O (meu) Presidente

Duas pequenas histórias, sem nada de extraordinário

Foto: Paulo Spranger/Arquivo Global Imagens

Entrevistei Jorge Sampaio um vez, penso que em Dezembro de 2000, quando ele se estava a recandidatar a um segundo mandato de Presidente da República. A entrevista foi feita num hotel em Faro e, no fim, esgotadas as perguntas e feitas as fotos, apesar da sua agenda apertada, ficámos um pouco à conversa.

Depois de ter trabalhado vários anos em órgãos nacionais, eu estava então há pouco tempo num jornal regional, o Barlavento, e o Presidente Sampaio quis saber um pouco mais sobre as dificuldades e desafios de um órgão de comunicação longe da capital lisboeta. Foi uma conversa interessante, que terminou porque um assessor lhe veio lembrar que eram horas de ir para a estrada, em campanha.

Vim a encontrar o Presidente Sampaio de novo numa deslocação que ele fez a Monchique, ainda o socialista Carlos Tuta era presidente da Câmara. A comitiva foi levada até ao alto da Picota (o segundo mais alto ponto da serra de Monchique), de onde se abarca uma vista magnífica sobre os contrafortes serranos, o litoral e o mar. Chegámos lá através de uma estrada de alcatrão mandada construir pela autarquia e que era então recém inaugurada.

Inspecionadas as vistas, Jorge Sampaio quis andar um pouco a pé e começou a descer, em passo até vagaroso, a estradinha de alcatrão. Eu, já nem me lembro bem porquê, coloquei-me a seu lado e perguntei-lhe: «o senhor Presidente gosta de caminhar?». Ao que ele me respondeu: «sim, muito, foi um gosto que me ficou da Escócia». «Pois olhe que ainda há pouco tempo eu estive na Escócia, durante 15 dias, a fazer caminhadas nas Highlands e adorei!», respondi-lhe.

A partir daí, Jorge Sampaio quis saber o que eu conhecia daquele país e fomos conversando e andando estrada abaixo. Atrás de nós, vinha a comitiva, também a pé, alguns completamente afogueados pelo esforço, como era o caso do presidente da Câmara Carlos Tuta. Os carros tinham ficado lá em cima, no alto da Picota, com os motoristas à espera, mas a comitiva – com autarcas, deputados, outras entidades oficiais e jornalistas – lá tinha que andar a pé, enquanto o Presidente Sampaio não parasse, estrada da Picota abaixo.

Até que um assessor se chegou ao pé dele e lhe disse em voz baixa: «Senhor Presidente, é melhor parar, porque há ali muita gente que não aguenta a sua passada». E nós até íamos bem devagarinho…e estrada abaixo, a descer. Sampaio lá parou, sorriu-me, pediu desculpa por termos de parar a caminhada e ficou à espera que o motorista lhe trouxesse o carro, e a comitiva lá seguiu, mais descansada, cada um no seu automóvel.

Estas duas histórias nada têm de extraordinário. Mas dão conta do Homem que Jorge Sampaio era. Um homem de grande educação e sensibilidade, interessado pelas pessoas e pelas causas, sempre a cultivar o diálogo.

Se fosse preciso ainda mais provas disso – toda a sua vida pública, que começou com as lutas estudantis nos anos 60 e continuou com o seu trabalho de advogado dos presos políticos nos Tribunais Plenários do Fascismo -, penso que as causas a que se entregou quando acabou os seus dois mandatos presidenciais atestam que era um Homem Bom, de grande coração.

Por mim, considero um privilégio termos tido um Presidente da República como Jorge Sampaio. Confesso aqui que, apesar de sempre ter simpatizado bastante com Eanes e Soares, para mim Sampaio era e será o meu Presidente.

 

 

 
 



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