Transição digital e economia das plataformas

As plataformas digitais e a digitalização generalizada introduzem-nos ao risco digital e ao vírus informático

Durante esta próxima década, no quadro do PRR 2026 e do PT 2030, iremos executar o programa de transição digital proposto no Plano de Ação da União Europeia.

Para o efeito, trago ao conhecimento dos leitores do Sul Informação alguns dos tópicos mais pertinentes da economia das plataformas digitais que estarão em agenda nos próximos anos.

A tipologia das plataformas

A economia das plataformas digitais está na ordem do dia. Todavia, é importante, desde já, fazer uma distinção fundamental entre os gigantes tecnológicos das plataformas globais e as pequenas plataformas e aplicativos de comunidades locais e/ou instituições domésticas.

No que diz respeito à tipologia das plataformas, eis uma primeira divisão:

a) Plataformas Publicitárias: as receitas principais advêm do espaço publicitário,
b) Plataformas de Serviços de Computação em Nuvem: as receitas advêm da prestação de serviços tecnológicos e software informático relativos à computação em nuvem.
c) Plataformas de Serviços Industriais: as receitas advêm da prestação de serviços tecnológicos e informáticos relativos à produção e manutenção industriais,
d) Plataformas de Serviços Técnicos aos Produtos Finais: as receitas advêm da prestação de serviços técnicos e informáticos relativos à qualidade e segurança dos produtos,
e) Plataformas de Serviços em subcontratação ou outsourcing: as receitas advêm da prestação de serviços de subcontratação e outsourcing.
f) Plataformas Comunitárias, Cooperativas e Mutualistas: estas plataformas não produzem bens ou serviços mercantis, mas antes produzem bens públicos, sociais ou comuns.

Em traços gerais, podemos reagrupar as plataformas existentes em três grandes grupos ou modelos de negócio:

As grandes plataformas globalizadas e capitalizadas, GAFA e NATU
. partilha de um ativo, Airbnb
. prestação de um serviço profissional, Uber
. prestação muti-serviços, Amazon
. rede social, Facebook

As plataformas colaborativas de carácter público, comunitário e cooperativo
. Plataformas da economia social e solidária
. Plataformas municipais de prestação de serviços públicos

As plataformas animadas por start up e articuladas com o mercado
. Plataformas de jobbing, Plataformas de freelance, Plataformas de serviços MOOC, Plataformas de micro trabalho, Plataformas de alojamento, Plataformas de serviços mistos, etc.

As propriedades da economia das plataformas

Vejamos, agora, as propriedades mais genéricas da economia das plataformas que se podem resumir, esquematicamente, do seguinte modo:

  1. A desmaterialização e desburocratização de uma atividade ou serviço,
  2. A desintermediação e a reintermediação do serviço por via da plataforma,
  3. A desterritorialização da sede da plataforma e da cadeia de valor,
  4. O alargamento da esfera mercantil a novas áreas até agora expectantes,
  5. Os rendimentos crescentes de escala de uma economia das multidões,
  6. Os efeitos de rede e a captura das externalidades positivas,
  7. Mais privatização de serviços, mais concentração e menos concorrência,
  8. Mais customização e colaboração com o utilizador final,
  9. Mais personalização e precarização da relação laboral,
  10. Mais capital de risco e fundos de investimento e menos crédito bancário.

Em segundo lugar, vejamos, também esquematicamente, os tópicos mais pertinentes acerca do capitalismo das plataformas:

1) Qual é a proveniência das plataformas, globais e made in?
2) Qual é o modelo de negócio que adotam, extrativista ou colaborativo?
3) Até onde as plataformas alteram os hábitos e rotinas do consumidor/utente/utilizador?
4) Em que medida contribuem para melhorar o grau de literacia e acesso digital?
5) Quais os efeitos diretos e indiretos sobre os mercados de trabalho?
6) Que perturbações introduzem nas cadeias de valor mais tradicionais?
7) Que relações estabelecem com as coletividades territoriais e as economias locais?
8) Que impacto têm sobre o rendimento e a fiscalidade locais?
9) Qual o modelo de ocupação do território, geram mais dispersão ou aglomeração?
10) Que relações com as instituições de ensino superior e o emprego jovem qualificado?

As respostas a estas questões, que nos conduzem da sociedade do valor-trabalho para a sociedade do valor-data ou informação são, só por si, um campo imenso de investigação e uma agenda política fundamental que, em conjunto, nos ajudarão a seguir o rumo mais apropriado até ao futuro próximo.

A agenda política da economia das plataformas

Aqui chegados, são inúmeros os problemas pendentes em resultado do alargamento das plataformas digitais, sejam mercantis ou colaborativas. Vejamos, resumidamente, os principais problemas pendentes, sendo que cada plataforma é um caso, tudo dependendo da fase do ciclo de vida em que cada uma se encontra:

  1. A regulamentação/regulação dos direitos de propriedade e de acesso,
  2. A regulação dos direitos remuneratórios no interior da cadeia de valor,
  3. A propriedade/acesso aos dados e a questão de “data rendimentos”,
  4. Produção própria versus coprodução ou produção pelos pares,
  5. Proteção social versus exploração (quadro legal e direitos sociais),
  6. Permanência versus intermitência (conta pessoal de atividade e portabilidade)
  7. Avaliação, vigilância, reputação e quadro de relacionamento socio-empresarial,
  8. Conexão versus desconexão, quadro laboral e quadro familiar,
  9. O crédito bancário, o capital de risco e outras modalidades de financiamento
  10. O risco digital, a iliteracia, a litigância e a responsabilidade social

Notas Finais

A economia das plataformas é uma das formas mais visíveis da revolução digital. Os grandes conglomerados de plataformas, as cidades inteligentes, o movimento starting up, a enorme diversidade de plataformas e aplicações, a variedade de novos modelos de negócio digital e engenharia financeira, as incubadoras e os espaços de coworking, a smartificação dos territórios, a grande diversidade e vulnerabilidade do trabalho digital, os equívocos em redor das plataformas colaborativas, as novas formas de risco digital, a iliteracia digital, são alguns dos temas principais da economia da transformação tecnológica e digital.

Neste contexto, como agora se comprova com a pandemia do covid19, os riscos globais, materiais e imateriais, serão uma autêntica provação para a comunidade humana e porão à prova a nossa verdadeira solidariedade.

Doravante, deveremos ter por companhia habitual a carta de riscos globais e sistémicos devidamente atualizada. Por uma razão simples, em matéria de riscos sistémicos a procissão ainda só vai no adro e as nossas diferentes pegadas – ambientais, sanitárias, hídricas, digitais, alimentares, securitárias, tecnológicas, industriais – vão devolver-nos com custos acrescidos e graves muitos dos nossos erros de comportamento.

Por isso, a grande lição desta pandemia é acerca da economia dos nossos comportamentos em cada uma daquelas áreas referidas. As plataformas digitais e a digitalização generalizada introduzem-nos ao risco digital e ao vírus informático.

Eis, pois, uma excelente oportunidade para reavaliarmos os nossos comportamentos habituais e buscarmos uma outra linha de orientação para as nossas práticas de sociabilidade e convivialidade.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 



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