Ministra explicou contas do aumento das portagens, mas não convenceu

Ministra foi ouvida na Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local

Via do Infante em 2019 – Imagem de Arquivo

A ministra Ana Abrunhosa bem tentou, mas as suas explicações sobre a mais recente redução das portagens nas ex-Scut, que ficou aquém do que era esperado pelos utentes destas autoestradas e pelos partidos da oposição, não convenceram.

Em causa, está a polémica decisão do Governo em aplicar os descontos aos valores das portagens originais, de 2011, e não aos que estavam em vigor a 30 de Junho deste ano, bem menos elevados, em virtude dos descontos que foram operados desde então.

Apesar disso, a ministra da Coesão Territorial garantiu que é intenção do Governo continuar «com a redução gradual até à extinção» da cobrança de taxas nestas vias, nas quais se inclui a Via do Infante, durante uma audição na Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local, na Assembleia da República.

Como avançou ontem o jornal Medio Tejo, a ministra, apesar de afirmar «o compromisso do Governo» em reduzir as portagens até à extinção, não avançou prazos, referindo apenas que será «o que faremos, quando pudermos».

No entanto, esse não parece ser o sinal dado com a redução que está em vigor desde dia 1 de Julho, que podia – e, na visão dos deputados da oposição, deveria – ser mais elevada.

Tudo por causa do valor base que o Governo usou como referência para operar a redução que foi aprovada em Novembro pelos partidos da oposição, mas com os votos contra do PS.

Na quarta-feira, as “hostilidades” foram abertas, logo à primeira oportunidade, por Carlos Peixoto, deputado do PSD, a força política que apresentou a proposta aprovada em sede de Orçamento de Estado.

«A senhora ministra consegue explicar por que é que o PSD propôs, a Assembleia da República aprovou, o primeiro-ministro referendou e o Presidente da República promulgou  uma lei que ditava a redução das portagens nas ex-Scut em 50% e o Governo  publica uma portaria que, atropelando essa lei, reduz as portagens em valores que se aproximam dos 30, 40 ou 45%, no máximo, relativamente ao preço das portagens que estavam em vigor?», questionou.

 

Ana Abrunhosa

 

Ana Abrunhosa admitiu que «sim, os descontos efetivos são esses» que o deputado social democrata referiu, mas explicou porquê.

«No dia 4 de Novembro, o Governo aprovou uma resolução do Conselho de Ministros onde tinha um sistema de descontos de portagem por quantidade», recordou.

No entanto, em finais de Novembro, é aprovada a Lei do Orçamento de Estado, «onde estava prevista uma redução superior das portagens» – a tal feita contra a vontade do PS e do Governo socialista.

Assim, o que o Governo fez, foi aplicar «a Lei do Orçamento de Estado em substituição dessa redução de portagens».

«Devo dizer-lhes, senhores deputados, que tendo o Governo aprovado um desconto de quantidade a 4 de Novembro, aprovando a AR a 26 de Novembro um outro desconto, no nosso entendimento era em substituição», reforçou a ministra.

A governante insistiu, alegando que «nem a letra da lei diz que é em acumulação. Nem sequer faz referência a qual é a base de incidência da redução das portagens».

Estas justificações não convenceram Carlos Peixoto, que acredita que, «lá fora ninguém percebe» as explicações de Ana Abrunhosa.

Aquilo que toda a gente percebe, disse, é que «quando a AR decreta um desconto é sobre as portagens em vigor. Não é sobre as portagens que estavam em vigor há um ano atrás, há dois ou três, há 10. Isso não faz o menor sentido».

«A ideia que dá é que o Governo andou aqui com artimanhas. Em bom português, chama-se a isso chico-espertismo. E isso não fica bem. Enfraquece as instituições, a democracia», rematou.

 

Carlos Peixoto

 

Comparemos então as duas portarias referidas pela ministra.

Analisando a portaria nº 309-B/2020, de 31 de Dezembro, que regulamentou «as medidas de uniformização e atenuação de custos para os utilizadores de autoestradas» aprovadas em Conselho de Ministros a 4 de Novembro, a questão do valor base de referência ficou bem explícita.

«Após a data de entrada em vigor do presente diploma, as tarifas de referência, para fixação das taxas de portagem aplicáveis nos lanços e sublanços das autoestradas referidas na alínea a) do artigo 1º, passam a refletir os montantes de desconto dos regimes de redução que vigoravam em Dezembro de 2019, incorporando-os», lia-se no artigo 4º do documento.

Na prática, esta alínea da portaria oficializava como valor de referência os preços de portagens que já estavam antes em vigor.

No seguimento desta determinação, o Governo revogava, na mesma portaria, todas as anteriores que instituíam descontos nas ex-Scut- até porque deixavam de fazer sentido.

Esta portaria foi a que regulamentou a cobrança de portagens nos primeiros seis meses de 2021 e que acabou substituída pela portaria nº 138-D/2021, de 30 de Junho, que veio colocar em vigor o «novo regime de descontos a aplicar em vários lanços e sublanços de autoestradas».

A questão é que o Governo, nesta nova portaria, não só revogou a portaria de 30 de Dezembro passado, como manteve a revogação das anteriores, mas sem a tal alínea que fazia dos valores cobrados em Dezembro de 2019 a referência.

Foi esta interpretação da proposta do PSD aprovada pela oposição que levou os deputados da oposição eleitos pelo Algarve a tecer duras críticas ao Governo, como o Sul Informação já tinha dado conta.

Cristóvão Norte, do PSD, afirmou mesmo que o Governo atingiu «o grau zero da ética», garantindo nunca ter testemunhado, enquanto político, «um ato tão escabroso, do ponto de vista ético, quanto este».

João Vasconcelos, deputado algarvio do BE, considerou, por seu lado, que este é «um artifício manhoso» e uma «pouca vergonha da parte do Governo».

As intervenções tanto do deputados do PSD, como dos do BE e do PCP, na comissão parlamentar de ontem, foram no mesmo sentido.

José Maria Cardoso, do Bloco de Esquerda, saudou, ironicamente, «a explicação esforçada da senhora ministra, tentando explicar o que não é explicável».

O parlamentar do BE defendeu que a lei aprovada pela oposição «é legal e constitucional, e se é legal e constitucional tem de ser aplicada, pura e simplesmente, e não pode ser aplicada ao sabor dos acontecimentos».

Paula Santos, deputada do PCP, falou em «manigância» do Governo «para não cumprir o que está previsto no Orçamento de Estado».

«O que está em causa é a aplicação de um desconto de 50% face ao que estava em vigor, e não, obviamente, face ao que estava em vigor noutros tempos – e essa é que é a questão de fundo», alegou.

Carlos Peixoto avisou diretamente a ministra de uma intenção que já tinha sido avançada ao Sul Informação por Cristóvão Norte: a de levar, se necessário, a questão até aos tribunais.

«Por isso, senhora ministra, por favor, veja lá se é possível ou não o Governo – coloque a questão em Conselho de Ministros – reverter a sua medida e cumprir aquilo que o Governo tem de cumprir, que é reduzir em 50% as taxas que estavam em vigor», concluiu.

 

 

 



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