“Foram-se” os filmes, ficaram os cartazes. «Peças de arte» vão estar expostas no Museu de Faro

Cartazes foram colecionados pelo farense Joaquim António Viegas durante a sua juventude

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

Depois de terem sido usados para levarem público a algumas das salas mais emblemáticas do país, 33 cartazes de cinema, da era de ouro das produções francesas, recolhidos pelo artista farense Joaquim António Viegas, vão agora preencher as paredes do Museu Municipal de Faro.

A exposição, com espólio que pode vir a ser classificado como Tesouro Nacional, será inaugurada no dia 31 de Julho, às 18h00, e estará patente até 2022, contando, em paralelo, com o lançamento de um catálogo dos cartazes e com uma programação variada de atividades.

Intitulada “1907-1914, a primeira era de ouro do cinema francês, na coleção de cartazes de Joaquim António Viegas”, a mostra dará a conhecer um conjunto destes exemplares, dos primórdios do cinema, e a sua expansão a nível mundial, mas também a arte da sua produção com trabalhos de alguns dos maiores ilustradores deste período.

A exposição pretende mostrar não só a grande coleção de cartazes que integra o espólio do museu, como despertar o interesse dos visitantes para o “cinema das origens”.

Esta é uma parceria entre o Museu Municipal de Faro e o Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC), da Universidade do Algarve, que serve de mote para o lançamento de um catálogo dos cartazes de cinema, resultado de um estudo feito por Adelaide Ginga e Marta Mestre.

 

Montagem da exposição – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

A história destes cartazes remonta ao início do século XX, entre 1907 e 1914, quando Joaquim António Viegas, «cenógrafo e artista farense», foi estudar na Faculdade de Belas Artes, em Lisboa, e começou a trabalhar, ainda na sua juventude, em «algumas das salas de espetáculos mais emblemáticas de Lisboa e do Porto», começa por contar Jorge Carrega, curador da exposição e investigador do CIAC, em entrevista ao Sul Informação.

Estas salas começam então a receber o animatógrafo (aparelho que projeta personagens ou quadros em movimento), e a exibir filmes com alguma regularidade.

É nesta altura da sua juventude que Joaquim António Viegas começa a recolher vários cartazes, a guardá-los.

«Ele coleciona, não só pelo capricho de colecionar ou por ser um amante do cinema. Há aqui uma sensibilidade artística, do ponto de vista também de ter passado pelas Belas Artes», realça Marco Lopes, diretor do Museu Municipal de Faro.

 

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

A exposição irá destacar os principais géneros cinematográficos, como a comédia, o filme policial e de suspense, o filme bíblico, o melodrama e o filme de aventuras, mostrando «não só a beleza e a raridade» de alguns destes cartazes, mas sendo também um testemunho da presença destes filmes, importantes na época, em Portugal.

As obras expostas fazem parte de uma coleção composta por cerca de 300 exemplares originais, sendo 70 franceses, este que é o mote para a exposição, num total de 141, que incluem outros cartazes italianos, franceses, escandinavos e norte-americanos. mas não o único.

«Concentrámo-nos nos cartazes franceses pela qualidade em si. São interessantes do ponto de vista clássico, daquilo que representa a arte da sua produção», explica Jorge Carrega.

O cartaz de cinema, principalmente o francês, herdou toda uma tradição que já vinha do século XIX, dos poster de publicidade e de teatro, e vai assimilar todas essas formas, surgindo assim como um elemento importante para o marketing dos filmes, na sua divulgação e venda pelo mundo.

Esta exposição permitirá assim apreciar o trabalho de alguns dos maiores ilustradores de cartazes deste período, nomeadamente Cândido Aragonez de Faria, Georges Dolá, Maurice Lalau, Adrien Barrère, Gus Bofa e Louis Malteste.

«Este período é muito importante, pois coincide com os anos em que se verifica o verdadeiro florescimento da indústria de cinema, organizada por produtoras, por realizadores especializados, todos numa máquina de distribuição internacional. A indústria cinematográfica que se forma é um dos motivos pelos quais os filmes, produzidos em França , numa questão de semanas, chegam e são distribuídos e exibidos em Portugal e noutros países», diz o curador da exposição.

E é este um dos fatores que contribui para a diversidade e para a grande quantidade de cartazes recolhidos por Joaquim António Viegas.

 

Montagem da exposição – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Foi enquanto trabalhava no Museu Municipal de Faro que Jorge Carrega ficou a saber da existência desta coleção de cartazes.

Na altura, toda a coleção de cartazes de cinema entregue ao museu estava a ser estudada por Adelaide Ginga e Marta Mestre, tendo culminado num catálogo que ficou por publicar durante 16 anos e que verá a luz do dia nas próximas semanas.

«Esta exposição vai também servir de mote para lançar o catálogo», este que é um «objeto de estudo de grande fôlego e de grande desenvolvimento da parte da Adelaide Ginga e da Marta Mestre e de outros intervenientes que deram a sua participação», afirma Marco Lopes.

O catálogo foi, entretanto, traduzido para vários idiomas, o que «dá ainda mais uma dimensão internacional a esta coleção de cartazes», sendo um importante instrumento na identificação destas obras, pois há exemplares que encontram semelhantes em alguns arquivos europeus, mas há peças que são únicas.

«Há raríssimos cartazes que sobreviveram quando os próprios filmes não o conseguiram fazer. Se sobreviveram, estão esquecidos algures e não são encontrados. Portanto, tudo isto acaba por ser uma maneira de invocar uma página muito importante na história do cinema», explica Jorge Carrega.

O investigador do CIAC afirma que, para um historiador da área do cinema, «estas peças de arte» constituem «um testemunho muito importante para fazer a história da sétima arte» a nível mundial, bem como para saber que filmes chegaram ao nosso país e por que salas passaram.

«A pesquisa permite-nos saber que, de facto, há muitos destes filmes, bastante célebres na época, que foram exibidos em Faro, para além de Lisboa e Porto».

Ao existirem poucos registos, «apenas na imprensa», dos filmes exibidos, «torna-se muitas vezes difícil» saber ao certo. Pela imprensa local, é possível identificar alguns. Um deles, “Os Miseráveis”, uma versão de 1912, «poucas semanas depois da sua estreia em França, já estava aqui em Faro», relata Jorge Carrega.

 

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Em paralelo à exposição, haverá também uma programação cultural de várias atividades, sujeitas à evolução da pandemia, a decorrer ao longo dos próximos meses.

No entanto, até ao início de Dezembro, serão organizadas visitas orientadas para escolas que o solicitarem e também haverá aulas abertas para estudantes universitários.

Outra das novidades que Marco Lopes anunciou, na sua entrevista ao Sul Informação, foi a de que a coleção de cartazes está ser apreciada pela Cinemateca para uma possível candidatura a Tesouro Nacional, uma proposta formulada por Jorge Carrega, a convite do Museu Municipal de Faro.

«Achamos, pelas características técnicas, plásticas e estéticas, que a história do cinema e dos seus primórdios, através deste acervo extraordinário de cartazes, merece esta classificação», realça Marco Lopes.

O acervo, de que fazem parte as peças expostas nesta exposição, veio a ser doado em 1990, por Armando Viegas, filho de Joaquim António Viegas, ao Museu Municipal de Faro, depois da morte do artista farense.

Dele fazem também parte desenhos académicos, dos tempos de juventude, bem como elementos pessoais, que serão alvo de uma nova exposição, a ter lugar no próximo ano, no Museu Municipal de Faro, em que será destacado Joaquim António Viegas enquanto artista e cenógrafo.

 

Fotos: Rúben Bento | Sul Informação

 



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