O passado serve de porta para o futuro centro expositivo da Fortaleza de Sagres

Uma antiga porta da Fortaleza, datada do final do século XVIII, é a primeira peça da futura exposição permanente

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Durante mais de dois séculos, serviu para controlar e impedir a entrada de pessoas. Agora, a porta bicentenária que, até 1959, se erguia, imponente, no acesso à Fortaleza de Sagres, é a entrada para o Centro Expositivo deste monumento nacional, que deverá estar em funcionamento no primeiro trimestre de 2022.

Esta porta de madeira maciça, cuja imponência se mantém tantos séculos depois, é a primeira e, para já, única peça da futura exposição permanente desta nova valência da Fortaleza de Sagres e o elemento que dá as boas vindas ao espaço.

Mas, se a história – neste caso, a história particular desta porta -, fosse como a de outros tantos elementos patrimoniais de relevo que se perderam ao longo do tempo, a cerimónia de colocação da primeira peça no Centro Expositivo do Promontório de Sagres, na sexta-feira, dia 26, não seria a mesma.

«Há algo que me chamou particularmente a atenção, que é a história desta porta. E porquê? Porque acho que é um exemplo que vale a pena realçar», disse Graça Fonseca, ministra da Cultura, que esteve em Sagres para visitar as obras do futuro centro e oficializar a colocação da primeira peça.

«Um empreiteiro, que eu não sei exatamente quem foi, considerou que era relevante guardar este objeto, numa altura em que, provavelmente, não sabia muito bem o que é que estava a guardar. E aqui estamos nós, junto a uma porta do século XVIII [1793], com a importância que ela tem, não só para o centro expositivo, mas também para contar a história deste monumento», acrescentou.

A secular porta, já colocada no seu lugar – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

O episódio a que a ministra se refere remonta a 1959, ano em que foram realizadas obras profundas na fortaleza.

Durante esta intervenção, a porta de madeira de duas toneladas foi mandada retirar da muralha pelo Estado, mas o empresário que realizou a obra não a deitou fora. Guardou-a durante décadas e, no final do século passado, devolveu-a, relativamente bem conservada.

«Isso é muito importante, acima de tudo, porque passa a mensagem, que tem de estar cada vez mais presente, que cuidar do nosso património é uma responsabilidade de todos. E esta porta conta essa história: a de que alguém, um dia, achou que valia a pena e aqui estamos nós hoje a dizer obrigada, porque a porta ficou preservada e aqui fica exposta», acrescentou Graça Fonseca, que foi acompanhada nesta visita por Ângela Ferreira, secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural.

Como se percebe, no futuro centro expositivo, entrar-se-á sempre com o “pé direito”. Mas os motivos de interesse estão longe de se ficar por esta peça e há «muitos mais» elementos que deixam “água na boca”, como explicaram Adriana Nogueira, diretora regional de Cultura do Algarve, e Rui Parreira, diretor de serviços dos Bens Culturais da DRCAlg.

«Vai ser um espaço multimédia, mas não excessivamente, de maneira a que não se possa ver a exposição sem essa dimensão», começou por explicar Adriana Nogueira.

Quanto às peças que estarão em mostra, a única que pertence ao espólio do centro é a porta do século XVIII. O resto da exposição contará com «peças originais emprestadas», bem como «muitas imagens projetadas nas paredes, fotografia, santos, etc., mostrando a ocupação deste espaço que é o Promontório de Sagres e também os santos, neste caso o São Vicente, como é que ele foi representado em várias épocas.  Estamos a conseguir imagens de vários sítios».

Nas diferentes celas, é contada «toda uma história sobre as viagens que os portugueses fizeram», para frisar a importância que a lendária Escola de Sagres e a ação do Infante D. Henrique tiveram nos Descobrimentos e em tudo o que eles implicaram – e já se verá que é mesmo em tudo.

 

Rui Parreira a apresentar o futuro Centro Expositivo – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Esta é uma exposição multissensorial. Vai-se sentir vento e há jogos de luz. Há uma sala que vai ter três cores diferentes e se nenhuma cor estiver projetada não se vai perceber o que lá está escrito, cada cor vai realçar a mensagem que lá está. É uma história que é contada, no fundo, em três fases», descreve a diretora regional de Cultura.

Noutra cela, há a recriação do espaço de trabalho do Infante, «um estudiozinho que é uma reprodução ficcional, aquilo que se imaginava que era uma sala de reflexão da época».

Este escritório medieval  contará «com os mapas que se conhecia na época e aqueles que também se passou a conhecer, o próprio estudo que o Infante teria feito».

Aqui, a equipa que idealizou a mostra deu asas à sua imaginação, uma vez que não se sabe ao certo como foi a vivência de D. Henrique no tempo que morou no Algarve, provavelmente em Lagos.

Mas o que é certo é que aquilo a que hoje chamamos de Escola de Sagres «aconteceu,  alguém pensou e alguém decidiu avançar por estes mares fora. E vai-se ver esses mapas, também desse mundo que, entretanto, foi alcançado pelos portugueses».

Também haverá a representação do porão de uma nau, o navio usado pelos portugueses nos tempos áureos dos Descobrimentos. Na cela em que esta recriação é feita, não há referência ao transporte de escravos. Mas essa dimensão negra da nossa história, a dos navios negreiros e do tráfico de escravos, não foi esquecido. Antes pelo contrário.

O último nicho antes da sala final é totalmente dedicado a este tema.

«Vamos ter aqui uma coleira de escravos, emprestada pelo Museu Nacional de Arqueologia, porque esta é uma realidade que aconteceu, infelizmente. É uma realidade que, infelizmente, ainda existe hoje em dia, com outro tipo de escravos. Mas há que assumi-la na sua completa dimensão», afirmou Adriana Nogueira.

A experiência termina numa sala onde vai ser instalada uma esfera, para o interior da qual as pessoas serão convidadas a entrar, para visualizar um filme. «Vai ter audioguias, de maneira a que as pessoas não se perturbem umas às outras e as pessoas das várias línguas possam ouvir a história como ela está a ser contada».

 

Adriana Nogueira, Ângela Ferreira, Rute Silva, Graça Fonseca, Rui Parreira, José Apolinário e Luciano Rafael – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Para chegar aqui, foi necessário investir cerca de 3 milhões de euros, primeiro na construção e, agora, na musealização deste espaço situado no interior da Fortaleza de Sagres, «para que os que aqui vierem, além de visitar a muralha, tenham outros elementos de interpretação, que os atraiam a voltar cá, a passar a palavra e a trazer mais pessoas», como ilustrou Graça Fonseca.

«Temos mesmo de investir no nosso património, acima de tudo. Esta é uma âncora extraordinária para trazermos mais pessoas e podermos projetar o nosso património e, já agora, o nosso país», concluiu a ministra da Cultura.

Já Adriana Nogueira aproveitou para salientar que, além da mostra permanente, o futuro centro terá um espaço «completamente diferente», destinado a exposições temporárias, no primeiro andar.

«A primeira que estamos a programar será de arte contemporânea e servirá, precisamente, para mostrar que vai ser completamente diferente deste», para que o visitante tenha mais uma razão para regressar a este monumento.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

 



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