Querid@s, mudámos as árvores

Muitos cidadãos atentos e conscienciosos têm reagido a esta situação lamentável através dos meios ao seu alcance

Bem-vindos a Faro, onde árvores maduras são tratadas como peças soltas de mobiliário urbano, podadas até ao tutano e transplantadas de um lado para o outro, ao sabor das obras de requalificação urbana de uma cidade que se diz querer mais verde.

No passado dia 11 de Novembro, um grupo de cidadãos uniu-se numa vigília simbólica, em protesto contra a retirada de quatro árvores de uma praça na baixa de Faro, bem como a reiterada prática de podas drásticas por parte da Câmara de Faro, com as imagens que acompanham este artigo a atestar a razia em causa.

O emblemático local, praça Ferreira de Almeida, conhecida por “Largo da Palmeira”, situa-se numa das zonas mais centrais de Faro, com vários cafés e restaurantes a circundá-la, e outras tantas esplanadas que, ao longo dos anos, foram ganhando espaço ao usufruto pedonal, alastrando-se, quais “ervas daninhas”, ao sabor do crescimento económico e em proporcionalidade com a procura e pressão turísticas da cidade.

Neste largo, existem (ou existiam), para além da emblemática palmeira que rebatizou o local, e também ela já alvo de transplante, vários jacarandás com décadas de existência e seus ecossistemas devidamente estabilizados.

Para além da sombra e da frescura que exemplares maduros com este porte conferem aos espaços onde se enquadram, éramos brindados e deleitados – residentes mas também turistas, dos que se querem a consumir nas esplanadas – com um incrível e primoroso cenário natural de cor e vida, numa explosão psicadélica devidamente acompanhada pelo irreprimível canto dos pássaros que ali pousavam.

 

Os jacarandás em flor…em foto de arquivo – Foto: Werner Boehm

 

Neste momento, temos obras de “requalificação”, adjudicadas por um valor de 477 mil euros, mais coisa menos coisa, e que segundo a autarquia visam “alargar os espaços pedonais no centro da cidade”, bem como “restringir a passagem de carros”.

A obra e o seu fundamento são, por si, meritórios e necessários. Apraz-nos saber que a questão da mobilidade sustentável no seio da cidade de Faro, tão propalada ao longo de sucessivos executivos camarários, começa a ser finalmente acautelada.

Agora, com a febre do “climate change” e consequentes imposições de descarbonização a nível mundial, plasmadas na agenda 2030, o acelerar e a urgência da materialização de medidas como estas, far-se-ão sentir ainda com mais premência, se é que não serão mesmo obrigatórias.

Por outro lado, assiste-se a um fenómeno paradoxal: ao mesmo tempo que se pretende retirar veículos do centro da cidade, criando mais espaço para a fruição pedonal, aumenta-se o perímetro de ocupação desses mesmos espaços públicos, que se queriam apropriados pelos peões, em benefício de novas concessões de esplanadas aos restaurantes.

Em que ponto ficamos então? Mais mobilidade sustentável, menos poluição, mais espaço para fruição pedonal, mas também mais esplanadas, menos árvores, menos sombras, menos oásis de fauna e flora no deserto urbano.

Pergunto-me onde pára a coerência estrutural e a significância ecológica dos nossos decisores políticos? É que voltamos quase sempre ao ponto inicial do desnorte regional: à seca e monocultura do turismo, em detrimento da diversidade económica e do bem-estar e futuro sustentável das populações, que o tão afamado Plano de Resiliência Regional visa, precisamente, prosseguir.

Nesta medida, aqueles que, como o grupo do Glocal Faro, ainda teimam em exercer a sua cidadania ativa em defesa dos espaços verdes urbanos e preservação do património biofísico existente, sentem-se, sobejas vezes, frustrados com contra-ciclos, promessas vãs, dificuldade em aceder a projetos e demais esclarecimentos sobre este género de intervenções, bem como com as sucessivas incoerências entre os discursos esverdeados e determinadas práticas de gestão pública.

Requalificar significa “qualificar o que já existe”, não destruir e fazer de novo. Neste sentido, não seria possível terem chegado a uma solução de design urbano que aproveitasse uma das vias existentes, evitando estes desbastes e transplantes?

É por isso que muitos cidadãos atentos e conscienciosos têm reagido a esta situação lamentável através dos meios ao seu alcance: vigília junto ao local, interpelação na Assembleia Municipal, comunicados na imprensa e uma ampla partilha nas redes sociais.

Posto isto, e no seguimento de uma solicitação feita pelo Glocal à autarquia, o projeto de Arquitetura Paisagista foi finalmente facultado, bem como foi possível a obtenção de esclarecimentos adicionais junto da Divisão de Obras e Equipamentos Municipais – cuja disponibilidade é de saudar – tendo-se, no entanto, constatado que, no âmbito desta obra, estão previstos ainda mais “transplantes” de outras árvores existentes naquele local.

Importa acrescentar que, para além de uma recomendação já aprovada na Assembleia Municipal de Faro, que versa precisamente sobre o fim das podas de rolagem e uma melhor gestão e valorização do património arbóreo do município, com georeferenciação das suas árvores, existe também a lei 59/2021, de 18/8, que vem obrigar à elaboração de regulamento municipal de gestão do arvoredo urbano e inventário municipal, no prazo de um ano.

É, pois, perante este puzzle caótico de requalificação, de tira e põe aleatório de árvores, de ora abre espaço ao transeunte, ora volta a dar à restauração, que nos vamos deparando.

Entre promessas vãs e outras tantas recomendações e leis por cumprir, os jacarandás decepados, patéticas esculturas na sua lenta agonia violeta, bradam aos céus por dias melhores. Já nós, cruzamos os dedos, mas nunca os braços, para que tenham melhor sorte que as já defuntas laranjeiras do Largo da Sé.

 

Autora: Raquel Ponte, pelo grupo do Glocal-Faro

 

 



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