Histórias irlandesas não têm finais felizes

A selecção de Portugal queimou o bom nome do futebol, com mais uma exibição pobrezinha, onde se salvou o tão ansiado recorde de golos para Cristiano Ronaldo

Foto da Página Oficial da Seleção Portuguesa de Futebol no Facebook

 

«Histórias irlandesas não têm finais felizes». Não sou eu que o digo, mas sim o Brad Pitt, através da personagem que interpreta no filme “Perigo Íntimo”. Parece-me uma frase adequada, e principalmente justa, no sentido poético da coisa, já que a selecção da República da Irlanda, derrotada no último minuto, ontem aprendeu o que Proust queria dizer com a busca do tempo perdido, principalmente depois de o queimarem desde o apito inicial do jogo.

Já a selecção de Portugal queimou o bom nome do futebol, com mais uma exibição pobrezinha, onde se salvou o tão ansiado recorde de golos para Cristiano Ronaldo e, claro está, a comemoração do fim de Agosto no Algarve!

Regressar aos estádios com público, depois das agruras pandémicas – ainda que com cautelas – é coisa de valor. Mas isto não há bela sem senão e, vai daí, ver a nossa selecção jogar no dia a seguir ao fecho do período de transferências acaba por ser confrangedor, pois esfumada a hipótese das opções do seleccionador serem uma espécie de Dica da Semana do Lidl aplicada ao mercado futebolístico, sobra apenas a realidade de Fernando Santos acreditar realmente nas opções que toma…

Rui Patrício
O preço da alfarroba está em máximos históricos. Em vez de ter passado hora e meia especado a ver um mau jogo de futebol, a fazer duas defesas e ir buscar uma bola ao fundo do saco, Rui Patrício, com o seu cabedal, bem que podia ter ido ajudar no que resta da apanha desse ex-libris regional.

João Cancelo
Numa noite em que combinou a excelência dos cruzamentos à moda do David Beckham com o azeite do penteado de Nel Monteiro, João Cancelo usou e abusou da sensação que nele cedo se instalou de que, querendo, faria o que quisesse do lateral esquerdo irlandês.

Rúben Dias
Ser considerado Futebolista Inglês do Ano pela associação de jornalistas de futebol de Inglaterra e melhor defesa da UEFA na época transacta de certeza que alimentou alguns sonhos no jovem central português. Ter que participar num jogo destes seguramente não foi um deles.

Pepe
Claramente emocionado por poder partilhar o campo com jogadores ainda mais mal-afamados do que ele no que às capacidades em rixas de bar diz respeito, Pepe mostrou-se generoso, entregando bolas ao adversário como quem distribui pints de cerveja numa happy hour da Oura.

Raphael Guerreiro
O lateral esquerdo da nossa Selecção, totalmente em linha com o que já tinha feito no último Europeu, hoje alimentou os sonhos dos adeptos sportinguistas, renovando a esperança de que seja este o nível que vai apresentar nos jogos da Champions, ao serviço do Borussia Dortmund.

Palhinha
Felizmente, o mercado de transferências já está fechado, caso contrário vários clubes – nocturnos – de Albufeira estariam neste momento a inundar o telefone do agente do Palhinha com propostas para porteiro, tal não foi o respeitinho que foi capaz de impor num grupo de irlandeses que claramente vinham à procura de causar sarilhos numa noite algarvia.

Bruno Fernandes
Bruno Fernandes, na manobra táctica de Fernando Santos, surge como aqueles tios de humor à Camilo de Oliveira nos casamentos de família: estão lá por uma questão de conveniência social. Mas ficam sempre em lugares manhosos, e com tarefas ingratas, como a de apanhar aquela piela tardia que destrava a língua e permite conhecer os podres da família. No caso, notou-se a esmerada educação do médio, que se moderou e limitou a aproveitar para ensaiar a parceria que vai estabelecer com Cristiano Ronaldo no Manchester United. Especialmente ao nível das discussões sobre a marcação de bolas paradas.

Bernardo Silva
Num jogo em que não ficou claro se a sua hiperactividade se deveu à entrega ao jogo ou ao medo de que um daqueles matulões irlandeses o conseguisse apanhar a jeito, o seu recorte técnico impressionou mais uma vez, tal como a sua capacidade para interpretar o jogo. O melhor exemplo disso foi o charuto para as nuvens que, a dada altura, deu na bola a meio campo, lendo na perfeição o estado de espírito de frustração das bancadas envolventes. Mesmo sozinho, inclusivamente driblando-se a si mesmo quando já não havia mais ninguém para ultrapassar, Bernardo não parou de lutar. Pena o lance de golo iminente – e merecido – que falhou, chutando a bola para as couves já perto do final do jogo, mas até isso foi provavelmente propositado, qual mise-en-scène para aumento da carga dramática que o gran finale viria a proporcionar.

Rafa
A ficha de jogo indica que iniciou o jogo a titular, jogando toda a primeira parte e saindo ao intervalo, dando lugar a André Silva. É daquelas coisas que sabemos ser verdade, mas ainda assim temos dificuldade em acreditar.

Cristiano Ronaldo
Ao ver Cristiano Ronaldo jogar hoje em dia, são muitos os momentos em que o vejo como meu par, pois, tal como frequentemente lhe acontece, também na minha cabeça são desenhadas jogadas que o corpo simplesmente já não acompanha, resultando em algo claramente diferente do imaginado, e para pior. Mas depois há momentos como aquelas duas gloriosas cabeçadas, em que ele não só mostra que ainda pode aspirar a mais do que jogar com outros coxos em segundas-feiras à noite, como também que é o melhor no ofício dos golos. O seu nome, escrito a letras douradas no topo da lista dos melhores marcadores de sempre de selecções nacionais, comprova-o.

Diogo Jota
Nitidamente feliz por voltar ao estádio onde se estreou pela Selecção, Diogo Jota tentou partilhar o sentimento com o maior número possível de adeptos, correndo de um lado para o outro, na tentativa de cumprimentar toda a gente. Não fora o poste da baliza adversária, e teria conseguido.

André Silva
A ficha de jogo indica que entrou ao intervalo, para o lugar do Rafa. Entretanto, é passar nos Perdidos e Achados do estádio, para ver se alguém o encontrou depois disso.

Nuno Mendes
Na expectativa de impressionar Fernando Santos e tentar ganhar a titularidade a Raphael Guerreiro, jogou tão mal quanto o colega que substituiu. Ou isso, ou já está mesmo só a pensar como será jogar com o Messi.

João Mário
João Mário entrou em campo confuso, ainda a pensar em como, depois de uma época inteira a jogar em grande plano, sagrando-se campeão nacional pelo seu clube, ficou apeado das escolhas do seleccionador para o Europeu e, depois de umas férias com churrascos regados a mojitos… é convocado e joga. Vá-se lá perceber este jogo! Felizmente ainda recuperou a concentração, mesmo a tempo de fazer o cruzamento para o golo da vitória.

João Moutinho
Consciente de como os irlandeses tendem a ser supersticiosos, e sendo ele próprio um adepto de entregar o destino à sorte, Fernando Santos lançou a jogo o nosso leprechaun. Tivesse Moutinho entrado com um casaquinho e um chapelinho verde, e era ver a equipa adversária à procura do pote de ouro, no fim do arco-íris. Assim, foi só mesmo uma substituição para satisfazer o cliché que ninguém pediu, de pôr um algarvio a jogar no Estádio Algarve, com pouco ou nada para acrescentar.

Gonçalo Guedes
Provavelmente farto da piadola fácil do “sai da frente, Guedes”, Gonçalo resolveu mudar o texto, e ser ele a levar tudo à frente. Tendo passado tanto tempo a assistir ao jogo a partir da linha lateral, entrou com as ganas com que qualquer outro adepto da bancada entraria, imbuído da plena convicção de que era inaceitável estar a perder. E puf!, fez-se uma assistência para o golo do empate, e grande agitação adversária por onde andou.

 

Autor: o Gonçalo Duarte Gomes é um arquiteto paisagista com a mania de que percebe muito de futebol…e escreve segundo o anterior Acordo Ortográfico

 

 

 



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