Intenções doces para a Lagoa dos Salgados

Só para a estreita e sensível faixa litoral do território algarvio com a largura de 500 metros, há planos para mais 20.000 novas camas turísticas, a construir em zonas de elevado valor ecológico e cénico

Flamingos na Lagoa dos Salgados – Foto: CM Silves

A intenção do Governo de criar a Reserva Natural da Lagoa dos Salgados e de atribuir àquela singular parcela de território entre a lagoa e o sapal de Pera-Alcantarilha, Silves, um estatuto legal consentâneo com a sua excecionalidade ambiental é uma ideia que não pode deixar de merecer um forte aplauso.

A concretizar-se, a classificação implicará a elaboração de um instrumento de gestão territorial com objetivos opostos à disciplina urbanística predominante para o local, estabelecida desde 2008 pelo Plano de Pormenor da Praia Grande, justificando-se a imediata suspensão do mesmo até à aprovação de um novo programa especial.

Contudo, a suspensão do PP da Praia Grande, apesar de assumida na proposta de classificação, não é uma obrigação do ato de classificação. Porém, a incompatibilidade entre o que se encontra estabelecido no plano e os objetivos que subjazem à criação da reserva natural é tão evidente que não haverá mais como escapar à efetiva determinação da suspensão desse plano de pormenor. Mesmo assim, como até ao lavar dos cestos é vindima…

Não é que a suspensão já não pudesse e devesse ter ocorrido. Em 2015, na sequência da alteração da declaração de impacte ambiental (DIA) promovida pela CCDR do Algarve, já havia sido superiormente suscitada pela Comissão de Coordenação a suspensão do PP da Praia Grande. A salvaguarda dos solos em causa da ameaça potencial de destruição do maior habitat de Linaria algarviana conhecido até hoje na região assim o justificou. Certo é que, quase sete anos passados, nenhuma decisão foi tomada a esse respeito. E, pese embora ainda não seja o tempo para cantar vitória, o momento para tal parece agora mais próximo.

Apesar de todas as legítimas e persistentes dúvidas de alguns sobre este processo, desde logo sobre a pretensa ilegalidade do plano de pormenor, a seu tempo inspecionada e arquivada pela autoridade inspetiva por ausência de fundamento, só uma decisão desfavorável da CCDR sobre o pedido de reconhecimento ambiental do projeto de execução (RECAPE) tomada contra ventos e marés – e já este ano validada judicialmente em primeira instância – obviou a piores consequências, ou seja, à consolidação de direitos de construção previstos no plano de pormenor mas (ainda) não validamente adquiridos para este eco-resort de 4.000 camas.

Pode ser que a classificação da Lagoa dos Salgados como reserva natural e a inevitável suspensão do plano de pormenor, por reconhecido interesse nacional, seja o sinal de mudança que tardava quanto à forma como Lisboa, de ora em diante, quererá passar a exercer as suas responsabilidades para com a defesa e valorização do território português em geral e do litoral algarvio em particular.

Não um impulso para a criação de novas e sucessivas reservas com significativo potencial de somar abandono ao abandono, mas, tão só e para já, para a suspensão, por inequívoco e urgente interesse nacional, de um conjunto doutros antigos planos vigentes que, a saírem do papel, comprometerão definitivamente o futuro dos territórios onde vigoram.

Nunca é demais lembrar: só para a estreita e sensível faixa litoral do território algarvio com a largura de 500 metros há planos para mais 20.000 novas camas turísticas e 7.000 novos fogos habitacionais a construir fora dos aglomerados urbanos, em zonas de elevado valor ecológico e cénico e de comprovada presença de flora endémica rara.

Planos entre os quais alguns que, após quase doze anos (!) de elaboração do novo programa da orla costeira para o Algarve, o Estado continua a tolerar, apesar dos avisos de que, não tarda, esses meros direitos potenciais se transformarão em reais.

Vídeo de promoção do Praia Grande Eco Resort:

 

 

Autor: Nuno Marques é Urbanista,  tendo sido vice-presidente da CCDR/Algarve de 2012 a 2020

 

 



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