Com mais de 100 utentes integrados no projeto, o Espaço Saúde 360º Algarve tem uma missão para a região: «combater o problema social que é a iliteracia em saúde», verificada nos idosos algarvios, «através de uma abordagem personalizada, centrada no cidadão e assente em parcerias e colaborações locais».
A ideia surgiu no ano passado. Com o país a confinar em Março, devido à pandemia de Covid-19, o Espaço Saúde 360º começou a identificar «um grande problema» na faixa etária mais idosa da região algarvia: «a iliteracia em saúde», ou seja, a falta de informação e conhecimento sobre questões da sua própria saúde, diz Ricardo Valente Santos, responsável pelo projeto ao Sul Informação.
Segundo Ricardo, este problema liga-se «àquilo que é o retrato demográfico do Algarve», sendo agravado por fatores como «os elevados níveis de envelhecimento» ou o «isolamento social por parte de alguma desta população que vive a vários quilómetros dos centros urbanos, com dificuldades de acesso a transportes e ao sistema de saúde», ou ainda pela «falta de respostas sociais adaptadas».
O quadro demográfico algarvio «acaba por não ser completamente favorável», existindo vários problemas sociais, «o que acaba por penalizar quem se encontra numa situação desfavorável».
«Os idosos são uma dessas populações e, digamos assim, a população alvo deste projeto», salienta Ricardo Valente Santos.
Depois da ideia inicial, foi já em Janeiro que surgiu esta iniciativa que é« prioritária» no Algarve.
Este é um projeto que «acaba por ser piloto a nível nacional», numa região onde «mais de um quarto da população tem mais de 65 anos» e onde «existem 161 idosos para cada 100 jovens, aumentando esta diferença 5% ao ano».
«Não há mais nenhum projeto com estas características de promover a literacia da saúde nos idosos, com este modelo de monitorização e avaliação dos utentes, a nível nacional», realça o responsável.
O Espaço Saúde 360º Algarve trabalha, essencialmente, com pessoas que não são autónomas, que chegam através da referenciação dos parceiros, e a quem o projeto dá uma resposta social.
Esta iniciativa acolhe também pessoas que têm conhecimento do projeto, decidem saber mais informações e acabam por entrar em contacto com o responsável, integrando, por fim, idosos que frequentam Centros de Dia.
Quando referenciados e acolhidos pelo Espaço, os utentes são sujeitos «àquilo a que nós chamamos de avaliação 360 inicial».
Em primeiro lugar, é feita uma entrevista semiestruturada, com a recolha de alguns dados pessoais. Em segundo, é aplicado o questionário de “Qualidade de Vida” da Organização Mundial de Saúde (OMS) para «percebermos em que ponto o utente se situa».
«Assim, verificamos se é uma pessoa que tem muita ou pouca qualidade de vida, como é que se perceciona, quais as suas necessidades, dificuldades e vontades», explica Ricardo Valente Santos, salientando que «estes dados são importantes pois assim podemos fazer um Plano de Ação Individual, baseado no modelo da prescrição social, e oferecer várias atividades consoante os gostos e as necessidades dos utentes».
Numa primeira fase, o propósito é «ensinar [os idosos algarvios] a pescar» mas «estas pessoas querem mesmo é o peixe».
Por isso, «tentamos dar apoio nas questões mais práticas da própria saúde das pessoas», mas também «oferecemos aos seus utentes várias atividades».
O objetivo do Espaço Saúde 360º Algarve é, «nestes dois anos, fazer com que 500 utentes da região algarvia tenham uma melhoria na sua qualidade de vida», esclarece este responsável.
Para isso, é necessário que as pessoas, que são acolhidas nas sessões e atividades dinamizadas, «tenham um impacto de pelo menos 5%, numa das dimensões da sua qualidade de vida. Esta evolução tem de ser verificada entre a avaliação inicial e a que é feita seis meses depois da pessoa estar integrada no projeto».
Os utentes têm assim, através do Plano de Ação Individual, «acesso a um conjunto de atividades adaptadas às suas necessidades, tais como sessões informativas sobre saúde e prevenção de doenças, palestras e workshops de nutrição, ensinamentos de navegação no portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), atividade física adaptada e yoga».
Além de todas estas atividades, o Espaço dispõe também de «exercícios de estimulação cognitiva» pois esta é mais uma forma de trabalhar «a memória, a atenção, a concentração e a cognição», bem como «alguns aspetos mais direcionados para o combate ao isolamento, que se costuma manifestar em sentimentos de depressão, de angústia, de stress ou até de ansiedade».
Os utentes dispõem ainda de exercícios de promoção de competências socioemocionais, encontros com associações de doentes, atendimentos psicossociais, sessões sobre literacia na área do medicamento e outras atividades de saúde e bem-estar, já dinamizadas por entidades parceiras na comunidade.
O projeto procura também que os utentes tenham conhecimento suficiente para que não recorram aos serviços de urgência e de saúde com tanta frequência, mais ainda durante a pandemia.
Com o confinamento do país, também o Espaço Saúde 360º Algarve ficou afetado. A fraca acessibilidade dos idosos algarvios à internet condicionou o seu acesso às atividades propostas pelo projeto. Ricardo e Débora Silva (técnica do projeto) tiveram de começar a pensar numa maneira de chegar aos utentes.
Em Janeiro, «fomos obrigados a ir para casa e as nossas cabeças começaram a andar às voltas a pensar como poderíamos aplicar o projeto, estando todos em confinamento», confessa Ricardo Valente Santos.
Foi nesse momento que «tivemos de encontrar formas de nos reinventarmos».
O projeto começou então a fazer as avaliações, outrora presenciais, por telefone ou pelas redes sociais e a dinamizar e a adaptar as atividades e sessões previstas às plataformas virtuais de chamadas online.
Para os idosos com fraca acessibilidade à internet ou ao computador, e mesmo para aqueles com pouca ou nenhuma literacia digital, Débora teve a ideia de enviar cartas com um pequeno resumo mensal do Plano de Ação Individual, para a casa de cada utente referenciado pelo Espaço, com várias exercícios de atividade física e algumas receitas de culinária.
«Começámos então a fazer, mensalmente, o envio de uma carta com um resumo do Plano de Ação Individual do utente. Mesmo que não participe nas atividades, enviamos também os exercícios físicos e as receitas culinárias que são dadas nas sessões», explica Débora Silva, técnica do projeto.
Quanto ao papel de Ricardo Valente Santos no projeto, assenta no planeamento, na organização e na monitorização das atividades. «Supervisiono e monitorizo todas as dimensões do projeto, desde a comunicação às parcerias que são, digamos assim, o meu foco central».
Já Débora, está mais presente na monitorização dos utentes e voluntários do Espaço.
Ricardo Valente Santos admite que, até agora, «o feedback que nos tem sido dado é bastante positivo», não só pelos utentes que estão integrados, mas também pela rede de parceiros do projeto.
O Espaço Saúde 360º está agora a tentar estabelecer protocolos com vários municípios algarvios, a fim de conseguir chegar mais facilmente aos idosos da região.
Com começo em Faro, «pois é aqui que temos a nossa sede», o Espaço está a expandir a sua área geográfica de atuação, tendo chegado já a São Brás de Alportel. Ricardo espera chegar até mais seis municípios algarvios até ao final de 2022 (quando acaba o projeto), «sendo, os próximos concelhos Tavira, Castro Marim e Alcoutim».
Estas parcerias são «muito importantes», uma vez que parte das Câmaras Municipais «a identificação dos utentes». «Também a cedência dos espaços para a realização das atividades é um dos papéis dos municípios».
Esta iniciativa, «inspirada pelas diretrizes e objetivos macro definidos no Plano de Ação para a Literacia em Saúde 2019-2021, da Direção Geral da Saúde, está alinhada com os princípios da coesão social e territorial».
O Projeto Espaço Saúde 360º Algarve é apoiado pelo Programa de Promoção da Operacional Regional do Algarve (CRESC Algarve) e pela Portugal Inovação Social, através de Fundos da União Europeia.
Agora, com o regresso à normalidade, mais um desafio se impõe ao projeto: fazer com que os idosos regressem às atividades em modo presencial.
Mesmo com todas estas dificuldades, o gestor admite que este projeto «tem sido muito desafiante», querendo replicá-lo a outras zonas do país, «de forma a promover a coesão social e territorial que tanto apregoamos e com as quais o nosso projeto está alinhado».
Com vários altos e baixos ao longo dos últimos meses de projeto, Ricardo e Débora afirmam que, juntamente com a equipa, «estamos a a dar tudo para atingir esse objetivo».
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