Monchique: Duas campanhas arqueológicas trazem à luz vestígios neolíticos e islâmicos

Arqueólogos andam à descoberta do passado enterrado de Monchique, em dois locais diferentes

Imagem aérea do Cerro do Oiro e a sua envolvente no início dos trabalhos arqueológicos

Escavações arqueológicas no Cerro do Oiro revelam uma vasta estrutura construída em pedra que envolve um sepulcro pré-histórico que se desconhecia. No Castelo de Alferce, as escavações incidirão nos dois recintos fortificados que coroam o cerro, bem como na designada “plataforma pré-histórica”.

O Município de Monchique tem presentemente a decorrer dois importantes projetos de investigação arqueológica sobre distintos momentos do seu rico passado. Ambos promovidos e suportados pela autarquia, decorrem no quadro de protocolos de colaboração técnico-científica firmados com a Universidade do Algarve, que se prolongarão pelos próximos anos.

Um desses projetos, designado por “Para uma recuperação das manifestações tumulares pré-históricas na envolvente das Caldas de Monchique”, arrancou este ano, sob a coordenação do Professor António Faustino Carvalho, e visa, como o próprio nome indica, o reestudo das numerosas sepulturas pré-históricas existentes na envolvente das Caldas de Monchique, conhecidas desde a década de 1930, e a escavação de um sepulcro recentemente descoberto pelo Dr. Fábio Capela, arqueólogo da autarquia, que tem o sugestivo nome de Cerro do Oiro. Estes trabalhos prolongar-se-ão até 2023.

Com efeito, após os trágicos incêndios de agosto de 2018, os serviços da Câmara Municipal de Monchique encetaram trabalhos de prospeção sistemática por toda a área ardida.

 

Alunos em formação da Universidade do Algarve e da Universidade Nova de Lisboa participam nas escavações no Cerro do Oiro

O interesse destes trabalhos era particularmente relevante na envolvente de Caldas de Monchique, pois, entre finais da década de 1930 e inícios da seguinte, uma equipa de três arqueólogos, constituída por José Formosinho, Abel Viana e Octávio da Veiga Ferreira, descobriu aí, e rapidamente encetava a escavação de um notável conjunto de pequenos sepulcros neolíticos distribuídos por várias propriedades rurais.

Estes pequenos túmulos, de tamanhos variáveis, mas com cerca de quatro metros de comprimento e planta retangular, revelaram diversos objetos que acompanhavam os defuntos.

Tratava-se de pontas de seta em sílex, facas fabricadas na mesma rocha, e machados e pequenas enxós em rochas metamórficas, por vezes acompanhadas de pequeninas contas discoides pertencentes a colares ou pulseiras, espólio que se encontra hoje depositado no Museu Municipal Dr. José Formosinho, em Lagos.

No entanto, a importância destas simples arquiteturas e destes espólios singelos foi, desde logo, considerada muito singular à escala europeia. Muitos investigadores portugueses, espanhóis e britânicos viriam a considerar este conjunto de sepulturas o protótipo arquitetónico das grandes construções em pedra típicas do Neolítico da Europa, isto é, o modelo a partir do qual todos os grandes túmulos desta época haveriam de ser construídos, os chamados dólmenes ou antas.

 

Parte central do monumento funerário do Cerro do Oiro, com especial destaque na câmara, delimitada por grandes lajes

Aqueles trabalhos de prospeção em 2018 haveriam, pois, de conseguir relocalizar esses pequenos túmulos, cuja maioria se escondia agora sob uma espessa vegetação de medronheiros e estevas, e conseguiriam mesmo identificar alguns mais.

Entre os novos sítios, inclui-se, assim, um importante túmulo construído no topo do monte que dá pelo nome de Cerro Oiro. As escavações arqueológicas neste local, iniciadas no final do passado mês de junho, sob a direção do Dr. Fabián Cuesta-Gómez, investigador deste projeto, estão a pôr a descoberto o topo de um vasto túmulo pré-histórico muito provavelmente construído no Neolítico, há seis mil anos.

O túmulo propriamente dito, constituído por esteios (isto é, grandes lajes de sienito colocadas na vertical) que delimitam uma câmara funerária de planta poligonal, aparenta ter pelo menos 3 metros de lado.

Porém, a estrutura tumular em pedra que envolve esta câmara é verdadeiramente massiva e ocupa todo o topo do cerro, formando diferentes plataformas em torno do sepulcro.

Aliás, a sua área e espessura parecem prolongar a configuração cónica do próprio cerro, o que até permite perceber porque terá passado despercebido aos arqueólogos que trabalham na região em meados do século passado.

Este notável monumento pré-histórico, seguramente um dos maiores da região algarvia dentro da sua categoria, configura-se assim como uma inesperada descoberta.

 

Machado de pedra polida neolítico encontrado durante as escavações no Cerro do Oiro

Os materiais já recuperados incluem alguns pequenos fragmentos de cerâmica e um machado em pedra polida, o que confirma a época em que se presume ter este grande monumento sido construído.

A escavação das camadas superficiais revelou o grau de afetação que o plantio e crescimento de árvores de grandes dimensões causaram na conservação do monumento, assim como alguma ação humana, fruto de uma curiosidade inerente à imponência do lugar, que o próprio nome Cerro do Oiro parece evocar.

Não obstante estas afetações, os trabalhos já puderam definir a parte superficial da área central do monumento, revelando algumas das suas características arquitetónicas. Só com a continuação dos trabalhos, e uma vez alcançado o chão original do sepulcro, onde tinham lugar as deposições funerárias, se poderão identificar contextos e mais materiais associados ao momento inicial de uso deste túmulo.

 

O Castelo de Alferce visto de sul

“Da Pré-História recente ao Medieval Islâmico: antigas ocupações humanas no Cerro do Castelo de Alferce” é a designação do projeto de investigação que se encontra em vigor desde 2020 e dedicado exclusivamente ao estudo deste notável testemunho de época islâmica.

Trata-se de um projeto de investigação também promovido pelo Município de Monchique, em parceria com a Universidade do Algarve, a Universidade de Évora e o Campo Arqueológico de Mértola, que conta com o apoio de várias entidades, nomeadamente a Junta de Freguesia de Alferce.

Formado por uma equipa de investigação multidisciplinar, que inclui investigadores com diversas competências técnico-científicas, o objetivo principal do projeto é, justamente, o estudo científico do Cerro do Castelo de Alferce e do território circundante, mediante o rastreio das suas antigas ocupações humanas e análise dos respetivos vestígios.

O Cerro do Castelo de Alferce é um povoado fortificado que ocupa uma elevação rochosa com 487 metros de altitude máxima. O sítio arqueológico é composto por três recintos amuralhados não concêntricos, devendo realçar-se que o vulgarmente chamado Castelo de Alferce corresponde ao recinto fortificado superior.

Além da ocupação islâmica-omíada, dos séculos IX-XI d.C., este cerro encerra também vestígios arqueológicos de fases recentes da Pré-História, nomeadamente enquadráveis no Calcolítico e na Idade do Bronze, períodos que decorreram respetivamente no III e no II milénios a.C. Constata-se, assim, que este local foi ocupado por diferentes comunidades humanas e em distintos momentos civilizacionais.

 

Escavação da entrada para o recinto fortificado superior no Castelo de Alferce

Tendo em conta os resultados da campanha arqueológica realizada no Verão de 2020, pretende-se este ano continuar a investigar o espaço localizado entre os tramos de muralha oeste dos dois recintos fortificados existentes no topo do cerro.

Também se procederá à limpeza e ao registo de alguns segmentos amuralhados que integram os dois referidos recintos fortificados, bem como serão realizadas novas prospeções arqueológicas.

Além disso, intervencionar-se-á também o local de entrada para o recinto fortificado superior, e prevê-se ainda a concretização de uma sondagem arqueológica na designada “plataforma pré-histórica”.

No seu conjunto, estes trabalhos de investigação arqueológica, que decorrerão até ao fim de Agosto, irão transformar profundamente o conhecimento do mais remoto passado monchiquense.

A sua importância objetiva suscitou já o interesse de várias outras entidades, nacionais e estrangeiras, em se associarem a estes projetos de investigação e na sua prossecução em diversas modalidades.

 

Aspeto do tramo de muralha no setor oeste do recinto fortificado superior do Castelo de Alferce

A Universidade de Gotemburgo, na Suécia, onde está a funcionar um projeto internacional de estudo do megalitismo, intitulado “Neolithic Seafaring and Maritime Technologies Shaped a New World of Megalithic Societies”, financiado pelo European Research Council da União Europeia, irá realizar diversas análises laboratoriais sobre os objetos a recuperar nas escavações dos túmulos pré-históricos, em colaboração com a universidade algarvia, e outras colaborações internacionais encontram-se neste momento a ser projetadas.

Também a Archaeological Association of Algarve decidiu subvencionar estes trabalhos, apoiando diretamente as despesas relacionadas com a estadia dos numerosos colaboradores voluntários nestes trabalhos, que reúnem estudantes de todos os ciclos de ensino superior de universidades portuguesas, espanholas e suecas. Estes trabalhos constituem-se assim, na prática, como campos-escola que cumprem portanto também um importante papel formativo.

A autarquia, porém, não quer ver esse passado “confinado” ao meio científico. Para além do natural contacto entre os participantes e as populações locais, estão também previstas outras ações de divulgação junto dos munícipes.

Entre estas, terá lugar a realização de “dias abertos”. Isto é, dias em que qualquer interessado se pode deslocar às escavações e obter, de viva voz por parte dos responsáveis, os esclarecimento que desejar sobre estes sítios arqueológicos e a sua importância patrimonial e histórica.

Nas páginas do Sul Informação, continuarão também a publicar-se proximamente notícias sobre o andamento e resultados de todos estes trabalhos.

 



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