Material circulante ligeiro Tram-Train: Será a opção adequada para a Linha do Algarve?

Movimento Mais Ferrovia preconiza para a Linha do Algarve um novo tipo de comboios, ligeiros

O Movimento Mais Ferrovia (MMF) apresentou os seus contributos para a construção da Estratégia para a Ferrovia do Algarve às entidades regionais e do governo central, com competências em matérias de planeamento e desenvolvimento regional e transporte ferroviário, no passado mês de Março, e, mais recentemente, no dia 19 de Julho, na CCDR Algarve, no âmbito da auscultação pública da região para a construção do Plano Ferroviário Nacional.

Nestes contributos, o MMF inclui infraestruturas ferroviárias e material circulante, tendo preconizado para a Linha do Algarve um novo tipo de comboios, ligeiros, que ofereçam um serviço de qualidade e condigno, com frequência elevada associada a um alargamento do horário, e mais paragens de proximidade de acesso às populações.

Ou seja, um serviço de transporte ferroviário que suprima as verdadeiras necessidades de mobilidade intra-regional e se constitua uma alternativa de transporte à congestionada EN 125 e à excêntrica Via do Infante, muito mais eficiente, sustentável e amiga do ambiente.

Esta opção também se baseia no facto do corredor litoral do Algarve, especialmente entre Lagos e Vila Real de Santo António, se assemelhar a uma “área metropolitana”, onde se concentra grande parte da população do Algarve, que atualmente ronda os 467 mil residentes, a que acrescem anualmente entre 7 a 8 milhões de turistas.

De salientar que a Linha do Algarve atravessa todo este território e faz a ligação entre todos os centros urbanos a Sotavento, no troço entre Faro e Vila Real de Santo António, e a Barlavento, no troço entre Estômbar e Lagos, o que constitui uma mais-valia para a mobilidade intra-regional.

Tendo em consideração estas características peculiares, associadas à curta distância entre paragens, e analisando toda a oferta de material circulante existente no mercado, o MMF considera o tram-train o mais adequado para servir a região. Para o cabal entendimento desta opção, apresentam-se de seguida os conceitos e as vantagens associados aos tram-trains.

>>Esta designação pode ser traduzida para a literatura técnica ferroviária de expressão portuguesa como elétrico (tram) + comboio (train).

>>Nasceram em 1992, na área metropolitana de Karlsruhe, tendo vindo a expandir-se de forma rápida e universal, transformando-se no meio de transporte ferroviário ideal para áreas metropolitanas com um mínimo de 100 mil habitantes.

>>São elétricos dimensionados e construídos de modo a poderem circular em traçados urbanos, com os carris embebidos ao nível do piso rodoviário ou pedonal, e com velocidade reduzida podendo atingir 70 km/h (padrão), e também em linhas convencionais, estabelecidas com uma estrutura de balastro e travessas de assentamento, com velocidade máxima de 100 km/h (padrão).

Figura 1 – Tram-train e tramway, do metro do Porto

>>Os seus pesos, as potências e as velocidades situam-se entre o material urbano (tramways) e o suburbano (commuter trains), (Figuras 1 e 2) combinando a flexibilidade, a acessibilidade e as velocidades de ambos, como é desejável para a região do Algarve.

Figura 2 – Commuter train e tram-train, Nantes

>>São usualmente bidirecionais, ou seja, possuem cabina de condução em ambas as extremidades, o que lhes confere versatilidade nas estações terminais.

>>Podem operar sob todos os sistemas de tração elétrica convencionais, com configurações monocorrente ou bicorrente, p. ex.: Metro do Porto (750 V cc), Cádiz (1,5 kV / 3 kV cc), Lyon (750 V cc / 1,5 kV cc), Karlsruhe (750 V cc / 15 kV 16 2/3 Hz), Île-de-France, Nantes, Sheffield (750 V cc / 25 kV 50 Hz).

>>Podem ser construídos para qualquer bitola, p. ex.: 1000 mm, 1435 mm, 1520 mm e 1668 mm.

>>Permitem que os utilizadores se desloquem no mesmo meio de transporte, dos aglomerados populacionais das periferias das cidades diretamente para os centros urbanos. Este conceito de tram-train facilita significativamente a mobilidade, desmotivando os utentes a optarem pelo transporte individual.

>>Potenciam o aumento do número de utilizadores, devido à comodidade e à redução dos tempos de viagem.

>>São um meio de transporte ecologicamente sustentável, uma vez que a poluição por gases de efeito de estufa não existe, e o ruído é fortemente reduzido face ao gerado pelos veículos rodoviários, assim como pelo material circulante equipado com sistemas de tração com motores diesel. Além disso, mais de 90 % dos seus materiais são recicláveis.

>>Os seus custos operacionais e de manutenção são muito inferiores aos associados ao material circulante atual – automotoras UDD 0450. Esta redução de custos pode tornar as tarifas bastante apetecíveis para os utentes, sendo normalmente menores que as praticadas no material circulante convencional. A sua fiabilidade e disponibilidade operacionais situam-se, grosso modo, em 98-99 %. Comparativamente com as atuais automotoras UDD 0450, as poupanças energéticas e nos respetivos custos associados podem situar-se em 70-80 %. Já em 2012, mais de 25 % da despesa com o serviço regional de comboios na Linha do Algarve estava associado a reparações!!

>>Têm um desempenho operacional que se traduz por consumirem até 4 vezes menos energia que um autocarro, e até 10 vezes menos que uma viatura automóvel, mesmo sendo utilitária.

>>São o material circulante mais adequado para operar em linhas com um número elevado de estações e apeadeiros, isto é, com distâncias muito curtas entre paragens, e onde se torna premente otimizar os horários de oferta, uma vez que as suas acelerações de arranque e desacelerações de frenagem – 1,1 a 1,2 m/s2 – são mais elevadas que as associadas ao material circulante atual – 0,5 a 0,6 m/s2.

>>O seu peso bruto máximo por eixo é bastante inferior ao das automotoras UDD 0450 – 11 ton versus 14 ton, menos 20 % – o que provoca uma menor reação mecânica sobre a estrutura das vias.

>>Estão equipados com sistema de frenagem regenerativa. Grosso modo, a energia elétrica recuperada por 2 unidades durante a sua frenagem, pode ser suficiente para alimentar 1 unidade a operar em tração.

>>Podem ser constituídos por 2 a 7 módulos (veículos), de menor comprimento que nas composições convencionais, e são equipados também com sistemas de articulação basculantes, para que se possam inscrever em curvas severas, com raios de curvatura mínimos da ordem de 20-25 metros. Conseguem ainda circular em rampas de gradientes até 100 por mil.

>>A mobilidade dos utentes é excelente, uma vez que são construídos com um número elevado de portas duplas de acesso, normalmente 4 por veículo, 2 em cada lado, e dispõem de espaços amplos para transporte de passageiros com mobilidade reduzida, de bicicletas e outra bagagem.

>>Consoante as especificações dos operadores, podem ser construídos com as filosofias de acesso LF – Low Floor (piso baixo em 70 % ou em 100 %), e HF -High Floor (piso alto).

Figura 3 – Tram-train do metro do Porto, em circuito urbano operando como tramway (elétrico)

 

Um caso de grande sucesso de combinação “metro-tram-train” é a rede de metropolitano do Porto, cuja entrada em funcionamento se deu em 7 de dezembro de 2002. Liga entre si sete concelhos da área metropolitana, e é constituído por 6 linhas, com mais uma planeada, e 82 estações, com mais 7 previstas.

A sua extensão total é de 70 km, a maioria à superfície, e 9,5 km subterrânea, encontrando-se em construção mais 28 km. A sua procura em 2019 registou um recorde de 70 milhões de utentes. A bitola é a padrão, 1435 mm, e a captação de corrente é aérea, através de fio de contacto e pantógrafo. O seu parque de material circulante compreende 102 unidades múltiplas elétricas, das quais 30 são tram-trains, de velocidade máxima 100 km/h (Figuras  3 e 4).

Figura 4 – Tram-train do metro do Porto, em linha tradicional operando como train (comboio)

Outro caso de sucesso, bastante recente, respeita ao tram-train em serviço na área metropolitana de Cádis, com uma configuração padrão de 3 veículos, opera em bitola ibérica 1668 mm, e com velocidade máxima de 100 km/h (Figura 5).

Figura 5 – Tram-train de Cádis, a circular em linha tradicional

 

Autor: Prof. Carlos Cabrita, especialista em Material Circulante, membro do Movimento Mais Ferrovia

 

 
 

 
 



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