Futuro da ferrovia no Algarve tem tram-trains para o Aeroporto e ligação rápida a Espanha

Ministério das Infraestruturas ouviu propostas dos algarvios para elaborar Plano Ferroviário Nacional

O Algarve sabe o que quer para a ferrovia e o Governo sabe o que o Algarve quer. Mas quando – e se – as exigências da região serão atendidas, ninguém pode dizer muito bem.

A ligação ferroviária ao Aeroporto de Faro através de um tram-train – com passagens pela Universidade do Algarve, Parque das Cidades e Loulé – a ligação de alta velocidade a Sevilha e a reposição da concordância ferroviária de Tunes, que permitiria viajar entre Lagos e Lisboa sem transbordo, são algumas das exigências da região a médio-longo prazo, que, tudo indica, vão ficar inscritas no Plano Ferroviário Nacional, que está a ser elaborado pelo gabinete do ministro das Infraestruturas.

No entanto, há melhorias que podem chegar já em 2023, quando (e se) estiver concluída a eletrificação da Linha do Algarve. O “se” prende-se com o facto de ainda não ter sido adjudicada a obra para o troço entre Tunes e Lagos.

Esta obra irá permitir «imediatamente uma mudança para material circulante elétrico, que vai garantir uma melhoria notória da qualidade do serviço», garantiu Frederico Francisco, coordenador do grupo de trabalho para a elaboração do Plano Ferroviário Nacional, em declarações ao Sul Informação.

 

Frederico Francisco – Foto: Nuno Costa|Sul Informação

 

O responsável esteve, esta segunda-feira, na CCDR Algarve, a ouvir os contributos dos algarvios para o documento estratégico que deverá estar concluído dentro de um ano.

E esses contributos vieram de várias partes: de autarcas, do Movimento Mais Ferrovia, de empresários… Tudo, numa sessão que durou mais de três horas.

A CCDR recebeu o coordenador do plano com trabalho de casa feito. Ouviu especialistas, como o professor Manuel Tão, da Universidade do Algarve, ouviu o Movimento Mais Ferrovia e, pela voz do seu presidente José Apolinário, apresentou as prioridades – e propostas – para aquilo que pode vir ser a mobilidade na região.

Apesar de ter mostrado agrado com a obra de eletrificação da linha, que trará melhorias a curto prazo, Apolinário lembrou que «falta programar a substituição do material circulante e o reforço e acessibilidade à conectividade digital em todas as estações de comboio, automotoras e composições».

 

Bárbara Caetano|Foto de Arquivo

 

«Queremos e exigimos automotoras e composições mais modernas, permitindo viajar em condições de qualidade e conforto de Lagos a Vila Real de Santo António, com redução do tempo de viagem e horários que dispensem o recurso ao modo automóvel», reforçou.

Falta ainda, segundo o presidente da CCDR, «repor a concordância ferroviária de Tunes» corrigindo «uma decisão tomada em Lisboa e que prejudica a sub-região do Barlavento do Algarve. Queremos e defendemos a possibilidade de realização de comboios intercidades de Lisboa a Lagos e vice-versa, sem o transbordo de Tunes».

Se estas duas prioridades podem vir a ser resolvidas a (relativo) curto prazo, há outros projetos bem mais ambiciosos no horizonte dos algarvios, nomeadamente a ligação em ferrovia ligeira, por tram-train, desde a estação de Faro até ao Aeroporto, passando também pela Universidade do Algarve, Parque das Cidades (com o futuro Hospital Central do Algarve) e chegando a Loulé (através da zona poente da cidade, pelo corredor da Franqueira).


A chegada da linha de comboio ao Aeroporto de Faro é um tema discutido há vários anos e, sempre que se fala dele, fala-se de estudos. Há cerca de um mês, o ministro das Infraestruturas esteve no Algarve e garantiu que o estudo de viabilidade deste investimento «se ainda não começou, está para começar».

Em Janeiro, o jornal Público tinha já revelado algumas possibilidades de traçado que constam de «análises exploratórias» levadas a cabo pela Infraestruturas de Portugal.

No entanto, explicou José Apolinário ao Sul Informação, «esse estudo prévio foi para levar o comboio pesado até ao Aeroporto. A novidade agora, que esta equipa tem defendido, é a ligação por tram-train que é uma solução menos impactante em termos ambientais, sendo que, como tem o carril da mesma bitola, permite transportar tanto combustível para os aviões, como passageiros. Mas temos de ser claros, isto implica que sejam feitos novos estudos».

José Caramelo, do Movimento Mais Ferrovia, justifica a escolha por esta linha tram-train «como existe no Metro do Porto, Almada ou Sevilha», por ter um «reduzido impacto ambiental e poder adaptar-se».

Mais uma vez, a garantia do Ministério das Infraestruturas é a de que este “sonho” dos algarvios é uma possibilidade bem real, até porque «está previsto no Plano Nacional de Investimentos (2030)» o que leva a que seja um projeto «estudado já de forma séria para decidir sobre a sua viabilidade e pertinência», disse ao nosso jornal Frederico Francisco.

A pertinência é, para os responsáveis do aeroporto e da Universidade do Algarve, inquestionável.

 

 

Alberto Mota Borges, diretor do Aeroporto de Faro, apresentou dados que não surpreenderam: «no que diz respeito aos passageiros que utilizam o Aeroporto, a utilização da ferrovia é praticamente inexistente. Recorrem maioritariamente ao táxi. Também quem trabalha no Aeroporto, na sua grande maioria, se desloca de automóvel», com consequências óbvias nas emissões de CO2.

Além dos utentes e funcionários do aeroporto, explicou o diretor da infraestrutura, «todos os dias, no Verão, temos 30 camiões a transportar jetfuel a partir da Estação de Loulé e mais 10 camiões que abastecem desde Huelva. Além da circulação rodoviária que isto acarreta e do risco inerente, há também as questões de conflitos laborais, como aconteceu há dois anos, em que ficamos sem alternativa para abastecer».

Quem não tem igualmente alternativas para chegar à Universidade do Algarve são os estudantes. Paulo Águas, reitor da Universidade do Algarve, deu um exemplo: «um aluno de Olhão, para chegar a Gambelas, de transportes públicos, demora 53 minutos. Se vier num transporte privado demora 18 minutos. O mesmo acontece com, por exemplo, um aluno de Vila Real de Santo António, que demora uma hora de comboio até Faro, mas depois leva mais 44 minutos até Gambelas».

Os números divulgados por Paulo Águas também apresentaram uma tendência preocupante: «quanto mais nos afastamos de Faro, menor é a percentagem de jovens a escolher a Universidade do Algarve e é também menor a percentagem de jovens que frequentam o ensino superior. Isso é mau para a região», defendeu.

Nesta sessão de discussão do Plano Nacional Ferroviário, o Movimento Mais Ferrovia apresentou a sugestão de ser criada uma linha, também para material circulante ligeiro, mais a Sul, que pudesse servir as cidades de Quarteira ou Albufeira, que têm as respetivas estações longe da malha urbana.

 

Proposta síntese do Movimento Mais Ferrovia

 

«Propomos uma nova tipologia de comboios, com frequência elevada e proximidade às populações, como novos pontos de paragem», realçou José Caramelo. No fundo, uma nova Linha do Litoral Algarvio.

Também a nível central, este afastamento da linha de caminho de ferro das cidades, principalmente entre Loulé e Lagoa, está identificado, explicou Frederico Francisco.

«A linha ao lado de Quarteira, Albufeira e Lagoa passa longe. Se queremos que a ferrovia seja estruturante para a região do Algarve, é necessário alterar esta situação. O Algarve é quase como se fosse uma cidade de média dimensão espalhada por uma zona litoral com vários quilómetros. Desafio é criar uma oferta que satisfaça a população», realçou o coordenador do plano.

Durante a maior parte da discussão, houve consenso alargado e, no caso específico da ligação de alta velocidade a Huelva, não houve divergências entre os oradores: é um investimento estruturante para a região.

«Queremos que seja possível repor na agenda a ligação de alta velocidade entre o Aeroporto de Sevilha e de Faro, o que será estratégico para a região», destacou José Apolinário.

«Pugnamos pelo desenvolvimento do corredor sudoeste ibérico», sendo que «o desenvolvimento deste corredor tem o apoio dos municípios do Algarve e dos empresários e suas associações» o que «reforçará o posicionamento do Algarve e do Aeroporto da região no contexto ibérico e europeu», reforçou.

 

José Apolinário – Foto: Nuno Costa|Sul Informação

 

Para ligar a Linha do Algarve já existente, a linha de alta velocidade vinda de Espanha e ainda a linha ligeira, será necessário construir uma estação intermodal. E aqui há pontos divergentes ou, pelo menos, há quem tenha já uma ideia muito clara sobre qual a localização certa da infraestrutura: Vítor Aleixo, presidente da Câmara de Loulé.

Os especialistas defenderam a localização da estação entre São João da Venda e o Patacão, mas, para o autarca, não há grandes dúvidas: a nova estação deve nascer no Parque das Cidades e fez questão de o voltar a defender publicamente.

José Apolinário admite que há «pequenas divergências de opinião» como esta, sendo «uma matéria que tem de ser estudada, claro. Depois, há outras coisas como a possibilidade de criar uma linha ao longo do litoral, que não é uma questão para amanhã. Todos os contributos são válidos e o movimento Mais Ferrovia faz aqui um papel de movimentação da sociedade civil que é de sublinhar».

Certo é que, dentro de um ano, haverá um plano ferroviário nacional que irá reunir estas propostas.

Para Frederico Francisco, foi importante perceber «que, em torno de várias questões levantadas, há uma convergência muito grande dos agentes da região. Colocando as soluções num plano de longo prazo, a ideia é que o país, à medida que vá tendo capacidade de investir – e as solicitações são sempre muitas, seja do Algarve ou de outras regiões – vá conseguindo, paulatinamente, resolver esses problemas. Se vamos resolver todos até 2030? Certamente que não, mas, pelo menos, vamos dar às pessoas um horizonte de planeamento».

O esboço da ferrovia do futuro no Algarve ficou feito, mas não se sabe é quanto tempo durará a “viagem”. É que, por enquanto, os algarvios só têm automotoras para lá chegar.

 

 



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