QRER é poder dar futuro ao esparto

Esta sexta-feira, há um dia aberto que marca o fim do curso

As mestras Maria José Ramos e Manuela Limas vão assistindo, lado a lado, ao trabalho daqueles oito aprendizes, numa pequena sala à entrada da aldeia das Sarnadas (Alte). Os últimos dias têm sido ali passados, a ensinar uma arte que partilharam durante anos: o esparto. Desse passado, guardam a recordação de como era impossível viver deste ofício, mas já perspetivam, nos seus alunos, um melhor futuro para esta arte que «importa não deixar morrer». 

Tanto tempo depois de terem trabalhado juntas, Maria e Manuela talvez já não pensassem ser possível voltarem a juntar-se para ajudar a criar, a partir da planta do esparto, peças de artesanato, como cestas e tapetes.

Devem-no ao curso da Cooperativa QRER que, até esta sexta-feira, 29 de Outubro, dia em que acaba, tem dado uma nova vida à aldeia das Sarnadas.

Ana Romeira é uma das aprendizes que está sentada em redor de uma grande mesa onde os ensinamentos vão sendo passados. O seu entusiasmo e interesse são visíveis.

«Eu dedico-me à arte têxtil e vi aqui uma oportunidade para poder aprender mais. Tem sido fantástico!», conta ao Sul Informação. 

 

 

A arte já a conhecia, mas, à medida que o curso caminha para o seu fim, pensa cada vez mais em aproveitar tudo o colheu nestes dias «de verdadeira aprendizagem».

«Temos aqui uma boa bagagem para o futuro. Eu, pessoalmente, gostaria de trabalhar o esparto, por si só, mas também de o introduzir nas minhas peças, uma vez que faço tapeçaria contemporânea», explica.

É aí, nessa fusão de saberes, que, diz a voz de quem sabe, pode residir o futuro do esparto.

As donas Maria José e Manuela aprenderam esta arte há largos anos, na «casa de uma senhora aqui das Sarnadas». Residentes nesta pequena localidade da freguesia de Alte, tiveram de mudar de vida, porque viver do esparto «era impossível».

«Nós fazíamos as peças e ganhávamos um pacote de arroz, uma peça de roupa. Era quase uma troca. Posso-lhe dizer que isto era uma coisa muito desvalorizada. Acredito que, no futuro, isso vai mudar, porque esta é uma arte trabalhosa, mas bonita e que pode ter novas interpretações, novos designs», considera Manuela Limas.

Esta arte foi outrora bastante popular no Algarve, especialmente na zona de Alte, mas está hoje à beira de desaparecer na região.

A dona Maria José recorda como, atualmente, «já não há ninguém que faça disto vida aqui nas Sarnadas». Uns morreram, outros enveredaram por rumos diferentes.

 

 

Foi mesmo a pensar na revitalização desta arte que a QRER organizou mais este curso. O designer Hugo da Silva é o organizador e conta como estas têm sido «cinco semanas intensas».

«Dividimos os participantes, que têm diferentes backgrounds, entre tarefas e vimos as pessoas a evoluir. É uma experiência que vai, de certeza, ser continuada», diz ao nosso jornal.

Ao longo destas semanas, tem-se falado em esparto pisado, «que é mais cozido e batido, como se fazia muito em Alte», e em esparto cru «que é simplesmente seco para perder o óleo que tem e é uma palha mais rija».

Para o próprio organizador do curso, tudo tem sido uma descoberta.

«A minha relação com o esparto era…nenhuma. Foi uma novidade até para mim. Toda a gente sabe trabalhar a palma, mas o esparto estava esquecido. Segundo o que me foi dito, foi a escassez de material que levou a isso, mas também o interesse. A própria maneira de viver das pessoas mudou: aquilo a que chamamos hoje artesanato, que eram os utensílios diários, foram substituídos por alternativas de plástico», diz Hugo.

 

 

Entre os aprendizes, há quem veja esse regresso ao passado como uma necessidade. Bruno Constâncio, biólogo de formação, resolveu inscrever-se precisamente pela «busca de materiais sustentáveis».

«Dia após dia, vejo que vamos perdendo os artesãos mais idosos e isso é triste. É necessário que eu e as gerações mais novas aprendam estas técnicas, dando-lhes continuidade», considera.

Até agora, já fez um tapete, a cobertura de uma jarra e uma pequena cesta. As ideias futuras são muitas.

«Talvez me dirija para duas áreas – uma mais artística, ligada ao design, e outra mais à construção, porque o esparto pode ser usado para pérgulas ou outras estruturas de sombreamento», conta.

Esta sexta-feira, o curso chega ao fim, com um dia aberto. Quem quiser, pode ir até às Sarnadas para conhecer os participantes, falar com eles e ver as peças que produziram.

 

 

Maria José Ramos não tem dúvidas de que esta foi uma aposta ganha da QRER – cooperativa que, agora, dará apoio a quem quiser continuar a trabalhar no esparto.

«Olhe, eu pensei que vinham para cá umas criancinhas brincar com isto, mas arranjaram uma excelente equipa, de pessoas interessadas, que são maravilhosas. Nós sentimo-nos motivadas e acho que isto pode ajudar a dar uma nova vida ao esparto: eles são novos, têm ideias e que vão para a frente».

Ao seu lado, Manuela conclui: «só peço a Deus que sigam com isto».

 

Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação

 

 

 

 

 



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