Museu do Traje de São Brás pode tentar «reconciliação» através de exposição sobre a Misericórdia

Futuro do Museu tem sido alvo de discussão…e discórdia. Mas há fumo branco à vista

Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Uma exposição sobre a missão e ação social da Santa Casa da Misericórdia de São Brás de Alportel, a ter lugar no Museu do Traje e organizada pelo seu diretor, com a colaboração da Câmara Municipal e, eventualmente, com a ajuda dos Amigos do Museu. Apesar de não ter ainda data definida, esta mostra inédita poderá «marcar a reconciliação» entre todas estas entidades e dar o arranque para uma nova fase na vida da estrutura museológica.

A proposta foi apresentada por João Neto, presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM), após uma deslocação a São Brás de Alportel, onde se reuniu com o provedor da Misericórdia (Júlio Pereira), o diretor do Museu (Emanuel Sancho), o presidente da Câmara (Vítor Guerreiro), o presidente da Junta de Freguesia (João Rosa) e ainda o líder da oposição (Bruno Sousa Costa, vereador do PSD).

«Uma exposição deste tipo é importante para a Misericórdia, porque assim dará a conhecer o seu trabalho e mostrará que a sua missão, no âmbito social, também passa por ser proprietária deste museu. É importante para o Museu, porque demonstrará que ele tem uma ação social e de relação com as forças vivas locais muito significativa. É ainda importante para as pessoas que trabalham e colaboram com o Museu para se sentirem apoiadas», explicou João Neto em declarações ao Sul Informação.

E a que propósito vem tudo isto? É que as relações entre os vários protagonistas, no que ao Museu do Traje de São Brás de Alportel diz respeito, têm andado complicadas.

De um lado, há queixas de falta de liberdade e de investimento. Do outro, refuta-se as críticas, garantindo que o Museu do Traje é «o edifício de maior valor» de São Brás de Alportel. Esta é uma polémica que tem, pelo menos, um ponto de acordo: este espaço é «importante demais» e deve ser preservado. Mas, apesar das garantias oficiais, a falta de investimento pôs em risco a sobrevivência do museu…que é muito mais do que uma casa bonita.

As preocupações com o futuro do museu já eram tema de conversa em São Brás de Alportel, nomeadamente entre os membros do grupo dos Amigos do Museu, mas foram trazidas a público em dois recentes artigos de opinião: um do professor José d’Encarnação, da Universidade de Coimbra, publicado no jornal local Notícias de São Brás, o outro da museóloga Dália Paulo, publicado no Sul Informação.

O palacete que alberga hoje o museu foi construído há 130 anos e pertenceu às famílias Dias, Andrade e Sancho, passando posteriormente para a gestão da Santa Casa da Misericórdia de São Brás.

A propriedade ocupa um total de 5000 metros quadrados, onde há oficinas, cavalariças, casas agrícolas, poço, nora ou um moinho de vento. Tudo espaços hoje aproveitados pelo Museu do Traje que, ao longo dos anos, foi «crescendo e ganhando notoriedade», recorda uma fonte ligada ao museu, que não quer ser identificada.

«Passo a passo, foram melhorados os serviços e criou-se uma identidade muito própria que envolve, por exemplo, a participação das comunidades nas atividades do museu. Só que essa participação apenas ocorre na proporcionalidade da liberdade que é dada às instituições culturais», denuncia.

 

Fachada do Museu do Traje – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Esta falta de autonomia – e de liberdade – é o ponto principal da discórdia que tem envolvido o Museu e a entidade sua proprietária: a Santa Casa da Misericórdia de São Brás de Alportel.

«Nós temos assistido, nestes últimos anos, a uma política mais centralista, mais autoritária, que não tem ajudado ao desenvolvimento do museu», salienta a mesma fonte.

Júlio Pereira, provedor da Santa Casa da Misericórdia de São Brás, eleito em 2016 pela primeira vez, refuta as críticas e é taxativo: «não há aqui problema nenhum!».

«Se o museu é aquilo que é hoje, é graças à Misericórdia, que é detentora deste património, mas também daquilo que foi lá investindo em manutenção ou projetos novos», considerou, em declarações ao Sul Informação. 

Só que, quem conhece o museu, defende que, «apesar de ser uma secção da Misericórdia», a estrutura museológica só funciona «se tiver um certo grau de liberdade, que tem sido cortado e que leva a que se perca força e capacidade de realizações».

«Há um sufoco e um estrangulamento que não saberemos onde vai levar. Temos várias dificuldades e a necessidade que nos deem mais liberdade para trabalhar».

A esta crítica, o provedor responde: «não se pode contratar um serviço a um fornecedor porque me lembrei que era aquele, por o preço que ele me propôs. Nós temos que respeitar a contratação com rigor e transparência. Portanto, vivemos numa democracia, há liberdade, mas todos nós temos regras a respeitar», acrescenta.

Atualmente, o Museu do Traje tem três funcionários (o diretor, a porteira e um jardineiro). Em certas alturas, já acolheu estágios profissionais, mas «até isso nos foi cortado», lamenta a fonte citada, num exemplo do tal «desinvestimento» que é denunciado.

 

Júlio Pereira – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

Júlio Pereira garante que, da parte da Misericórdia, até há «abertura» para, «em determinada altura, colocar um colaborador» novo.

«Temos que analisar pontualmente, o que é, o que precisa, quanto custa, porque efetivamente nós temos um equilíbrio de custos. Como é fácil destruir um bom nome, também é fácil desequilibrar aquilo que estava equilibrado. Nós estamos numa encruzilhada em que há três fontes de financiamento que nos interessam correr atrás. Temos que ter toda a nossa capacidade de investimento para ir atrás dessas oportunidades que nos vão ajudar a criar oportunidades de continuar a alavancar a atividade no museu», acrescenta.

Sobre as críticas de boicote às atividades do Museu, o provedor garante que «tudo o que tem sido proposto, tem sido aprovado», mas sublinha, contudo, que o trabalho essencial da Misericórdia é «na área social».

«Eu diria que, se nós não tivéssemos área social, não tínhamos museu. Por uma questão muito simples: o museu não é rentável, nem se pode ver este assunto por esse prisma», diz.

Ainda antes da visita do presidente da APOM a São Brás, a própria Câmara Municipal levou a cabo uma reunião, a 12 de Agosto, na qual juntou o diretor do Museu Emanuel Sancho e o provedor Júlio Pereira.

O presidente da autarquia Vítor Guerreiro acredita que «as coisas estão bem encaminhadas para a resolução do problema».

«Houve um mal estar, que acredito que será resolvido porque este é um espaço crucial, é a sala de visitas do nosso concelho com importância até nacional», acrescenta, ao Sul Informação.

 

Jardim do Museu do Traje – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Para o autarca, o «Museu do Traje é demasiado importante para a história do nosso povo e tem de lhe ser dada atenção. Da nossa parte, temos um protocolo de 17.500 euros anuais e estamos sempre disponíveis para ajudar».

João Neto, nas suas declarações ao nosso jornal, defendeu que a Câmara, além do apoio financeiro que dá, deveria assumir «um papel mais ativo de mediação, para fomentar um maior diálogo entre a Misericórdia e o Museu».

Um aspeto muito curioso que o dirigente da APOM também salientou é o facto de esta estrutura museológica ter, e desde há muitos anos, um ativo grupo de Amigos, aliás o primeiro grupo de amigos de um museu criado no Algarve, que envolve a comunidade local, com portugueses e estrangeiros a trabalhar para o mesmo fim.

Os Amigos do Museu do Traje são voluntários, organizados em vários grupos de interesse, que contribuem para uma programação nas várias áreas da cultura, arte, dança, música ou fotografia. Mas os Amigos também têm sido fundamentais para angariar verbas de modo a ajudar o Museu a manter-se de portas abertas. Compraram equipamentos, pagaram a montagem de exposições, apoiaram financeiramente a conservação das frágeis coleções, entre outras ajudas.

Só que, lamentam-se alguns membros do grupo, quando estas pessoas, que fazem trabalho voluntário, «começam a sentir que o esforço individual não é apreciado, começa a haver desmobilização».

«Isso é desastroso. Há aqui um trabalho de anos. É lamentável que se esteja a minar e a tomar atitudes autocráticas que acabam por desmobilizar os voluntários», dizem.

Do lado da Misericórdia, garante-se que a relação com os Amigos do Museu «tem sido boa».

«Não houve nenhuma questão colocada pelos Amigos do Museu, quer seja pela direção, quer pela sua colaboradora que tenha sido recusada. Antes pelo contrário: os Amigos do Museu passaram algumas dificuldades e nós ajudámos. Portanto, se o grupo tem alguma questão específica que até não tenha sido bem acarinhada, isso a nós não nos chegou. Nunca tivemos esse feedback», garante Júlio Pereira.

Uma afirmação estranha uma vez que, os Amigos do Museu, que integravam a Mesa da Santa Casa da Misericórdia de São Brás, se demitiram recentemente, em protesto. O Sul Informação, aliás, tentou obter uma posição oficial dos Amigos, mas ninguém quis falar.

Quanto ao futuro deste espaço, o pedido de quem conhece bem o museu é só um: «funcionarmos com um ambiente pacífico de trabalho e não sob stress e ameaças».

Dália Paulo, museóloga, antiga diretora regional de Cultura do Algarve, além de membro do ICOM, salienta que a coleção do Museu do Traje, «no contexto do Sul de Portugal, é única e espetacular. É uma coleção muito importante, sobretudo de um período pouco estudado, do século XIX e início do século XX, que é preciso preservar, mas que necessita também de uma atenção especial e permanente na área da conservação e da manutenção».

Pelo futuro do premiado Museu do Traje, só resta esperar que a exposição proposta pelo presidente da APOM vá mesmo avante e sirva de momento de reconciliação.

 

 

 



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