Há coisas inevitáveis no futuro do turismo. Aumento de salários e mão-de-obra imigrante são duas delas

João Soares faz um balanço positivo do recente congresso da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), da qual é o delegado regional

Foi um momento para «refletir e preparar o futuro». E o futuro do turismo passa, precisamente, pelos temas quentes abordados durante o congresso da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), que decorreu em Albufeira: mão de obra, financiamento, digitalização e sustentabilidade.

Esta é a visão de João Soares, o delegado regional da AHP, a quem o Sul Informação pediu para fazer um balanço do Congresso Nacional da Hotelaria e Turismo, uma iniciativa que, diz, foi «um sucesso», desde logo pelos números conseguidos.

«O congresso teve 595 participantes, 44 oradores e moderadores, 30 expositores, 44 patrocinadores e mais de 20 meios de comunicação. Isto revela a dimensão da AHP em termos nacionais», salientou o também diretor e proprietário do D. José Beach Hotel, em Quarteira.

Isto, claro, para além do Presidente da República, que encerrou o evento, do ministro da Economia, que marcou presença no primeiro dia de trabalhos, e da secretária de Estado do Turismo.

A forte adesão estará ligada com a escolha daqueles que foram os principais temas do congresso, que são os «da atualidade. A mão-de-obra é a grande preocupação, tanto que foi largamente debatida em vários painéis. Essa é uma grande preocupação da AHP e estamos, em conjunto com o Governo, a tentar arranjar soluções».

Uma das propostas dos hoteleiros é «fazer protocolos e acordos com alguns países. Estamos a privilegiar Cabo Verde, que é um país de língua portuguesa, onde já há alguns contactos e onde existem boas escolas hoteleiras».

 

 

A escassez de recursos humanos foi mais do que tema de um painel, foi um assunto abordado recorrentemente ao longo do congresso.

Até porque, se essa é uma questão pertinente em vários pontos do país, no Algarve «o problema é acrescido».

Isto porque «além da grande dificuldade em recrutar e das carências da rede de transporte, para que as pessoas se desloquem de onde vivem para os locais de trabalho, temos a questão da sazonalidade, com muita necessidade de mão-de-obra no Verão e uma menor na época baixa, bem como a do custo da habitação, que é muito elevado».

«Estamos de alguma forma a tentar sensibilizar e apressar, juntamente com a AMAL e os próprios municípios, de modo a termos alguma habitação para os trabalhadores», revelou João Soares.

No entanto, estas soluções serão, na melhor das hipóteses, de médio prazo, pelo que não resolvem um problema premente, uma vez que «nós vamos precisar de muita mão de obra para o próximo Verão».

«A rede de transportes também é algo que se fala muito, em relação ao Algarve, mas também tem sido morosa, nomeadamente a eletrificação da linha, mas não só. Tem de se tomar uma ação imediata, fazendo o transporte através de autocarros, de uma forma tradicional, que permita que as pessoas que estão no interior possam vir trabalhar na zona mais do litoral, onde se encontra a esmagadora maioria dos empreendimentos», acredita o delegado da AHP no Algarve.

Os hoteleiros algarvios andam, de resto, a ir «buscar muita gente ao Baixo Alentejo. Estamos a falar de uma percentagem já significativa. As empresas de trabalho temporário fazem todos os dias deslocações do Baixo Alentejo e de outras zonas onde as habitações são mais baratas, para conseguir meter as pessoas aqui».

A esta mão-de-obra da região vizinha tem de juntar outra vinda de bem mais longe.

«Nós vamos precisar de imigração, não temos alternativa. Nós percebemos que os filhos das pessoas que hoje trabalham em determinadas profissões não vão querer fazer o mesmo que os pais», acredita João Soares, que dá o exemplo de Inglaterra, onde «não vemos um inglês a conduzir um táxi, a servir num restaurante ou em tarefas afins. Normalmente são outros povos que fazem essas funções. E isto é a ordem natural das coisas».

«Eu acredito que em Portugal já temos imigração com muita qualidade e a tendência é para que haja cada vez mais», afirmou.

 

Congresso da AHP em Albufeira – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

O que é certo, na visão o gestor hoteleiro algarvio, é que, seja de onde vier a mão-de-obra, «os salários vão ter de crescer».

No entanto, é importante que este aumento «também seja acompanhado pelo preço médio da hotelaria. Não se pode aumentar os salários, aumentar os custos de contexto e, por outro lado, manter o mesmo preço médio de venda ao público».

Mas basta aumentar salários e ter mais habitação para resolver os problemas de falta de mão-de-obra? João Soares acha que não chega.

«Tem que haver melhores condições de trabalho. Eu acho que temos que voltar a cultivar, a promover e a dignificar o que é trabalhar em hotelaria, dando a possibilidade de conciliar com a família, de fazer uma carreira, de crescer dentro da empresa. Este é um setor como há poucos, neste aspeto. Há pessoas que começam na portaria, passam pela receção e chegam a bons diretores de hotéis», disse.

«Mas também é preciso criar boas condições para os trabalhadores, ao nível das áreas a eles dedicadas, da criação de incentivos, como seguros de saúde, prémios anuais e de desempenho, avaliações permanentes… penso que há um trabalho muito grande a fazer na área dos recursos humanos», considerou.

No congresso de Hotelaria que teve lugar em Albufeira também se discutiu o tema do financiamento, «porque sabemos que as empresas, principalmente quem abriu hotéis em 2017, 2018 ou 2019, estão a atravessar grandes dificuldades».

«Este é um tema muito atual, uma vez que, com o prolongar da situação pandémica, é necessário sensibilizar o Governo e as entidades bancárias para, de alguma forma, apoiarem as empresas», referiu.

A ideia é que se criem instrumentos para «não deixar cair as empresas», como períodos de carência e «boas análises, para perceber que os negócios vão ser viáveis no futuro e que esta é uma situação passageira».

«Será importante para manter postos de trabalho e a economia a funcionar que estas empresas sejam bastante apoiadas», defende João Soares.

 

 

E depois houve «outros temas sempre quentes para o Algarve, como a aviação, o acesso a Faro».

«Esse painel foi muito interessante, porque acaba por confirmar aquilo que nós já sabíamos, que é a falta de interesse da TAP em voar para Faro, mantendo a política de hub em Lisboa para o resto da Europa, fazendo também a América do Sul e os Estados Unidos, como o core business da empresa», diz o empresário.

«Por outro lado, ficámos a saber que cada vez mais temos a easyJet do nosso lado, que é um parceiro fundamental. A tendência é crescer no Aeroporto de Faro, o que nos dá bastante satisfação», acrescentou.

João Soares salientou ainda «uma novidade introduzida neste congresso, que foi a promoção de pequenos painéis, um dedicado aos recursos humanos, outro à digitalização, que deram a oportunidade a quem se interessa só por estas áreas de assistir especificamente a estas sessões».

«Isto permitiu trazer outro tipo de congressistas. Os hotéis permitiram que se inscrevessem dois congressistas, em que um assistia, por exemplo, ao painel sobre digitalização e o outro a recursos humanos. Dentro das próprias organizações, foi possível escolher o tipo de congressistas para temas específicos», disse.

Outro momento alto foi o painel «muito interessante» sobre o Algarve, «onde envolvemos dois tipos de produtos bem distintos: o sol e mar, que é o produto tradicional, apresentado pelo Mário Ferreira, que é o CEO do Grupo Nau, mas também, por outro lado, a Rota Vicentina, que é um produto mais de nicho e que tem a ver com as tendências atuais, através da Marta Cabral».

«Uma das grandes preocupações que temos é que sem território não há turismo. Há que ter cuidado, nomeadamente com a capacidade de carga das atividades turísticas, o transporte, a mobilidade. Tentámos mobilizar os senhores autarcas a envolver-se, porque, muitas vezes, temos a sensação de que vivemos do turismo e não para o turismo», afirmou.

«O que fizemos neste congresso, no fundo, foi um, brainstorming entre todos os hoteleiros. Trouxemos para cima da mesa aqueles que achámos que eram os temas relevantes e tentámos perceber como Portugal se posiciona em termos internacionais, bem como convencer os decisores, nomeadamente o ministro da Economia, a secretária de Estado do Turismo e o próprio Presidente da República, que devemos continuar a apostar na promoção do país lá fora, área onde tem sido feito um bom trabalho, que não devemos deixar cair as empresas, para que, quando a pandemia abrandar, possamos manter a mesma oferta que tínhamos e continuar a ser competitivos em termos internacionais», resumiu o delegado regional da AHP.

Os hoteleiros também querem «que se alivie a carga fiscal e que sejam lançadas medidas para que os trabalhadores tenham melhores condições para trabalhar na hotelaria e para que esta seja uma atividade suficientemente atrativa, para que não perca mais recursos dos que tem vindo a perder».

«Estes temas foram entregues ao Governo, sensibilizámos quem decide, sensibilizámos os agentes locais para as questões do território, que também são muito importantes».

Quanto ao futuro, já se perspetiva que seja mais risonho que o último ano e 9 meses. «Neste momento, no que toca aos nossos mercados tradicionais, o britânico e os outros mercados europeus de proximidade, estamos com um crescimento em 2022. O que se espera é que, a partir de Maio, haja um boom nas reservas e que o próximo Verão seja bom», acredita João Soares.

 

 

 



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