Estudo serológico pioneiro arrancou em lares do Algarve e do Alentejo

Estudo no Algarve e Alentejo é pioneiro na Europa e representativo da situação da população idêntica em todo o território nacional e mesmo nos outros países

A ministra Ana Mendes Godinho com o primeiro utente a ser testado – Foto: Ana Sousa | Câmara Municipal de Vila do Bispo

5200 pessoas, das quais 2400 funcionários e 2800 utentes, de 62 lares de idosos do Algarve e Alentejo, começaram esta terça-feira, dia 17, a fazer o teste serológico, que vai determinar a «prevalência de anticorpos positivos, 8 meses após a vacinação» contra a Covid-19. 

Durante 10 dias, as equipas do Algarve Biomedical Center (ABC) vão correr instituições, «desde Vila Real de Santo António a Vila do Bispo, no Algarve, e desde Odemira a Portalegre, no Alentejo», para fazer esses testes. O estudo serológico é de participação voluntária e gratuita. Um pequena picadinha no dedo para recolher o sangue e já está.

A operação começou ontem, no lar de Sagres da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, com a presença da ministra Ana Mendes Godinho, responsável pela pasta do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Os resultados serão apresentados em Setembro.

Em declarações ao Sul Informação, Nuno Marques, presidente do ABC, explicou que o que vai ser feito são testes «a um grupo de idosos com mais de 80 anos, que são as pessoas que estão nos lares, e, ao mesmo tempo, aos funcionários desses lares, mais jovens», só sendo incluídas «pessoas que tenham a vacinação completa até à data».

O estudo serológico, acrescentou aquele responsável, «irá fazer a comparação destes dois grupos, uma vez que se sabe já que os mais idosos têm sempre um sistema imune mais débil», sendo «muitas vezes excluídos dos estudos científicos», o que leva a que haja «muito poucos dados sobre esta população».

Ou seja, este estudo serológico vai analisar a imunidade dos idosos mais vulneráveis já vacinados e compará-la com a dos funcionários a quem foi administrada a vacina na mesma altura.

O estudo está a ser conduzido pelo Algarve Biomedical Center (ABC) e pela Fundação Champalimaud, entidades que mais uma vez se juntam, sublinha Nuno Marques, e que «têm esta capacidade de, no espaço de um mês, porem em prática um estudo com mais de 5 mil individuos, cujos dados daí resultantes serão apresentados antes do Outono. Com isto, vamos fornecer dados científicos às autoridades de saúde, que elas irão certamente juntar a outros, para as suas tomadas de decisão sobre a pandemia para este Outono/Inverno».

 

Nuno Marques, do ABC, com Ana Certal, da Fundação Champalimaud

Aspeto importante é que este estudo não só é pioneiro na Europa (e provavelmente no resto do mundo), como as suas conclusões, os dados que fornecer, poderão servir para ajudar a tomada de decisões tanto em Portugal, como no resto da Europa. «Os dados deste estudo, com testes nos lares do Algarve e do Alentejo, são muito idênticos aos do resto do país [daí não ser necessário testar idosos e funcionários de outras regiões], ou mesmo de outros países da Europa, de lares de Espanha, França, Itália».

Na prática, serão testados três subgrupos: um primeiro das pessoas com as duas doses da vacina, um segundo com pessoas que tiveram infeção Covid e depois apenas levaram uma dose de vacinação e ainda um terceiro grupo, aquele em que, depois da primeira dose, as pessoas ficaram infetadas com o novo coronavírus.

Do ponto de vista científico, explica ainda o médico e investigador que é presidente do ABC, seriam necessários, para fazer este estudo serológico de modo a torná-lo representativo, apenas cerca de 700 testes. Mas a decisão do ABC e da Fundação Champalimaud foi de alargar de forma significativa a amostra, para um total de 5200 pessoas testadas.

Tudo isso, segundo Nuno Marques, «implica que nós vamos conseguir, com este estudo, responder a várias dúvidas que há quanto a esta população mais idosa, relativamente aos tais subgrupos. Daí nós termos apostado num número tão alto, que obviamente é mais complexo em termos de operação, é mais dispendioso, mas vai fornecer-nos muito mais dados, que, quanto aos subgrupos, serão dados robustos do ponto de vista científico».

Armindo Vicente, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, onde a operação ontem começou, revelou estar curioso em relação à informação que vai resultar deste estudo serológico. É que, sublinhou, «queremos saber qual o impacto do Covid-19 numa ERPI como a nossa, que não teve uma realidade Covid», ou seja, onde nunca se registou nenhum caso.

 

Nuno Marques, Patrícia Seromenho, Armindo Vicente, Ana Mendes Godinho e Margarida Flores

Sobre as dúvidas manifestadas por outros especialistas, que defendem que os resultados de estudos serológicos não são esclarecedores sobre a imunidade, nem servem para avaliar uma eventual terceira dose da vacina, o presidente do ABC respondeu que o papel do estudo que hoje começou «não é definirmos se vai haver ou não, uma terceira dose da vacina».

«É obtermos e depois fornecermos dados científicos, dados que são hoje em dia desconhecidos e que nós não temos, sobre a população que mais necessita de proteção nesta doença», os idosos com mais de 80 anos.

«Não se pretende com este estudo, e penso que não se consegue com nenhum outro, termos dados que sejam decisivos, hoje em dia, para uma tomada de decisão, seja ela da vacinação ou de outras medidas de proteção» contra a Covid-19, frisou.

O objetivo é entregar «estes dados às autoridades de saúde, para que os possam usar como quiserem, em conjunto com outros, na sua tomada de decisões», esclareceu o presidente do ABC.

E porquê escolher o lar de Sagres para o início da operação? Armindo Vicente dá a primeira resposta: «porque tinha de começar por uma Misericórdia». Mas tanto Nuno Marques, como a ministra Ana Mendes Godinho e a autarca Rute Silva falam da dimensão mítica de Sagres, da sua ligação ao Infante D. Henrique, que começou a aventura lusitana pelos mares nunca dantes navegados com recurso à ciência e ao conhecimento. E a própria saga dos Descobrimentos, que passou por «descobrir coisas e responder a questões, ter a dúvida», no mesmo espírito de curiosidade e de abertura ao mundo, que, no fundo, caracteriza os investigadores do ABC ou da Fundação Champalimaud.

Estes primeiros testes no lar de Sagres foram acompanhados pela ministra, que fez questão de salientar que os estudos serológicos são apenas mais um projeto que dá seguimento a «um Algarve inovador, sempre na linha da frente, com muitas iniciativas no âmbito desta pandemia a ter o seu pontapé de saída aqui».

Um desses projetos foi o dos testes nos lares, a utentes e funcionários, que começou na região algarvia, pela mão do ABC. «No último ano e meio, fizeram-se 400 mil testes de diagnóstico em todo o país que nos terão permitido evitar cerca de 1000 surtos de Covid em lares», revelou a ministra.

Dirigindo-se aos responsáveis do ABC – organismo que junta a Universidade do Algarve e o Centro Hospitalar Universitário, ali representados pelo reitor Paulo Águas e pelo administrador Paulo Neves – a governante desejou que continue «a vossa grande capacidade de nos inspirar para aquilo que temos de fazer e para responder com cada vez mais qualidade».

Por isso, Ana Mendes Godinho exortou: «Que o Algarve continue a fazer história». «Conto convosco para esta permanente inspiração, mas também estímulo para nunca baixarmos os braços».

Rute Silva, presidente da Câmara de Vila do Bispo, congratulou-se pelo facto de começar, precisamente em Sagres, «uma nova fase da estratégia nacional» de combate à Covid-19. Voltando-se para os funcionários do lar, classificou-os como «guerreiros» que têm assumido a linha da frente nesta luta que já leva ano e meio.

 

A D. Rogélia, que agora se reformou, com a medalha e o ramo de flores

O anfitrião do arranque dos estudos serológicos foi Armindo Vicente, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, mas também presidente do Secretariado das Misericórdias do Algarve. Este responsável salientou que «os testes são a continuação de um processo», frisando que a palavra que lhe ocorria era «gratidão, gratidão que é a voz do coração».

Num lar com 61 utentes e quase 60 funcionários, a presença da ministra da Segurança Social foi aproveitada para a homenagem a uma funcionária que se reformou agora, ao fim de 39 anos de trabalho naquela instituição. Trata-se da D. Rogélia Lopes, que recebeu, das mãos da ministra, um ramo de flores e a medalha da Misericórdia.

«A D. Rogélia abriu este lar e simboliza todos os funcionários que deram e continuam a dar tudo por tudo pelo bem estar dos nossos utentes», salientou Armindo Vicente.

Mas as surpresas não se ficaram por aí. Atrás do provedor, estavam sentados a D. Senhorinha, o Senhor Joaquim e a D. Amélia, «que representam toda uma instituição, sem eles não existiríamos».

Mais atrás ainda, como pano de fundo da sessão ao ar livre, batida pelo vento incessante de Sagres, nas varandas do lar viradas para o mar, os utentes empunharam cartazes feitos à mão, com seis palavras em letras garrafais: «Aqui somos felizes, obrigada pela visita». A palavra “visita” demorou mais tempo a ser mostrada, tendo o provedor brincado, a dizer que ali as coisas eram feitas ao ritmo dos idosos, por isso, nada de pressas.

Depois, a D. Senhorinha que, além de utente, faz parte dos órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia, ofereceu uns «miminhos» à ministra e aos convidados, tendo ainda feito um curto discurso para agradecer o facto de «terem começado por este lar». «Ficamos muito longe da capital, mas também somos gente», disse, numa tirada muito aplaudida.

Foi uma forma diferente e carregada de esperança de dar o pontapé de saída a este pioneiro estudo serológico.

«Até ao dia 27, teremos os dados de 5200 pessoas recolhidos e prontos a ser analisados. Em Setembro, faremos a apresentação na Fundação Champalimaud, em Lisboa», concluiu Nuno Marques, presidente do Algarve Biomedical Center.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 



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