Ana Poeta (PAN): «A habitação atingiu proporções dramáticas» no Algarve

«Estamos a utilizar os recursos ao extremo, permitindo má gestão da água, a má gestão da agricultura e dos solos e consequentemente, a penhorar o futuro dos nossos filhos e o nosso»

Ana Poeta, 42 anos, reside em Loulé onde é deputada municipal. É técnica de educação de adultos em projetos de desenvolvimento local, nomeadamente sobre a dieta mediterrânica e a alimentação sustentável, sendo ainda formada em Animação Socioeducativa e Mestre em Educação de Adultos e Desenvolvimento Local.

É também a cabeça-de-lista do do PAN Pessoas, Animais, Natureza às Eleições Legislativas de 30 de Janeiro, pelo círculo do Algarve.

Com esta entrevista, prossegue a série de entrevistas que o Sul Informação está a publicar, com todos os cabeças-de-lista de todas as forças políticas que se candidatam pelo círculo eleitoral do distrito de Faro.

A todos, e numa lógica de igualdade de oportunidades, foi enviado, atempadamente, um mesmo questionário com 12 perguntas.

As respostas são, naturalmente, diversas, como ficará claro ao longo dos próximos dias, com a publicação de todas as entrevistas.

 

Sul Informação – Quais são as prioridades da sua força política para a próxima legislatura para o Algarve?

Ana Poeta – A prioridade é recuperar de quatro crises intensas: sanitária, social, económica e ambiental.
Defender o sistema de saúde, pressionar para a construção do Hospital Central do Algarve, e para a recuperação e ampliação dos centros de saúde e contratação de médicos de família.
Já antes da pandemia que o hospital de Faro enfrentava dificuldades. Com o combate à pandemia, os poucos recursos existentes foram alocados a outras funções, deixando as consultas de especialidade, tratamentos e cirurgias ainda mais fragilizadas.
Os profissionais de saúde passaram a ter muito mais responsabilidade, com menos tempo de repouso e em número ainda mais reduzido, fruto do isolamento ou do trabalho em espelho.
Relativamente à mobilidade, é consensual que a EN125 não é opção; atualmente, encontra-se degradada em muitos pontos, obsoleta e incapaz de permitir fluidez do fluxo automóvel sem apresentar constrangimentos.
A rede de transportes públicos urge de maior amplitude que permita que a procura de casa avance mais para o interior, o que, por sua vez, é uma das soluções para a desertificação do interior.
A ferrovia, a eliminação do pagamento de portagens na Via do Infante e requalificação da EN125 também são ferramentas de coesão social e de equidade social.
A habitação atingiu proporções dramáticas: as dificuldades em encontrar casa para arrendar ou comprar são imensas.
Os preços são incomportáveis para a maioria de nós, mais de metade do parque habitacional está destinado ao turismo e muitos dos arrendatários são despejados na época alta para que os senhorios “aproveitem” o turismo.
A gestão da habitação e especulação dos preços do mercado imobiliário tem de ser selecionada: precisamos de casas condignas, acessíveis e com contratos a longo prazo
Aliadas a estas vulnerabilidades, ainda temos a questão da emergência climática. Estamos a utilizar os recursos ao extremo, permitindo má gestão da água, a má gestão da agricultura e dos solos e consequentemente, a penhorar o futuro dos nossos filhos e o nosso, pela falha no cumprimento das orientações do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas.
Importa ainda referir que é fulcral colocar na agenda política a proteção animal: praticamente todos nós temos ou conhecemos alguém com animais em casa, com dificuldades em pagar as despesas veterinárias, por exemplo.
Ou conhecemos alguém que cuida de animais errantes, ou sabemos de um local onde estão animais em más condições. Vejamos por exemplo as denúncias efetuadas por turistas relativamente aos equídeos que se encontram próximo das estradas em más condições físicas.

SI – O que levou a que aceitasse ser cabeça de lista pelo partido ou força política que representa?

AP – Diariamente, sou inspirada para tornar o mundo melhor, pelos que comigo se cruzam, pelos que, no anonimato, fazem a diferença.
Não sendo perfeita, nem melhor nem pior que os outros candidatos, sou diferente nas causas, porque não prevejo um futuro sustentável que não seja construído na base do respeito e na equidade dos três pilares fundamentais: as Pessoas, os Animais e a Natureza.
Temos uma candidatura diferente, porque queremos romper, de uma vez por todas, com os modelos atuais baseados numa economia produtivista, extrativista e de consumo desenfreado, económicos e de consumo.
O futuro depende de nós, do que fazemos hoje.
Acredito nos valores e missão PAN, acredito na resiliência dos algarvios, porque as causas que defendo não são meramente ideias teóricas, nem eu sou apenas mais uma candidatura.
Em 2005, escolhi o Algarve para recomeçar e passei por todas as dificuldades descritas atrás: tive empregos precários, com horários de trabalho máximos e ordenados mínimos, tive de fazer 400 quilómetros para poder fazer exames médicos, tive dificuldade em encontrar berçário ou creche para o meu filho, tive dificuldade em encontrar casa para morar.
Já recorri a banco alimentar, já falhei o pagamento da eletricidade, já tive uma empresa que faliu.
Senti na pele o que a maioria dos algarvios sente. Conheço as dificuldades e estou focada em conseguir o melhor para os algarvios e para o Algarve. Merecemos mais! Mais hospitais, mais qualidade de vida, mais saúde.
SI – Quais são as expectativas e objetivos da sua força política em relação a estas Eleições Legislativas?
AP – A expectativa do PAN é eleger 1 deputado pelo Algarve, garantindo a defesa dos interesses dos algarvios.
Estamos a trabalhar para manter o número de eleitores das últimas legislativas, ao mesmo tempo que procuramos sensibilizar novos eleitores para as causas que defendemos.

SI – O que falta fazer no Algarve?

AP – São inúmeros os problemas dos algarvios até agora descurados: o hospital de Faro já ultrapassou o seu limite de dignidade, tanto para utentes como para profissionais de saúde, aliás, se não fosse pela resiliência destes, estaríamos pior.
A EN125, que não é opção nem para os algarvios, nem para as empresas, não apresenta condições que garantam a segurança de condutores e peões.
Não há transportes públicos com horários e rotas compatíveis com as necessidades laborais ou estudantis.
Há o desafio da seca, mais ainda quando continuamos a fazer má gestão da água e permitimos o seu uso excessivo, exemplo das monoculturas de regadios em zonas de sequeiro.
Também é urgente a realização de campanhas municipais de identificação de animais errantes: controlo de colónias e solução para as matilhas (não existe solução adequada no Algarve). Poderá passar pela garantia de construção de CRO adequados e de campanhas de esterilização e adoção.

SI – A Saúde é um setor deficitário no Algarve e no país. Que medidas preconiza para resolver os problemas da Saúde no Algarve?

AP – Os problemas da saúde tem de ser resolvidos em dois níveis. No primeiro nível, estão os Cuidados de Saúde Primários (Centros de Saúde), onde a escassez de recursos humanos, por falta de incentivos à captação de clínicos para o SNS, obriga os médicos de família a terem em média cerca de 1500 utentes.
Com o combate à Pandemia e a recolocação dos médicos a dar resposta na vigilância clínica nos centros de vacinação ou nas consultas nos centros de Atendimento a Doentes Respiratórios (ADR), fica para trás todo o trabalho de prevenção, vigilância de saúde de grupos vulneráveis e grupos de risco.
A nível hospitalar, a questão da escassez de recursos também é notória, devido à perda de profissionais e recursos humanos – médicos e enfermeiros – muito pela forma injusta como o Estado os contrata para a prestação de trabalho nos serviços de urgência.
Na regulamentação vigente, nos serviços de urgência, os médicos especialistas do quadro hospitalar, frequentemente com mais formação e maiores responsabilidades no seguimento dos doentes, recebem muito menos que os médicos tarefeiros, contratados a empresas prestadoras de serviços.
Para os utentes o prejuízo é avassalador: doentes acumulados nos corredores em macas, perda de serviços de especialidade: exemplo da dermatologia ou pediatria.
E a chegarem ao hospital muitas vezes com danos irreparáveis na sua saúde, muito pela falta de cuidados primários e de diagnóstico de patologias que deveria ter sido detetadas nos centros de saúde.
É urgente devolver aos serviços a sua capacidade formativa, permitindo que os estudantes de medicina permaneçam no Algarve para a realização dos seus estágios.
Também é preciso resolver o problema da falta de habitação, para que os médicos e suas famílias se possam instalar e fixar na região.
É um problema real com que estes profissionais se debatem, pois não existem casas disponíveis para arrendar, e, pelas poucas que se encontram, são pedidas rendas com valores proibitivos.

SI – E quanto ao Hospital Central do Algarve? Quando deve avançar e porquê?

AP – O Hospital Central do Algarve deve avançar o quanto antes. Devolver dignidade aos profissionais de saúde, aos doentes e suas famílias e permitir que os alunos de medicina permaneçam na região.

SI – O Governo anterior avançou com a Descentralização de Competências para os Municípios. Que balanço faz desse processo?

AP – A descentralização de competências é uma ferramenta de desenvolvimento local mais personalizada, uma vez que permite que algumas políticas de proximidade sejam elaboradas e implementadas de modo mais eficiente.
Importa referir que é necessário garantir as verbas necessárias para a correta execução destas novas responsabilidades para os municípios, algo que nem sempre se verifica.

SI – Um futuro Governo deverá avançar com a Regionalização? Porquê ou porque não?

AP – Para o PAN, é essencial uma organização do Estado capaz de dar resposta aos desafios do século XXI, baseada na administração pública credível e transparente, sendo que continua a não existir um verdadeiro nível intermédio de poder baseado na criação de regiões administrativas, aliás, já previsto na Constituição há décadas.
O PAN não se oporá à regionalização, se essa for a intenção da maioria dos portugueses, auscultados por referendo.
Mas esse referendo implica uma campanha de desmistificação e de partilha de informações credíveis, sem qualquer cor política.
Defendemos o debate alargado sobre a Regionalização que envolva a administração pública, a academia e a sociedade civil, a fim de proceder a uma revisão constitucional, sem abdicar da realização de um referendo nacional assegurando que a regionalização se realiza em caso favorável.

SI – Na Assembleia da República, têm-se sucedido as resoluções para acabar com as portagens na Via do Infante ou, pelo menos, para introduzir descontos significativos. O que pensa deste tema e que soluções preconiza?

AP – A Via do Infante foi construída com o intuito de servir a população, a procura turística e a economia regional. Objetivava ser uma via de circulação rápida ao serviço do desenvolvimento local e não do desenvolvimento financeiro de parcerias público privadas.
As portagens representam um assalto e um obstáculo à mobilidade de pessoas e bens.
Não existem alternativas: não temos uma rede de transportes públicos, não temos uma estrada nacional eficaz e ficamos sequestrados por políticas que em nada favorecem o escoamento do tráfego e o descongestionamento da EN125.

SI – No início da atual crise da pandemia, o Governo anunciou um plano específico para o Algarve, que nunca chegou a ser concretizado. O que precisa o Turismo do Algarve para recuperar da pandemia?

AP – A promoção do turismo deve ser ponderada e criadas novas atividades – por exemplo, o ecoturismo, o turismo rural e o turismo de experiências, que trazem um público mais informado, que valoriza a natureza e não contribui para a sua destruição, como acontece com o turismo de massas.
O desenvolvimento da região deve ser articulado entre as potencialidades e as necessidades do Algarve, promovendo um crescimento económico sustentável que permita a melhoria das condições de vida da população.
A diversificação da estrutura económica, a maximização do aproveitamento dos recursos endógenos, sem os destruir ou esgotar, a redução da sazonalidade nas principais atividades económicas ou a requalificação profissional são algumas estratégias que podem aumentar a procura turística no inverno.
Teremos que investir em infraestruturas no interior, proporcionar a manutenção dos trabalhadores nos seus locais de residência e criar as condições necessárias para o aproveitamento do nosso potencial através da interiorização do turismo

SI – No caso de questões mais fraturantes, como a regionalização, as portagens na Via do Infante e a saúde, entre outras, se for eleito, votará na AR de acordo com a sua convicção, mesmo que vá contra as orientações do seu partido?

AP – Os valores e a missão PAN fazem parte dos meus valores e missão.
Assim, estou plenamente convicta de que o partido que represento em nada irá prejudicar o desenvolvimento local e sustentável do Algarve e apoiar-me-á a mim e aos algarvios.
As causas que defendo, são as causas que o meu partido defende.

SI – Quer acrescentar mais algum tema ou questão?

AP – Gostaria de salientar que o PAN é um partido político com uma visão diferente e disruptiva em relação aos outros partidos e à sociedade em geral.
O PAN tem uma visão holística sobre a vida, é o único não antropocentrista, é um partido eco progressista e um dos poucos realmente ecologistas, é o único que defende as outras formas de vida animal, de forma séria, transversal e honesta.
O PAN apoia-se na ciência, sempre que tal é possível, para sustentar todas as suas propostas.

 

 



Comentários

pub