Câmara de Loulé vai chumbar “lixeira” perto de Boliqueime que tem revoltado moradores

Recomendação para suspensão do PDM foi aprovada na Assembleia Municipal por unanimidade

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

O processo deu entrada na Câmara de Loulé, em Julho de 2020, mas só agora, mais de um ano depois, é que o tema veio à baila. A construção de um Centro de Tratamento de Resíduos, numa antiga pedreira, nos Matos da Picota, à beira da Estrada Nacional 270, perto de Boliqueime, está a causar polémica.

Nos moradores, a revolta é tamanha que vão criar uma associação que defenda os seus interesses. Da parte da Câmara, o presidente garante que só teve conhecimento do projeto há poucas semanas e que o vai chumbar. Se não cumprir, haverá «muita gente a bater à porta da autarquia todos os dias com problemas». 

Nuno Alexandre mora perto da antiga pedreira Barrabrita/Manuel Joaquim Pinto, espaço desativado há anos e que está ao abandono.

Na passada sexta-feira, 3 de Dezembro, foi um dos cidadãos que falou na Assembleia Municipal de Loulé para contestar o projeto, de cerca de 653 mil euros, que pretende criar «uma lixeira» nesse local, «a 400 metros de casas e de uma escola primária».

«Isto vai ter um impacto geral para o concelho. Não podemos pensar sequer que este projeto vá para a frente. Todos nós, a região, o turismo e a saúde pública vão ter muito a perder», diz Nuno Alexandre ao Sul Informação. 

Nessa mesma Assembleia Municipal, Vítor Aleixo, presidente da Câmara de Loulé, foi, por várias vezes, interpelado. O autarca garantiu que «é contra» esta unidade e que, com as pessoas com as quais já falou, «foi claríssimo».

«Os moradores têm toda a razão. Aquilo é uma unidade com uma área enorme: são 4,5 hectares. Vou bater-me contra isto até ao fim, com todas as minhas forças. Julgo que tenho um peso grande nestas questões ambientais e vou-me opor», adiantou.

 

 

O Sul Informação conseguiu acesso ao processo 257/20, apesar de tal nos ter sido recusado pela Câmara de Loulé. Na consulta dos documentos, percebe-se melhor a história que envolve a criação deste Centro de Tratamento de Resíduos.

E de que resíduos estamos a falar? Orgânicos, indiferenciados, equipamento elétrico e eletrónico (REEE), poliestireno expandido (EPS), papel/cartão triturados e enfardados, segundo se lê no processo.

A empresa Blueotter – Circular SA, que é proponente do projeto, diz que quer transferir a «atividade desenvolvida» nas atuais instalações em Boliqueime «para uma unidade melhor dimensionada e tecnicamente mais adaptada às necessidades de resposta».

«A aquisição desta propriedade (Matos da Picota) e a transferência da atividade atualmente desenvolvida em Boliqueime surge dos constrangimentos existentes nas atuais instalações», explica ainda.

Atualmente, a Blueotter tem uma unidade, junto à Estação da CP, em Boliqueime, que, apesar de bem mais pequena do que a que é projetada para os Matos da Picota, já incomoda «as populações».

«As pessoas sentem o odor: há lixo na zona, projetado pelo vento, plásticos», relata Nuno Alexandre.

Desde o início, o processo andou sempre a “saltitar” entre Divisão de Urbanismo e o promotor. De tal forma, que a previsão de início das obras (Novembro de 2020) foi largamente ultrapassada.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a EDP já se pronunciaram sobre o assunto e o processo também corre na Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, a entidade que tem autoridade para exigir que seja feita a Avaliação de Impacte Ambiental.

 

 

Num email enviado aos serviços camarários, a que o Sul Informação conseguiu acesso, a APA considera que a «operação urbanística em apreço» – de conversão das estruturas existentes numa “unidade de triagem de resíduos” -, «não irá ter interferência significativa com os recursos hídricos subterrâneos».

Por isso, esta entidade emitiu um «parecer favorável» à criação do Centro de Tratamento de Resíduos.

A EDP também o fez, mas de forma condicionada. Isto porque a área é «atravessada» pela «Linha de Média Tensão (LMT) FR15-201 Vilamoura – Loulé e a atividade a desenvolver sob a mesma poderá colocar em risco a integridade da linha, bem como a segurança de pessoas e bens», explica.

Assim, a EDP deu um «parecer favorável condicionado à obrigatoriedade» de a Blueotter mudar esta «linha elétrica».

Só que uma das principais queixas dos moradores nada tem a ver com as questões tratadas no parecer da APA, uma vez que se prende com os «maus cheiros» que a instalação desta unidade trará para a zona, caso avance. Isso mesmo é referenciado num abaixo-assinado que já recolheu cerca de 1200 assinaturas.

Em termos de emissões para o ar, a Blueotter diz que apenas «existem emissões difusas provenientes de alguns dos equipamentos móveis afetos à instalação».

«Com o objetivo de minimizar as emissões poluentes difusas, é realizado um plano de manutenção preventiva de acordo com o estabelecido no manual de cada equipamento», garante.

Quanto ao ruído, uma vez que as «operações ruidosas se irão realizar dentro do pavilhão e, devido à ausência de recetores sensíveis na envolvente, não é expectável a ocorrência de reclamações desta natureza», perspetiva a empresa.

Na última Assembleia Municipal, o tema esteve em debate também entre os vários grupos parlamentares. Da parte do PSD – força política que tem mais deputados na oposição – surgiu uma recomendação que foi a votos: suspender o PDM naquele local, impedindo qualquer tipo de obra.

Essa não era, de resto, uma decisão inédita da Câmara de Loulé, que já acionou este mecanismo por duas vezes: na zona da Foz do Almargem (para onde estava previsto um megaempreendimento turístico) e no terreno onde se realiza o mercado semanal da fruta, em Quarteira – um dos únicos espaços desta cidade onde não há prédios.

 

 

A proposta dos sociais-democratas foi aprovada por unanimidade, com votos a favor de todas as bancadas. Apesar de ser apenas uma recomendação, sem carácter vinculativo, o PSD/Loulé já considerou, em nota de imprensa, que «este é um claro sinal dado pela Assembleia Municipal de Loulé para que a autarquia liderada pelo socialista Vítor Aleixo seja célere e eficaz a resolver este potencial problema».

Da parte do presidente, a garantia é que a Câmara, que já foi contactada pela CCDR, dará «parecer negativo».

«Não vão contar com o consentimento da autarquia para licenciar uma coisa destas. Aquela é uma área estrategicamente colocada, com uma vista panorâmica fabulosa, e, para mim, é inconcebível que alguém pretenda ali instalar uma coisa destas», disse o autarca Vítor Aleixo, na Assembleia Municipal.

Numa das últimas comunicações entre a autarquia e a Blueotter, os serviços camarários indeferiram o projeto por «insuficiência e incongruência de elementos», a que se junta o facto de não cumprir com as regras do PDM e o «incumprimento das normas legais de Segurança Contra Incêndios».

Ainda assim, admite-se «reapreciação, caso sejam sanadas» estas questões. Ou seja, pela parte dos serviços da Câmara e em termos formais, nada há a opôr ao projeto do Centro de Tratamento de Resíduos.

Os moradores garantem que continuarão a lutar contra este projeto e até vão criar uma associação que defenda os seus interesses. «Temos também estado em contacto com a população estrangeira residente, com a CCDR, com o Ministério do Ambiente e com associações como a Almargem», adianta Nuno Alexandre.

«Nós não temos nada contra a empresa que, quando comprou o terreno, de certeza colocou altas questões ao executivo. Temos, sim, contra o propósito. Aquele é um local ímpar, vê-se da Via do Infante e pode ser esse o nosso “cartão de visita”. É um projeto que só é interessante para o promotor do projeto, mais ninguém».

 

 



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