Mais que uma Escola Profissional, Alte tem uma “família” em que «ninguém fica para trás»

«Aqueles que para cá vêm, já não querem voltar para uma escola “normal”»

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Lá na beira serra algarvia, na aldeia de Alte (Loulé), existe a Escola Profissional Cândido Guerreiro, um lugar onde todos os alunos, professores e auxiliares se conhecem pelo nome e vivem num “ambiente familiar”. Mas esta é mais do que uma simples escola. É também um projeto de desenvolvimento do interior do Algarve, através de várias iniciativas organizadas com a população mais envelhecida da aldeia.

Aqui não se foge à regra de ensinar os alunos, através de oferta formativa “normal”, mas esta instituição torna-se diferente de todas as outras que encontramos na região devido ao trabalho que tem vindo a fazer.

Ao localizar-se no interior algarvio, esta escola faz com que os alunos tenham uma «experiência diferente», começa por dizer Tânia Teixeira, diretora da Escola Profissional Cândido Guerreiro, em entrevista ao Sul Informação

«Todos sabem o nome de todos, quer sejam alunos, professores ou auxiliares», o que torna todo o ambiente vivido pelos corredores «muito parecido ao de uma família».

Este ambiente leva a que os alunos «criem laços, comecem a passar a mensagem, se tornem embaixadores, e transmitam aquilo que viveram ou vivem por aqui terem estudado».

 

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

A celebrar 30 anos, a Escola Profissional Cândido Guerreiro surgiu de um grupo de promotores organizado numa cooperativa, constituído pela Câmara Municipal de Loulé, Junta de Freguesia de Alte, Associação In Loco e mais alguns cooperantes individuais, como um polo de desenvolvimento local.

A escola promove cursos profissionais que «permitem aos alunos não só adquirirem os níveis de escolaridade correspondentes ao 9º ou 12º ano, mas, simultaneamente, adquirirem formação profissional», diz Maria Teresa Laranjo, diretora da cooperativa.

Quando os estudantes concluem os cursos, podem então seguir estudos, para o ensino superior, mas podem também integrar, de imediato, o mercado de trabalho, porque «têm uma certificação numa área profissional».

Além de ter uma frota de autocarros, que garante transporte gratuito aos jovens que vêm de outros sítios da região, disponibiliza também, nas suas instalações, um bar-refeitório com refeições para os alunos, biblioteca, auditório, gabinete médico, bem como várias salas de aulas.

Mas, a cada ano que passa, a Escola Profissional Cândido Guerreiro tem maior dificuldade em preencher todas as vagas que abre para os cursos que leciona.

No ano passado, apesar do surgimento da pandemia de Covid-19, o número de alunos que procurou a Escola foi praticamente idêntico aos anos anteriores. Já este ano, «apesar de não termos ainda uma noção muito clara», Tânia Teixeira revela que «os números estão mais reduzidos».

A escola possui um número limite de 210 alunos, «pois as instalações não permitem mais» mas, como é privada, se não conseguir abrir o número mínimo de turmas para cada curso, o seu financiamento ficará afetado.

 

Tânia Teixeira, diretora da Escola Profissional Cândido Guerreiro – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

O facto da Escola Profissional Cândido Guerreiro se localizar em Alte pode ser um dos problemas que está a fazer com que muitos jovens não escolham esta instituição para se formarem.

Os jovens «gostam de ir para uma Escola Secundária em que vão de manhã, durante o dia andam livres, depois têm centros comerciais e uma série de atrativos», mas, como Alte não os tem, «é certo que não é tão apelativo virem para uma aldeia», realça Maria Teresa Laranjo.

Este é um dos fatores que leva os jovens a decidir-se pelo ensino regular, ao invés do profissional.

Tânia Teixeira lamenta a dificuldade em conseguir alunos e aponta as culpas aos Agrupamentos de Escolas que se têm vindo a formar e que levam os alunos a completarem a escolaridade obrigatória «num ciclo fechado».

A diretora realça que, «apesar dos cursos serem semelhantes, cada escola incute diferenças», acreditando que «as diferenças que existem nas nossas instalações e nos nossos cursos deveriam ser suficientes para trazer mais alunos para cá».

 

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

A maioria dos alunos que ingressa nesta escola vem de várias localidades do Algarve e do Baixo Alentejo e escolhe esta instituição não só pela diversidade de cursos e formações, mas também por querer «viver uma experiência diferente, longe das escolas dos centros populacionais».

É o caso de Marta Guerreiro, aluna do Curso Profissional de Técnica de Ação Educativa. Residente em Albufeira, desloca-se todos os dias para Alte, a fim de se formar como auxiliar de educação.

Depois de ter ingressado no ensino secundário, na sua cidade, viu que o curso onde estava (Ciências e Tecnologias) não era aquele que queria. Começou a procurar na internet por um curso profissional que gostasse de seguir e descobriu que esta escola tinha a formação que ambicionava.

«Alte é um pouco longe da minha casa, mas sei que esta escola tem tudo aquilo que preciso para o meu futuro, nomeadamente o curso, que é o mais importante. A localização é apenas um detalhe», revela Marta Guerreiro.

Apesar de acolher «pouquíssimos alunos de Alte», existem jovens residentes na aldeia que tiraram a sua formação na Escola Profissional Cândido Guerreiro. É o caso de Ana Silva, auxiliar nos serviços administrativos da escola.

Ana nasceu e cresceu em Alte. Formou-se no Curso Profissional de Turismo Ambiental e Rural quando a escola abriu, tendo feito parte de uma das primeiras turmas em 1991. Agora, apesar de ser funcionária na escola, abriu, com a ajuda do marido, um Café-Bar na aldeia, onde aplica os conhecimentos que aprendeu durante o curso.

 

Ana Silva – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Sempre sentiu que a escola se traduz «numa grande família» e que os jovens que vão estudar para a aldeia «acabam por ficar com uma grande ligação a Alte», devido aos projetos e atividades que são desenvolvidos com a comunidade local.

Para além de apostar na formação de jovens, é este também um dos principais papeis da Escola Profissional Cândido Guerreiro: fazer com que eles tenham interação com a comunidade que vive em Alte, nem que seja apenas pelo facto de, «diariamente, virem para cá fazer atividades na aldeia, seja tomar o seu café ou refrigerante, ir até às fontes dar um mergulho ou ir até à Queda do Vigário».

Com esta escola, «há jovens na aldeia, há vida em Alte», exclama Maria Teresa Laranjo.

Os jovens que ingressam nesta escola concluem os seus estudos para estarem prontos a entrar no mercado de trabalho, mas têm também «bastante interação com a comunidade mais envelhecida da aldeia», através de atividades e iniciativas de caráter sociocultural, desportivo e artístico.

«Se esta escola não existisse, esta aldeia não tinha jovens, não tinha dinâmica, não se iria promover atividades que, de alguma forma, estabelecem ou promovem a relação intergeracional».

 

Maria Teresa Laranjo, diretora da Cooperativa – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Prestes a arrancar o próximo ano letivo, a Escola Profissional Cândido Guerreiro está já a receber candidaturas para os Cursos Profissionais de Técnico/a em várias áreas, nomeadamente, de Ação Educativa, Comercial, Turismo, de Apoio à Infância, Auxiliar de Saúde e de Gestão do Ambiente, sendo novos estes dois últimos.

O curso de Auxiliar de Saúde «emergiu da dificuldade de ter profissionais» nesta área, sendo esta uma oferta pertinente «quando se fala de territórios muito envelhecidos, em que muitas pessoas vivem isoladas», como é o caso do interior algarvio.

Este curso tem já várias empresas e entidades parceiras, «o que nos dá sustentabilidade no desenvolvimento da formação, mas que, ao mesmo tempo, nos garante a empregabilidade e realização dos estágios dos alunos».

Já o curso de Técnico de Gestão do Ambiente, também lançado pela primeira vez, será, «se a turma abrir», o primeiro a surgir abaixo do rio Tejo. É criado, «por um lado, pelas questões ambientais, mas também pelo ambiente numa perspetiva muito mais ampla».

«Propusemo-nos a abrir [este curso] porque também estamos numa zona de território Geoparque Algarvensis e, a convite desta estrutura, estamos a aguardar a celebração de um protocolo como parceiros oficiais deste parque».

Quanto aos cursos correspondentes ao 9º ano de escolaridade, a Escola promove o Curso de Educação e Formação de Operador de Informática e o de Operador de Distribuição.

A Escola Profissional Cândido Guerreiro encontra-se também ligada a vários projetos a nível nacional e internacional como “Erasmus+”, “Parlamento dos Jovens”, “Escola Embaixadora do Parlamento Europeu”, entre outros.

Apesar de todas as dificuldades em conseguir com que os jovens se desloquem para o interior, a fim de se formarem num dos cursos profissionais da Escola Profissional Cândido Guerreiro, para Maria Teresa Laranjo uma coisa é certa: «aqueles que vêm para cá já não querem voltar para uma escola “normal”».

 

Fotos: Rúben Bento | Sul Informação

 



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