Novas instituições, precisam-se

Parece ser fundamental uma mudança institucional na contratação de recursos humanos e na seleção de lideranças

As instituições governam a vida coletiva e estruturam as regras do jogo que nos permitem viver em sociedade. Precisaremos de uma mudança institucional na contratação de recursos humanos e na seleção de lideranças?

O que são instituições? O tema é bastante debatido e tem permitido reflexões interessantes em vários domínios, como a economia ou a sociologia. De uma forma pouco pretensiosa, instituições são formas de fazer duradoras. São duradoras porque funcionam como regras do jogo da vida social e económica para pessoas e organizações. São duradoras porque muitas vezes são assumidas como certas. A sua influência quase que se invisibiliza, ao parecerem permanentes ao olhar dos indivíduos. São duradouras porque são difíceis de mudar.

Não é novidade para ninguém que as instituições são cruciais ao desenvolvimento ou na resposta a crises. São as arquiteturas institucionais de um território – as combinações das suas diferentes instituições – que limitam determinados processos socioeconómicos ou permitem acelerar o seu avanço. Os economistas designam este aspeto de (des)vantagens institucionais.

Por mera preferência pessoal relembro, a quem quiser entrar nesta temática, os contributos de Douglass North, Prémio Nobel da Economia*, que dedicou parte significativa da sua carreira a estudar as instituições fundamentais ao bom funcionamento das economias de mercado, ou de Robert Boyer, um dos pais da Escola da Regulação Francesa, que refletiu recentemente como os diferentes tipos de instituições têm permitido aos governos nacionais responder de forma mais ou menos assertiva à incerteza radical da pandemia de Covid-19**.

Não é demasiado ousado afirmar que o crescimento económico português tem sido limitado por várias razões, muitas delas institucionais. A instituição que justifica este texto é aquela que governa a contratação de recursos humanos e a seleção de lideranças.

É uma instituição que se deveria apoiar essencialmente em critérios de mérito, mas que atualmente continua a combinar formas de nepotismo, clientelismo, com a mera reciprocidade e troca de favores, alavancada pela tentativa de manutenção e reprodução do poder e aparente redução da incerteza que contratar o sobrinho, eleger o filho, ou designar um lacaio pode trazer. Abarca o sector público, o privado, o terceiro sector em emaranhados complexos.

A maior parte das vezes não envolve qualquer ilegalidade e está tão enraizada que a sociedade em geral convive (quase) pacificamente com ela. Em territórios com menos massa crítica – com é o caso do Algarve – é sentida com maior intensidade.

Não podemos negar que tal instituição está fortemente incrustada na economia nacional e regional e que origina pelo menos dois problemas graves. O primeiro é a não retenção e participação de alguns dos mais capazes no trabalho, na decisão e em vários processos coletivos da nossa vida quotidiana. O segundo é a criação de núcleos de poder fechados, dependentes de trajetórias passadas, avessos à novidade e mudança, que reciprocamente se auto-alimentam.

Parece ser, então, fundamental uma mudança institucional na contratação de recursos humanos e na seleção de lideranças. Mas tal não é nada fácil, por várias ordens de razões.

A primeira é a compreensão geral que estamos perante um problema. É evidente para quem tem poder que não estamos perante problema nenhum. Será um problema para o cidadão comum? Assumindo que sim, que o diagnóstico é aceite, como tratar este problema? Uma mudança institucional pode ser feita de várias formas. Abruptamente, principalmente pela criação de legislação ou de normas de conduta que penalizem fortemente estes comportamentos.

Esta opção normalmente gera uma contra-resposta agressiva de partes interessadas na manutenção do status quo, e formas imaginativas de contornar as barreiras criadas. Outra possibilidade é uma mudança gradual, criando passo a passo, de forma mais estruturada condições para que tal não aconteça.

Normalmente, introduzindo camadas de mudança institucional, que reduzem o antagonismo, a contra mobilização, estruturam o caminho para uma desaprovação social generalizada deste tipo de comportamentos.

A transformação da economia portuguesa – e a do Algarve em particular – precisa desta mudança para consolidar um caminho de inovação e conhecimento, de novas especializações e atividades económicas.

Para permitir a emergência de novos atores e ecossistemas empresariais e robustecer os existentes. Para recuperar da crise da pandemia e a tornar mais capaz de responder às crises futuras – que não tardarão a surgir no horizonte. Quanto tempo teremos para fazer esta mudança?

Autor: Hugo Pinto é investigador e co-coordenador do NECES – Núcleo de Estudos em Economia, Ciência e Sociedade do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra; Professor da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve
Notas:
*Prémio do Banco da Suécia para as Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel
**Boyer, R. (2020). Les capitalismes à l’épreuve de la pandémie. Paris: La Découverte. https://doi.org/10.3917/dec.boyer.2020.01;

 

Nota 2: O conteúdo deste artigo não reflete necessariamente a posição do Centro de Estudos Sociais, nem da Faculdade de Economia, nem da DR da Ordem dos Economistas. A opinião expressa é da inteira responsabilidade do autor.

Nota 3: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 



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