Um ano também é feito de palavras

Descubra quais as palavras que, na opinião de uma série de personalidades algarvias, resumem o ano

Ilustração de Rúben Bento

Será que uma palavra pode resumir tudo o que se passou, se viveu, se pensou, se imaginou, se sofreu, ao longo dos 365 dias deste ano de 2021 que hoje termina? Para tentar responder a isso, o Sul Informação lançou um desafio a várias personalidades algarvias, de diferentes setores: qual é, na sua perspetiva, a palavra do ano? As respostas, desde as mais telegráficas, às mais elaboradas e reflexivas, dão uma boa pista para saber como foi 2021. 

 

 

Adriana Freire Nogueira

Diretora Regional de Cultura do Algarve

CORAGEM

Não foi fácil escolher uma palavra que resumisse 2021, principalmente, porque não me parecia que houvesse alguma que pudesse incluir todas as emoções, sentimentos, vivências de um ano inteiro. Porém, aceitei o desafio, acreditando que, em conjunto, todas as palavras escolhidas poderão ajudar a desenhar o que foi este ano que ora finda.

Num primeiro momento, pensei que deveria escolher um adjetivo, pois é ele que qualifica, que ajuda a descrever, mas, depois, achei que o ano tinha sido tão intenso, que precisava da substância de um… substantivo, que precisava de uma significação mais densa.

Procurei, então, uma palavra que transmitisse a ideia de resistência, de lugar onde habitassem todos os tipos de sentimentos, onde residisse a intenção, a vontade, a decisão.

Procurei uma palavra que significasse vida, mas uma vida pulsante, que tivesse ânimo, espírito. Procurei uma palavra que albergasse a sabedoria, um espaço onde habitasse a compreensão.

Socorri-me da etimologia, a ciência que tinha mais à mão, e cheguei ao coração, ou melhor, a uma palavra que nele tem origem: a coragem.

Coragem provém (mesmo que nos tenha chegado, indiretamente, do francês) da palavra latina «cor, cordis»(1), que significa, literalmente, «coração». Esta, por sua vez, tem o mesmo radical indo-europeu da palavra grega, com o mesmo significado, «kardia». Ambas preenchem todos aqueles significados, muitos deles subentendidos no uso que fazemos da palavra «coragem».

Bradamos «Coragem!» quando queremos animar alguém, tanto para fazer frente a um sentimento, como para tomar uma decisão. Às vezes, murmuramo-la baixinho, para nós próprios.

Revestimo-nos de coragem quando queremos concretizar uma intenção.

E tantas são as vezes – quão mais simples seria nada fazer – em que é a coragem que nos dá força para avançar pela escuridão adentro, pela ausência de clareza que nos esmaga com o preconceito, a intolerância, para conseguirmos chegar ao conhecimento e à compreensão, luzes que nos indicam o caminho da solidariedade, do coletivo.

Precisamos da coragem para resistir – e são infinitas as situações que a vida nos oferece contra as quais temos de lutar, para nos mantermos coesos.

Conseguir-se-á compreender esta palavra, na sua plenitude? Veja-se o diálogo Laques, de Platão. Aí, afirma-se que ser corajoso implica ter entendimento do perigo que se enfrenta, que «temerário e corajoso não são a mesma coisa»; e que «chamo corajosos aos dotados de senso» (197b). Numa tentativa de a definir (tarefa que se vem a revelar impossível), diz-se que «a coragem não é somente a ciência do que é o perigoso e do que é favorável. É que ela não abarca só o futuro no que concerne ao bem e ao mal, mas também o presente e o passado, e em todas as circunstâncias, a exemplo das outras ciências» (199b-c).

Em 2021, foram tantos os momentos em que sentimos que a coragem nos fugia e, com ela, o ânimo, a força, a capacidade de decidir. E foram tantos outros aqueles em que ela nos obrigou a abraçá-la, a aceitar que ter medo é normal, mas que não podemos deixar que ele nos domine; que não saber é normal, mas que não podemos deixar que a ignorância prevaleça; que pensarmos primeiro em nós é normal, mas que a solidariedade é o que nos salva, enquanto humanidade.

O que desejo para 2022? Muita coragem!

Nota (1) Não se estranhe a forma como escrevi, mas, em latim, quando enunciamos um nome, dizemos sempre a forma que ele assume quando exerce a função de sujeito de uma frase – “cor” – e quando é complemento determinativo – «cordis» – pois só assim conseguimos saber qual o radical da palavra – «cord- » –, o que nos vai permitir reconhecê-la nas suas outras funções sintáticas, bem como em outras palavras, como «cordial», «concordar», «discordar» ou «saber de “cor”».

 

 

Alexandre Lima

Delegado Regional de Educação do Algarve

APRENDIZAGEM

 

Ano de aprendizagem para a humanidade, ao lidar com uma pandemia.

 

Anabela Santos

Dirigente da Almargem

AUTENTICIDADE

Num ano cheio de incertezas, talvez todos nós tenhamos acabado por dar mais valor ao que nos diferencia enquanto país, região, território, aldeia, lugar ou pessoa.

Acredito na mudança de mentalidade e paradigma na escolha enquanto turista, viajante ou residente.

Nunca a autenticidade fez tanto sentido como agora. A procura pelo genuíno e único. Um sorriso, um aperto de mão ou um simples, mas tão caloroso, dar de vaia. Um sabor, um cheiro, um som. As coisas mais simples podem tornar-se nas mais memoráveis.

 

Ana Cabecinha

Atleta olímpica

RESILIÊNCIA

Depois de, em Janeiro, ter apanhado Covid, em Abril a morte do meu pai, o mau resultado dos Jogos Olímpicos, uma lesão grave em Outubro, têm sido tantos os tombos que mal me levanto e já estou a “apanhar” com outra “desgraça “. Foi preciso mesmo muita força de vontade e resiliência para me levantar sempre e continuar lutando.

Este ano de 2021 não foi nada fácil, mas aqui estamos nós na luta por um melhor 2022.

 

 

Dino d’Santiago

Músico

CULTURA

Escolho a palavra Cultura, pois, de facto, ela passou a ter mais a força de uma palavra, do que a cumprir a sua origem.

A origem da palavra Cultura vem do termo em latim Colere, que significa cuidar, cultivar e crescer.

Será que este ano a respeitámos?

 

João de Brito

Ator e encenador

DESCONFORTO

Para mim, é a palavra que mais se tem instalado, porque não há certezas de nada e nunca estamos com a mente completamente livre, pelas imposições criadas em torno da pandemia.

Os condicionalismos, as restrições, o medo, a desinformação, as barreiras geográficas, a confusão mental, o distanciamento são todos factores que causam desconforto.

 

João Fernandes

Presidente da Região de Turismo do Algarve

RESILIÊNCIA

Resiliência – resume bem a capacidade dos portugueses face a período tão exigente que vivemos.

 

João Ministro

Fundador e Sócio Gerente da ProActiveTur

RESILIÊNCIA

Esta palavra ganhou um particular protagonismo em 2021 devido sobretudo aos impactos causados pela Covid-19 tanto na atividade económica – em particular no turismo -, como na social.

Houve necessidade de repensar e adaptar a oferta turística face aos efeitos da pandemia – processo este que ainda vai continuar nos próximos tempos – e todos nós adotámos, muito ou pouco, novos comportamentos perante as circunstâncias impostas por esta crise sanitária.

“Resiliência” esteve (e estará) igualmente muito presente, ainda que de forma subliminar, nas questões ambientais no Algarve. As carências de água, a contaminação de aquíferos, os incêndios florestais, a falta de planeamento territorial, os incumprimentos das normas legais, entre outros aspetos, revelam o quão resiliente tem o Algarve sido.

 

João Soares

Diretor hoteleiro

ACREDITAR

A palavra acreditar foi o que me acompanhou em 2021, apesar das vicissitudes com que nos debatemos e desafios a que fomos expostos.

Adaptações de várias naturezas , confrontados com avanços e recuos, inundados de informação contraditória, sempre acreditámos, sempre procurámos melhorar e lutar diariamente para manter a dignidade do nosso produto hoteleiro, bem como da Região , proporcionando a quem escolheu o Algarve para as suas férias boas recordações de 2021 .

 

 

José Apolinário

Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve

VACINAÇÃO

A Ciência produziu uma vacina contra a Covid-19 em menos de um ano. A vacinação era, no início de 2021, a esperança para vencer rapidamente a pandemia e foi motivo de orgulho e de elevação da autoestima pelos índices de cobertura a que coletivamente chegámos em Portugal.

A Ciência e o Conhecimento dizem-nos que a vacinação vai continuar a ser o melhor antídoto contra a Covid – porventura a passar de pandemia para endemia – e o desafio mesmo será chegar ainda a mais pessoas em Portugal e … no Mundo.

No mais, este ano de 2021 reforçou a importância da Saúde Pública, do Serviço Nacional de Saúde e de uma visão integrada de Proteção Civil , ficando um debate para seguir : saber qual o papel da União Europeia na globalização e avaliar as respostas que, em conjunto, conseguiremos construir na área da saúde.

 

 

José Gameiro

Diretor Científico do Museu de Portimão

CIÊNCIA

Resiliência, vacina, certificado, teste, teletrabalho, esperança ou mesmo “ómicron” serão, provavelmente, algumas das palavras mais populares deste ano, mas, mesmo correndo o risco de me desviar um pouco de eventuais preferências maioritárias, a minha opção recaiu sobre a palavra “CIÊNCIA”, para assinalar 2021.

Esta minha escolha não se prende diretamente com a dimensão do maior ou menor número de vezes em que ela foi verbalizada ou escrita, ao longo dos 365 dias, mas sobretudo pela relevância do seu intenso e continuado contributo, num contexto particularmente difícil, à escala mundial.

Foram fundamentais os alertas, o trabalho de aplicação do conhecimento e da compreensão do mundo natural e social a proteger, realizado pelos seus profissionais, procurando beneficiar e assegurar a todos mais e melhor vida, dentro de uma perspetiva global e planetária.

Sendo fruto de uma metodologia sistemática baseada na pesquisa, sobretudo na capacidade de duvidar e de nos confrontar nos momentos críticos de incerteza, na análise da experimentação e das evidências, a ciência preparou-nos para uma antevisão mais correta da pluralidade de perspetivas, para uma mais clara e racional apresentação de respostas, decisões e soluções de mudança.

A ciência possui essa notável missão solidária, pública e dinâmica de causa pública que, neste ano de 2021, mais se acentuou pelo antecipar dos avisos para as situações problemáticas e para as consequências negativas, não só para o tratamento da pandemia e da saúde das populações, mas com reflexo na sustentabilidade ambiental do próprio planeta Terra.

A luta continua e por isso, a CIÊNCIA tem mesmo que sair mais vezes à rua!

 

 

Manuel Cajuda

Treinador de futebol

INJUSTO

Foi, acima de tudo, um ano injusto, pela complexidade das decisões e alterações que tivemos. Injusto para o Algarve, pelo turismo, fator decisivo na nossa economia, injusto pela falta de liberdade a que nos vimos, obrigatoriamente, sujeitos, devido a esta que é a pior guerra que vivemos.

 

 

Marco Lopes

Diretor do Museu Municipal de Faro

DESASSOMBRADO

Que se saiba, não devem ter sido as peças guardadas no museu, algumas de reconhecidas propriedades mágicas, que ajudaram a aliviar cenários mais sombrios, de fadigas, de incertezas e de certa tristeza, ao ver espaços encerrados e pouca gente a visitá-los.

Esse desanuviamento, marcado ao longo do ano, feito de boas exposições, salas renovadas, várias atividades educativas, outras tantas intervenções de restauro e noticias de tesouros nacionais, saiu do labor de toda a equipa do Museu, principalmente da capacidade de resistência, da sua inovação, do seu engenho e do seu sorriso otimista.

Quanto às peças, essas continuam serenas e de boa saúde, sem revelar se alguma vez fizeram figas.

 

 

Maria Augusta Casaca

Jornalista da TSF

TELETRABALHO

É a palavra que escolho e que marca o ano que termina. Uma forma de vida que me acompanha desde há uns anos, quando me vi a trabalhar em casa, após ter encerrado a delegação da TSF no Algarve, mas que muitos camaradas de trabalho estão agora a vivenciar.

Poderá ter a vantagem de entrevistarmos por telefone e com pantufas calçadas até o primeiro-ministro, mas retira toda a essência de uma redação. Esse é o local onde os jornalistas podem estar juntos a discutirem ideias, notícias, temas para reportagem e que, por diversos momentos, nos tem sido retirado pela pandemia.

O teletrabalho, por mais videoconferências e chamadas por WhatsApp que se façam, é sempre um lugar de solidão. Eu que o diga. E assusta-me verificar que há tanta gente a elogiar as suas virtudes e que este possa ser o caminho do futuro. Não é bom para ninguém. Nem para trabalhadores, nem para empresas.

Mais cedo do que tarde, vamos todos chegar a esta conclusão.

Apesar de todas as vicissitudes que passamos atualmente, tenham um excelente 2022.

 

 

Miguel Gião

Empresário

LIDERANÇA

Todas as pessoas e colaboradores, além de o merecerem, têm o direito de ter um bom Líder. “A liderança é carácter em ação”.

Em resumo, um líder deve ter a capacidade de influenciar pessoas de modo a trabalhar de forma entusiasta, visando atingir objetivos identificados para o bem comum. São os meus votos para 2022.

 

 

Nuno Marques

Presidente do Algarve Biomedical Center

RESISTÊNCIA

O ano foi marcado pela grande resistência do Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança Social com as medidas para os lares, com impacto muito positivo no número de mortes.

Os profissionais de saúde mostraram uma grande resistência durante todo o ano de trabalho ininterrupto.

A ciência mostrou também grande resistência, superando os problemas e criando, em tempo recorde, uma vacina.

A economia mostrou resistência ao impacto da pandemia.

O Algarve mostrou uma grande resistência a todos os embates da pandemia e ajudou todo o país a resistir, dando o exemplo (principalmente o ABC nos seus múltiplos campos de atuação na comunidade).

Todos mostramos uma grande resistência que nos dá agora esperança para o ano de 2022.

 

 

Paulo Águas

Reitor da Universidade do Algarve

VACINA

Pelas vidas que salvou e continuará a salvar. Pelo que representa em termos da capacidade de resposta do Conhecimento Científico na resolução de problemas da Humanidade.

 

 

Pedro Valadas Monteiro

Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Algarve

ESPERANÇA

Os portugueses, no ano que agora finda, foram sempre acompanhados pela esperança: na eficácia das vacinas e da campanha de vacinação, e no que isso possa influir no regresso a tempos aproximadamente normais.

 

 

 



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