Ministro do Mar mergulhou no «primeiro viveiro de amêijoas em mar aberto do mundo»

É preciso «olhar para a frente e pensar fora da caixa», diz o biólogo e gestor do viveiro

O ministro Ricardo Serrão Santos após o mergulho – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

O primeiro viveiro de amêijoas em mar aberto do mundo situa-se no Algarve, cerca de 5 quilómetros (3 milhas marítimas) ao largo de Lagos, e espera produzir «entre 300 e 600 toneladas anuais» desse bivalve. Trata-se de um investimento de 3,1 milhões de euros.

As primeiras amêijoas aí produzidas pela empresa Oceano Fresco deverão começar a ser comercializadas «no fim do ano, em Dezembro», revelou Rodrigo Clímaco, biólogo e gestor do viveiro, durante a visita que o ministro do Mar fez a este investimento inovador, na sexta-feira, dia 23 de Julho, no âmbito do Roteiro da Economia e Empreendedorismo Azul.

Mas o ministro Ricardo Serrão Santos não se limitou a visitar o viveiro, até porque as lanternas, uma espécie de caixas em rede sobrepostas por andares, com três metros de altura, onde as amêijoas são colocadas para engordarem e crescerem, se situam debaixo de água, fora do alcance dos olhares de quem está à superfície.

O governante, ele próprio investigador ligado às questões marinhas, envergou o fato de neoprene, colocou a máscara, o colete ao qual está acoplado o cilindro com o ar, as barbatanas, o regulador e saltou para dentro de água, para mergulhar, com Rodrigo Clímaco, e assim conhecer de perto este viveiro que é o primeiro a produzir amêijoas «na coluna de água» em todo o mundo.

Ambos andaram lá por baixo de água quase meia hora, tendo percorrido uma boa parte do viveiro já instalado, que terá uma área total de 100 hectares e muitos quilómetros de cabos, bem como centenas de boias amarelas ou pretas, umas a delimitar o perímetro, outras a manter toda a estrutura do viveiro a flutuar.

A borda da embarcação de apoio – para já a Oceano Fresco II, com 12 metros de calado aberto, enquanto se aguarda que fique pronta uma embarcação maior – os tripulantes, os convidados e os jornalistas (a repórter do Sul Informação e uma equipa da TVI) iam ficando cada vez mais encharcados, enquanto a forte nortada agitava o mar e fazia as ondas varrerem o convés.

 

Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

De regresso, depois de se ter livrado do equipamento de mergulho, ficando apenas com o fato, o ministro Ricardo Serrão Santos disse aos jornalistas que «aqui há uns meses tinha estado na maternidade», o Centro Biomarinho da Nazaré, pertencente à empresa Oceano Fresco, onde é produzida a ameijoa de semente, que depois é trazida para o Algarve, para crescer e engordar, alimentando-se das microalgas que filtra das ricas águas do Barlavento.

«Hoje tive a oportunidade de ver de perto este projeto de inovação que é a criação de ameijoas na coluna de água», acrescentou Ricardo Serrão Santos, garantindo que se trata de um projeto «que acarinho muito».

Trata-se de «inovação, porque as amêijoas são animais que vivem no sedimento, que aqui crescem só filtrando a água, numa produção que não tem alimento adicionado, são filtradores que vivem do plâncton desta região», deste «ambiente excecional», com «águas muito ricas» e «mais frias».

«O que está aqui a ser feito nunca foi tentado», frisou o ministro, salientando que a técnica destes viveiros em alto mar, até agora, só foi usada para a produção de ostra e de mexilhão. Mas a amêijoa, salientou, também tem «grande valor comercial».

Rodrigo Clímaco, biólogo e gestor do viveiro, acrescentaria que «a forma tradicional de cultivar amêijoas é dentro das rias ou das zonas lagunares, no sedimento, na areia ou no lodo. Aqui elas estão em mar aberto, só têm a água do mar à sua volta». «Elas estão livres no meio natural, a filtrar a água».

O sistema usado pela Oceano Fresco «já é utilizado há muitos anos, quem o inventou foram os japoneses, mas para outras espécies». Aliás, no Algarve produz-se mexilhão e ostra com esta técnica. Só que, explica Rodrigo Clímaco, para «a amêijoa ainda não acontecia, nunca se tinha tentado».

Defendendo que é preciso «olhar para a frente e pensar fora da caixa», o biólogo recorda que «muita gente pensava que não era possível criar amêijoa fora do sedimento. A Oceano Fresco acreditou que isso era possível, depois de ter estudado bastante e ter feito muitos testes. A nossa diretora de produção fez todo o seu doutoramento à volta disto. Portanto, havia aqui todo um conhecimento que nos fez dar o passo em frente».

Explicando o processo, Rodrigo diz que tudo começa no Centro Biomarinho da Nazaré, onde tem lugar a investigação e também a maternidade, ou seja, onde as amêijoas se reproduzem e de onde vem a «pequena semente», que é trazida para o viveiro situado ao largo de Lagos.

 

Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«Com 3 ou 4 milímetros trazemo-las para o mar do Barlavento Algarvio e elas aqui estão muito bem, crescem muito bem, como se pode ver pelo tamanho que já têm». Rodrigo segura na mão um punhado de amêijoas e pega num instrumento para as medir. «Estão com 3,32» centímetros, diz, virando-se para Ricardo Serrão Santos. E com que tamanho poderão ser comercializadas? «A partir dos 3,38», responde. Falta pouco.

É que, salienta, «as taxas de crescimento estão dentro do que esperávamos, em alguns aspetos até são superiores», assim como a sobrevivência no mar «está acima do esperado de 70%, chegando aos 90%».

O gestor revela que, neste momento, há cerca de 150 lanternas dentro de água, com «mais de 20 milhões de amêijoas». Em Dezembro, esse número deverá ser reforçado com mais uma centena de lanternas, para que, dentro de um ano, quando o projeto estiver em velocidade de cruzeiro, se chegue às 4000. Mas, quando o viveiro estiver com a sua capacidade máxima instalada, haverá «perto de 10 mil».

A estimativa de produção é de «chegar a valores entre as 300 e 600 toneladas», no total dos 100 hectares. Para já, quando as primeiras amêijoas aqui criadas estiverem prontas a ser comercializadas, «lá para Dezembro», serão apenas «algumas toneladas».

Mostrando os bivalves que tem na palma da mão, com um sorriso de orgulho, Rodrigo Clímaco diz: «as amêijoas estão a ficar gordinhas. É o que as pessoas esperam, que, quando abrem uma amêijoa, ela tenha carne. E é o que está a acontecer. Estão espetaculares para comer».

Então «agora vamos provar», diz o ministro Serrão Santos. De navalha na mão, abre uma amêijoa e come um dos bivalves, super fresco, acabado de sair da água. «Hum! Que bom! Sabe mesmo a mar! Mas é um sabor mais adocicado que o das ostras».

O investimento neste que é o primeiro viveiro de amêijoas em mar aberto, feito pela Oceano Fresco, totaliza 3,1 milhões de euros, dos quais 1,5 milhões foram assegurados pelo programa MAR 2020 (Fundo Azul e EEA Grants), 800 mil euros por capitais próprios e o restante é proveniente sobretudo de várias campanhas de financiamento colaborativo através de empréstimo (crowdlending), promovidas, com sucesso, na plataforma GoParity.

Entretanto, o mestre da embarcação operava a grua montada a bordo, para puxar para fora de água uma das lanternas. Rodrigo Clímaco abriu a rede que envolve as prateleiras empilhadas onde as amêijoas são colocadas para crescerem e mostra ao ministro o seu interior. Lá dentro, além dos bivalves, há outras espécies, como um ouriço-do-mar que Serrão Santos retira e mostra. Mas outras espécies, como cracas ou mexilhões também fazem do viveiro a sua casa.

Rodrigo Clímaco já tinha explicado que, apesar da pesca (e da navegação) ser interdita na área ocupada pela estrutura, esta acaba por funcionar como um «recife artificial», que atrai outras espécies e serve de local de alimentação e abrigo para o peixe. «Criámos aqui um ecossistema natural, bom para a produtividade de muitas outras espécies», sublinha. Ou seja, uma espécie de «santuário para a preservação da biodiversidade marinha», como já tinha salientado o Ministério do Mar. Além disso, as amêijoas crescem apenas alimentando-se das microalgas que filtram da água, longe das toxinas que às vezes as afetam nos viveiros normais.

Mais razões para o ministro do Mar não ter dúvidas de que se trata de um projeto «exemplar», que deve ser «acarinhado».

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 



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