O regresso da Economia Política

O estreitamento da ciência económica limitou a capacidade para entender as economias. No ensino e na investigação escasseiam abordagens capazes de entender contextos e complexidades. É preciso uma nova visão

A ciência económica impregnou o debate público e a formulação da agenda política com noções como a eficiência dos mercados, o equilíbrio entre oferta e procura ou a racionalidade dos agentes económicos. Estes são alicerces fundamentais da teoria dominante da Economia atual, a chamada escola neoclássica. Mas que dificilmente podem ser aceites na visão simplista que é feita por esta abordagem.

A debilidade da teoria dominante da ciência económica tem sido posta em evidência com as crises cada vez mais recorrentes que afetam a credibilidade dos seus alicerces. Em 1983 John Hicks, um dos mais eminentes microeconomistas, já anunciava que a economia neoclássica estava morta.

Durante a crise de 2008, a rainha de Inglaterra perguntava a uma plateia de economistas na London School of Economics, um dos bastiões da ciência económica, como é que ninguém tinha previsto esta crise.

Com a pandemia ficou, mais uma vez, claro que as respostas à crise carecem de um conhecimento complexo, muito além das causalidades simples e lineares que a ciência económica ortodoxa está habituada a trabalhar. Ainda assim, a revolução paradigmática da Economia permanece por fazer.

Hoje existe uma convicção profunda que o ensino da Economia nas universidades está desajustado das necessidades para a compreensão da realidade económica e social. Os currículos são dominados por disciplinas transversais, ancorados em princípios irrealistas da escola neoclássica e numa abordagem metodológica dominada por uma única ferramenta, a econometria, centrada em modelos causais.

A explicação para esta situação vem sendo discutida há vários anos. É um mal global, mas em Portugal o processo de Bolonha terá agudizado este processo. Com a concentração dos cursos, a maioria das disciplinas diferenciadoras simplesmente desapareceu. Não é de estranhar que, por esse mundo fora, se tenham generalizado organizações de estudantes de Economia a pedirem um outro ensino da Economia [1].

Também na investigação em Economia, se tem assistido a um estreitamento das dimensões subjacentes ao campo da Economia. Ainda que a situação na investigação seja distinta e mais plural, a avaliação neste campo tem seguido balizas semelhantes ao Ensino, continuando ainda assim a sobrevalorizar a utilização de uma teoria dominante e de uma metodologia única.

O público em geral ficaria espantado se soubesse que muita da investigação financiada em Economia deixa sistematicamente de fora aspetos essenciais ao funcionamento das economias por não seguirem essa matriz dominante. Aspetos como as relações entre os atores, as especificidades territoriais, as características socioculturais ou até as diferentes interpretações que os atores atribuem à multiplicidade de realidade(s) económica(s). É por isso que muitas áreas da economia são hoje alvo da atenção não só de economistas, mas também de outros cientistas sociais.

Neste contexto, surgem pelo mundo movimentos de economistas e outros cientistas sociais que apelam ao ressurgimento da Economia Política.

A Economia Política remete para a disciplina plural que se centra na economia substantiva enquanto objeto de estudo. Era a disciplina que os pensadores clássicos da ciência económica como Adam Smith, David Ricardo ou Karl Marx responderiam que estudavam se lhes pudéssemos perguntar.

No entanto, o final do século XIX e o início do século XX trouxeram uma grande bifurcação no estudo das economias. Um conjunto de investigadores inspirados pela física e a mecânica, com as suas ferramentas quantitativas e formalismo matemático, invadiu o campo sobre o estudo das economias, reconfigurando a noção de valor e centrando nos mercados o funcionamento dos mecanismos para uma provisão eficiente. Esta corrente designada de marginalista, na busca de uma ciência económica pura, veio estabelecer as bases da escola neoclássica, que se tornou dominante.

A Economia passou a ser entendida como a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que têm usos alternativos [2]. Com isto deixa para outros cientistas sociais ou economistas menos alinhados o estudo da economia substantiva. A economia impura.

Em Portugal, este movimento concorreu para a criação da Associação Portuguesa de Economia Política em 2017. Reúne um leque alargado de cientistas sociais que estuda a economia na sua complexidade, os processos e resultados económicos nos seus contextos institucionais, históricos e geográficos, configurados por fatores de ordem social, política, jurídica, cultural, tecnológica e ecológica.

O Encontro Anual de Economia Política é o seu principal momento de reunião. Este ano subordinado na sua quinta edição à compreensão das “Vulnerabilidades e transformações sociais e económicas” [3].

Os impactos da pandemia estão longe de compreendidos. A resposta à crise pandémica e a futuras crises exigirá uma mudança profunda das sociedades e das economias. Essa transformação deverá ser pensada em múltiplas dimensões, porque implicará não só a reflexão em torno da superação das fragilidades anteriores como, também, a transição para um paradigma de desenvolvimento diferente.

O Encontro realiza-se nos dias 27, 28 e 29 de janeiro na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. A escolha não é inocente nem casual. A pandemia tornou o Algarve num exemplo claro da necessidade de transformação da economia.

 

Autores: A Comissão Organizadora do 5º Encontro Anual de Economia Política

 

NOTA: O conteúdo deste artigo não reflete necessariamente a posição das unidades de investigação nem das entidades de ensino superior dos autores, nem tão pouco da DR da Ordem dos Economistas. A opinião expressa é da inteira responsabilidade dos autores.

 

[1] Conferir por exemplo o Core (https://www.core-econ.org/), com a edição do Manual Economia ou o Rethinking Economics (https://www.rethinkeconomics.org/)
[2] A definição de Lionel Robbins, que ainda hoje domina a maior parte dos manuais de Economia.
[3] Cf. https://www.economiapolitica.pt/5ecpol

 

 



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