Novas regras de certificação biológica de sal na UE são «ameaça à sobrevivência» da salinicultura tradicional

Reunião decisiva com o Comité de Produção Orgânica (COP) está agendada para esta quinta-feira, 28 de Outubro

A cooperativa de produtores “Terras de Sal”, de Castro Marim, acusa a União Europeia e Portugal de estarem «em risco de ceder ao lóbi das multinacionais, no conceito do sal biológico», colocando em causa a sobrevivência dos produtores artesanais.

Em causa está um relatório da Comissão Europeia, publicado em Agosto, que propõe que «todos os tipos de sal, mesmo os processados industrialmente e os não amigos do ambiente, sejam contemplados com o rótulo, ignorando as recomendações dos seus próprios especialistas».

Na quinta-feira, dia 28, haverá uma reunião decisiva com o Comité de Produção Orgânica (COP), «onde vão ser provavelmente concluídas as diretrizes sobre o sal biológico».

Segundo a cooperativa, «os produtores de sal artesanal tradicional estão contra esta nova regulamentação», que consideram «uma séria falha na proteção dos consumidores e uma ameaça à sobrevivência da salicultura tradicional».

Desta forma, pedem uma posição urgente do Governo português para a alteração desta proposta de regulamentação.

Num relatório de um grupo de peritos em produção biológica, publicado em Agosto pela Comissão Europeia, surge a proposta sobre «que sal deve ser considerado biológico» e receber o respetivo selo. Antes disso, e até ao momento, «o sal não era considerado passível de certificação biológica».

Este documento, «que tem uma visão muito liberal», sugere que «praticamente todos os tipos de sal possam beneficiar do rótulo BIO da União Europeia (UE), o que preocupa seriamente os produtores de sal artesanal europeus, que se querem fazer ouvir de modo a reverter essa possibilidade», explica a “Terras de Sal”.

Segundo a cooperativa, «o relatório em causa ignorou a posição da maioria dos especialistas em sal que foram consultados pela Comissão Europeia para o efeito», tendo sido «contratados por concurso público internacional, um grupo de quatro peritos em sal, para auxiliar neste processo os especialistas para assessoria técnica em produção orgânica [EGTOP]».

«Três dos peritos (uma espanhola, um francês e uma austríaca) foram perentórios em afirmar que o sal extraído de mina e o produzido industrialmente em vácuo (vacuum salt) não têm condições, face aos seus métodos de produção, para receberem o selo de produto biológico, mas o quarto especialista, alemão, sugeriu, precisamente, o contrário», realça a cooperativa.

No entanto, o relatório, apresentado em Julho de 2021, demonstra que «apenas se teve em conta a posição do especialista alemão, tendo este sido já discutido com representantes dos Estados Membros durante uma reunião do Comité de Produção Orgânica (COP)».

Nesta reunião, «Portugal simplesmente não se pronunciou, mostrando-se alheado da problemática, ao contrário de França que vincou uma posição mais dura e realista, alertando que vários métodos propostos pelo relatório EGTOP não estão em conformidade com as regras do sal orgânico, e da Espanha e Alemanha que solicitaram nova reunião para debate».

Entretanto, a Comissão Europeia concordou em discutir o sal biológico com mais profundidade na próxima reunião do COP, que está agendada para esta quinta-feira, 28 de Outubro, e onde «vão ser provavelmente concluídas as diretrizes sobre o sal biológico».

«Face ao perigo iminente de qualquer sal poder ser considerado biológico no seio da União Europeia», os produtores em Espanha, França e Portugal «estão mobilizados contra aquilo que consideram ser a “total subversão do conceito de sal biológico” em favorecimento dos interesses económicos do sal industrial e pedem o apoio urgente dos Governos dos seus países para se mobilizarem a par desta causa de modo a evitarem o “atentado ao futuro dos produtos biológicos”», refere a “Terras de Sal”.

 

 

Andrea Siebert, administradora da empresa «Marisol Sea Salt» que comercializa sal marinho do Atlântico e Flor de Sal a partir de Olhão, integrou o grupo restrito de quatro peritos que aconselhou o EGTOP da Comissão Europeia e denunciou cedência «clara e perigosa aos interesses económicos do sal industrial de mina e de vácuo por parte da Comissão Europeia».

A especialista em sal garante que «as suas recomendações, a par dos colegas francês e espanhol, vão contra as recomendações que constam agora no relatório que vai servir de base para a regulamentação de atribuição do selo biológico.

«A certa altura do processo o colega especialista alemão abandonou o trabalho do grupo. E enquanto os três apresentámos uma proposta conjunta, ele optou por apresentar apenas a sua que considera que também o sal de mina e de vácuo deve ser contemplado com o rótulo biológico, além de permitir praticamente todos os processos posteriores de tratamento industrial e adição de químicos ao sal, tudo técnicas pouco amigas do ambiente e não sustentáveis, sendo de sentido oposto aos objetivos definidos para o Regulamento Europeu de produtos biológicos», revela Andrea Siebert.

«O relatório está feito, mas acreditamos que é possível reverter a situação se Portugal se juntar aos outros países que estão a levantar a voz contra a subversão do conceito biológico», defende a especialista que, à semelhança dos seus homólogos de Espanha e França, alerta, também, que o que está em causa «é o futuro económico e ecológico da produção de sal, comprometendo, desde logo, o caminho verde que a União Europeia diz estar empenhada em incrementar».

Para a Federação Europeia de Produtores de Sal Marinho Colhido à Mão, o conteúdo do relatório da EGTOP «é extremamente preocupante, uma vez que a Comissão Europeia está a preparar-se para tornar elegíveis para o rótulo biológico praticamente todos os métodos de produção de sal existentes, incluindo os menos amigos do ambiente, como o sal de minas e o sal de vácuo», considerando que «esta proposta iria claramente contra os objetivos e princípios do Regulamento da UE n.º 848/2018 sobre a produção biológica».

Também a SALIMAR, representando a quase totalidade dos produtores de sal marinho em Espanha, «contesta de forma veemente o documento», contando para tal com o apoio do Governo espanhol. Considera que «a definição de sal biológico deveria ser a de sal marinho produzido exclusivamente por evaporação ao sol e com tratamentos posteriores à recolha mínimos e muito controlados», conclui a “Terras de Sal”.

 



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