«Doçaria do Sul» ou a arte de resgatar os doces esquecidos do Algarve

Na rua do comércio de Silves, apenas acessível a pé, há agora uma loja que é muito mais que um espaço de venda de produtos do Algarve

«Estas cousas na se fazem c’m tristeza». Esta frase, que deve ser lida com sotaque algarvio, está inscrita na parede da mercearia «Doçaria do Sul», que abriu há poucas semanas na Rua Elias Garcia, a artéria pedonal da zona comercial da cidade de Silves.

Alexandra Santos, designer de comunicação e uma das criadoras do Festival da Comida Esquecida, que foi a coqueluche da última edição do 365Algarve, é a mulher por trás desta nova loja, que não é apenas mais um espaço a vender produtos algarvios, é muito mais que isso.

«O meu objetivo é ter aqui a maior rede de produtores de doçaria do Algarve, juntando a inovação à tradição», exclama Alexandra, apontando para o balcão recheado de coisas com ar delicioso. Mas também pretende «resgatar do esquecimento alguns doces que se faziam antigamente, às vezes resgatando apenas as suas formas, outras tirando do esquecimento receitas e técnicas».

É por isso que, nas prateleiras e no balcão frigorífico, há doce fino normal (maçapão com recheio de doce de ovos), mas também doce fino com recheio de gila. Porque estamos em época natalícia, tanto uma versão como outra, além dos formatos normais (frutos, peixes, galinhas, cestinhos…), tem alguns motivos apropriados, como o Pai Natal ou uma meia para pendurar na lareira com as prendas…

«O doce fino tem uma longa história. Todos os países mediterrânicos onde os árabes estiveram têm o maçapão. Mas, antigamente, no Algarve, era mais fácil de fazer o doce fino com recheio de gila, porque esta abóbora era mais barata que os ovos. Hoje é completamente ao contrário», explica Alexandra.

Há também lesmas, um doce em forma de rebuçado (e embrulhado como tal), feito por camadas de doce fino, gila e fios de ovos. «É um bolo nobre, mesmo característico de Silves», acrescenta a designer.

 

Alexandra Santos, na sua Mercearia «Doçaria do Sul», em Silves

Há ainda galinhas, ouriços e peixes feitos de figo e amêndoa, em dois tamanhos. Há também a pinha, feita de figo, com amêndoas espetadas, em forma de pinha.

«A senhora que faz o doce de figo, a D. Fernanda, é de Lagos. Ela já só fazia as galinhas, e em tamanho grande, mas eu pedi-lhe para voltar a fazer os ouriços e os peixes. Eram formatos que se usavam antigamente e depois caíram em desuso, não sei porquê. E também lhe pedi para fazer todos esses em tamanho mais pequeno, em miniatura».

Os doces à base de figo eram muito comuns no Algarve, que era um grande produtor e até exportador de figo, seco nos almeixares que cobriam as eiras das quintas. Mas esses doces faziam-se sobretudo «à volta do mês de Maio». As pessoas ofereciam galinhas ou ouriços de figo, eriçados de amêndoas, morgados, queijos, estrelinhas, figos cheios, aos seus familiares, amigos, madrinhas, afilhados.

Há até um doce novo, inteiramente feito com produtos locais, os Figuinhos de Silves, produzidos pelo José Gambôa, na sua Horta de São Bruno, ali mesmo perto da cidade. E o que são os Figuinhos de Silves? São um doce inovador, feito com recheio de figo, envolto numa massa areada parecida à do crumble. «Ainda estamos a aperfeiçoar. Uma das coisas que tenho feito com todos os produtores com os quais trabalho é também ajudá-los a aperfeiçoar o seu produto».

«Antes de abrirmos este espaço, levámos três meses em pesquisa», explica Alexandra. O plural que usa inclui também o trabalho de Inês Cristóvão, a outra colaboradora da empresa. Hoje, a Doçaria do Sul tem fornecedores em Silves, Lagos, Loulé, Olhão, Moncarapacho. «No Algarve, onde houver gente a fazer produtos genuínos, feitos com produtos locais, nós queremos trabalhar com eles!».

Um dos «problemas graves» que Alexandra Santos identificou é a dificuldade de muitos desses produtores, na maior parte das vezes apenas com pequenas produções, se legalizarem. «Só podemos trabalhar com quem consegue produzir e vender-nos com as etiquetas que a ASAE exige…e isso nem sempre é fácil».

Por isso, defende, «fazem falta aqui no Algarve mais cozinhas comunitárias, como há em Loulé. Sei que também há um projeto privado, em Portimão, embora com uma lógica um pouco diferente. Mas precisamos de mais!».

 

A mercearia «Doçaria do Sul», que, por estes dias, tem a montra decorada com um presépio algarvio, enfeitado com laranjas e searinhas, dispostas numa espécie de altar com vários patamares, encimados por um Menino Jesus já grandinho, oferece muitos outros produtos algarvios ou feitos com produtos regionais. Bolachas, biscoitos, pão feito com farinhas não refinadas, compotas, chutneys, molhos picantes, vinagres, chás, algum artesanato em empreita, rebuçados, chocolates de alfarroba da Carob World, água de Monchique, vinho da Herdade Barranco do Vale, cerveja artesanal (a Marafada, de Algoz), licores e até, imagine-se, um Limoncello, produzido à moda de Itália, mas com limões do Algarve, na quinta silvense da italiana Gloria Dall’Orto.

Alguns destes produtos só são vendidos por encomenda. Enquanto o site não está pronto, pode sempre ver o que há na página de Facebook, a que se pode aceder aqui.

Enquanto atende os clientes que vão entrando na mercearia, atraídos pela originalidade dos produtos expostos, mas também pelo ar delicioso e muito original da doçaria, que até se adapta à época de Natal, Alexandra Santos diz, convicta: «ainda temos muito caminho a percorrer».

Por isso, anuncia os objetivos para os tempos mais próximos: «terminar o site, que em Janeiro ou Fevereiro deverá estar pronto, para apresentarmos toda a nossa oferta e passarmos a ser também uma loja online» e criar «embalagens novas para alguns dos nossos produtos, para os colocar num patamar acima». É que – e agora é mesmo a designer de comunicação a falar – «temos aqui produtos muito bons, aliás todos foram provados por nós antes de os ter aqui para vender, mas alguns têm embalagens pouco atrativas ou antiquadas, que prejudicam a sua venda». Os olhos também comem é um ditado antigo…e muito certo, está visto!

E agora, de volta à tal frase inicial: «Estas cousas na se fazem c’m tristeza», assinada por Paula e Julieta. Alexandra conta que a frase é «da Julieta, amiga da minha mãe, a Paula, e quer dizer que tem que haver alegria quando se faz estes doces». Alegria e amor, sem dúvida.

 


Doçaria do Sul
(mercearia especializada em doçaria algarvia)
Rua Elias Garcia, nº15, r/c esq.
8300-155 Silves
961312311

 

 

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 



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