de explorar a conexão entre as CVR, os eventos e as produções de conteúdos que prolonguem os tempos de permanência na região: festivais, concursos, prémios, bienais, visitas guiadas, oficinas CC, residências permanentes, por exemplo, prémio e festival de artes plásticas (José Cutileiro), prémio e festival de artes da paisagem (Gonçalo Ribeiro Telles), prémios e festivais literários, prémios Unesco do Alentejo.

 

Notas Finais

No século XXI, depois da infraestruturação material dos seus concelhos, cabe agora aos municípios acomodar as expectativas e as aspirações dos seus munícipes, desde os bens materiais do quotidiano até aos bens imateriais de relação.

A cooperação entre vilas e cidades é um recurso perfeitamente acessível e um instrumento valioso para introduzir uma nova arquitetura de relações a pensar nos bens comuns e nas vias de acesso para uma sociedade de bem-estar onde os grupos mais desfavorecidos sejam os únicos privilegiados.

Além disso, a paisagem e o património, a ecologia e a economia, a ciência e a tecnologia, a arte e a cultura, abrem a porta a inúmeros fatores imateriais e intangíveis que contribuem fortemente para recriar as cadeias de valor hoje existentes.

É uma grande oportunidade para as regiões mais pobres em recursos materiais. Para esse propósito, a cidade-região e o seu território-rede são os novos instrumentos de programação e planeamento operacional e uma forma mais inovadora de olhar para a geoeconomia do território.

A candidatura de Évora, CEC 2027 é um momento único e irrepetível para levar a bom termo este grande compromisso. E, mesmo que a candidatura não seja bem-sucedida, ninguém nos perdoaria a subestimação deste propósito.

 

 

 



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