Castelo de Alferce tinha uma entrada feita para dificultar a vida aos invasores

Escavações arqueológicas revelam novos dados

Medições – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«Aqui é que já se pode usar o pico…traz também o colherim», diz o arqueólogo Fábio Capela para o jovem voluntário Diogo Petreques. «Vais puxando as pedras com cuidado, até encontrar a face. Só não podes tirar as pedras que estão em posição horizontal e vertical, porque pode ser a face», explica, debruçado sobre uma zona que, aos olhos de um leigo, mais parece um simples montão de pedras, sem nexo.

Mas os olhos treinados de Fábio Capela, o arqueólogo da Câmara de Monchique e coordenador dos trabalhos, conseguem distinguir muito mais. «Possivelmente, teremos aqui a 9ª torre, é isso que estamos a escavar», contou. à reportagem do Sul Informação.

A torre a que ele se refere estaria encostada à muralha da estrutura fortificada, construída durante a ocupação islâmica-omíada, dos séculos IX-XI d.C. É aqui que, até 3 de Setembro, está a decorrer mais uma campanha de escavações arqueológicas, no âmbito do projeto “Da Pré-História recente ao Medieval Islâmico: antigas ocupações humanas no Cerro do Castelo de Alferce”, este ano concentradas na entrada norte do recinto fortificado superior e numa zona da muralha.

Trabalhos na entrada do alcácer – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Dos trabalhos em curso no alcácer (a zona central, espécie de último reduto do castelo), resultaram já duas novidades, uma em cada zona das escavações: na entrada norte, descobriu-se que ela estreitava, passando de 2,8 metros no início, para apenas 80 centímetros na parte mais interior.

Esse «estrangulamento», revelou Fábio Capela, fazia com que apenas pudesse entrar no recinto «no máximo, uma pessoa a cavalo». No fundo, era mais uma estratégia de defesa.

«Se tudo correr bem, até final de Agosto estará tudo limpo e a entrada ficará aberta, pela primeira vez em muitos séculos», acrescentou o arqueólogo municipal.

A outra novidade foi a descoberta, na base da muralha, de uma casca de ostra embutida na parede, como se fosse material da construção.

Humberto Veríssimo, aluno de doutoramento em Zooarqueologia na Universidade do Algarve, co-coordenador desta campanha de escavações arqueológicas, explicou que se trata de uma ostra de uma espécie comum no Algarve, a Ostrea edulis.

Então porquê o entusiasmo dos arqueólogos com a descoberta da ostra? É que a sua concha «vai permitir-nos fazer a datação mais exata desta muralha», revelou Humberto. Pelo tipo construtivo, presume-se que esta seja a muralha mais recente, do período Omíada, da segunda metade do século X, há pouco mais de mil anos. Mas a datação por rádio-carbono da ostra encontrada quase nos alicerces da muralha permitirá confirmar isso (ou não).

 

Humberto Veríssimo mostra o buraco, na base da muralha, onde foi encontrada a ostra – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

No ano passado, recordou, numa zona de ancestral lixeira, entre esse recinto mais interior e uma muralha exterior, foi descoberto um «depósito de restos osteológicos», ou seja, de ossos, de cabra, ovelha, aves (galinha), coelho ou lebre, bovinos, bem como cascas de ameijoas e espinhas de peixe, provando que, apesar de situado no alto da serra, este castelo tinha relações com o mar, que se avista lá em baixo, para sul.

Humberto Veríssimo, que continua pacientemente, com um colherim, a limpar a terra, numa zona entre as duas muralhas superiores, fala de cada fragmento de osso com o entusiasmo próprio de quem está a fazer o seu doutoramento precisamente em zooarqueologia. «No ano passado, encontrámos mais ossos de ovelha do que de cabra, o que, para um contexto de montanha, é estranho», comenta. «Vamos ver se este ano obtemos mais respostas», acrescenta.

O Cerro do Castelo de Alferce é um povoado fortificado que ocupa uma elevação rochosa com 487 metros de altitude máxima, na serra de Monchique. O sítio arqueológico é composto por três recintos amuralhados não concêntricos, sendo que o vulgarmente chamado Castelo de Alferce corresponde ao recinto fortificado superior, onde estão a decorrer as investigações.

A fortificação era constituída por três ordens de muralhas: um fortim superior de tipo qasr (alcácer), uma cintura de muralhas a cerca de 36 metros do fortim e uma terceira cerca a rodear todo o cerro, com cerca de 9 hectares de área intramuros.

Este Verão, durante os dois meses de trabalhos, com uma equipa que varia entre cinco e doze pessoas (contando com voluntários), haverá ainda uma terceira zona de intervenção, no cerro do Castelo de Alferce: a plataforma pré-histórica, onde existem vestígios arqueológicos de fases recentes da Pré-História, nomeadamente do Calcolítico e da Idade do Bronze, períodos que decorreram no III e no II milénios a.C, ou seja, entre 5 mil e 4 mil anos atrás.

Foi nesta plataforma que, em 2019, no âmbito do mesmo projeto, foi feito um levantamento geofísico, pela equipa da Universidade de Marburgo, na Alemanha, coordenada pelo arqueólogo Felix Teichner.

«Este ano, numa área de 8 metros por 2 metros, onde surgiram anomalias detetadas por esse levantamento, vamos fazer uma sondagem arqueológica, para verificar se subsistem estruturas enterradas», como as que a prospeção geofísica pareceu indicar. Na prática, os arqueólogos vão escavar um retângulo de terreno, para ver se encontram, debaixo de camadas de terra e pedras, vestígios das estruturas circulares, talvez da base de cabanas pré-históricas, que a tal prospeção indicou.

 

Fábio Capela, a atualizar os registos – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Entretanto, é preciso registar e medir tudo com rigor, usando desenho, fotografia e levantamento topográfico. Foi isso mesmo que André Serra (voluntário) e Fábio Jaulino (estudante de mestrado de Arqueologia) fizeram, na manhã em que o Sul Informação visitou o sítio.

Lá mais para o fim do corrente mês de Agosto, «quando houver mais para mostrar» (nomeadamente a entrada norte do alcácer), a equipa de arqueologia vai promover um dia aberto, para que os moradores das redondezas e outras pessoas interessadas possam ir ver o que os investigadores lá têm andado a fazer.

Pode ser também que, nessa altura, já se saiba qual o dia marcado para a escritura de compra, por parte da Câmara de Monchique, do terreno onde se situa grande parte do sítio arqueológico. O contrato de compra e venda já foi assinado, como o Sul Informação revelou, em exclusivo. Mas, porque se trata de um sítio classificado como de Interesse Público, há uma série de burocracias acrescidas a respeitar, o que pode atrasar a escritura.

O projeto de investigação no Cerro do Castelo de Alferce é promovido pelo Município de Monchique, em parceria com a Universidade do Algarve, a Universidade de Évora e o Campo Arqueológico de Mértola, contando ainda com o apoio de várias entidades, nomeadamente a Junta de Freguesia de Alferce.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 



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